‘Mães de bairro’: mulheres de Juiz de Fora ajudam a criar senso de comunidade

Continuando a série de matérias sobre o dia das mães da Tribuna, mulheres do Santa Cândida, Santa Cruz e São Benedito mostram luta por melhores condições dentro de seus bairros


Por Elisabetta Mazocoli

25/05/2025 às 06h00

Mãe é quem cria. Por causa dessa frase, já tão dita por aqueles que reconhecem que não são só os fatores biológicos que marcam a maternidade, é justo também olhar para as mulheres responsáveis pela criação de não só uma pessoa, mas de comunidades inteiras, de laços maiores. Continuando a série de matérias no mês das mães na Tribuna, conversamos com mulheres de diferentes locais de Juiz de Fora que ajudaram a melhorar as condições de vida, a formar a autoestima de um grupo de pessoas e lutaram para deixar um impacto maior que elas mesmas. E que, não por acaso, também vieram de mulheres buscando os mesmos objetivos. O legado deixado por elas não é só de sangue, apesar de ser feito dele e também de muito suor, seja no Santa Cândida, Santa Cruz ou São Benedito. Elas são, afinal, “mães” de muitos juiz-foranos.

A cultura e a mobilização como referência no Santa Cândida

Adenilde Petrina mãe de bairro
Adenilde Petrina é liderança da cultura hip hop e voz potente do Santa Cândida (Foto: Leonardo Costa)

A filósofa e doutora honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Adenilde Petrina se tornou uma referência em toda a cidade quando o assunto é cultura hip hop e movimento social. Mas antes de ser conhecida por todas as partes, ela foi reconhecida primeiro pela sua comunidade, no Santa Cândida, para onde se mudou em 1969, quando os pais começaram a construir um terreno no bairro. “Eu comecei a participar dos movimentos sociais por necessidade. O bairro estava começando, Tinha barracos de madeira e de latão. Na rua onde eu moro, só tinham três casas.  Não tinha água, não tinha luz, não tinha escola, não tinha calçamento, não tinha infraestrutura nenhuma. (…) Carregávamos água nas costas de manhã, de tarde e de noite. Estava todo mundo cansado.” Desde essa época, quando ela tinha 17 anos e os direitos que reivindicavam eram muito básicos, a preocupação de Adenilde foi sempre por algo coletivoe continua sendo.

Ela encontrou na rádio comunitária uma forma de conseguir chamar a atenção para esses problemas do entorno, da mesma forma que falar de outros assuntos que interessavam aos moradores do bairro. “Quando percebi o alcance da rádio e como o pessoal abraçou, fui dar uma força. Eu comecei limpando, depois fui atendendo o telefone, e fui ficando até ser coordenadora da rádio.” E o projeto, ainda, fez com que tivesse uma conexão muito próxima com a cultura hip hop, da qual nunca mais se distanciou. “Para nós, a cultura hip hop passou a incluir as pessoas. É uma cultura de resistência que nos ajuda a superar o racismo, a desigualdade social e a acessar informações.” 

Desde 2013 com o coletivo “Vozes da Rua”, seu trabalho foi se juntando cada vez mais com as novas gerações — e em lugar de ajudá-los a encontrar as informações de que precisavam e incentivar o aprofundamento nos estudos. Dessa forma, as demandas por melhoria na qualidade de vida também foram mudando. “Todo mundo começou a ler muito. E descobrimos que éramos intelectuais orgânicos. (…) Agora, queremos uma biblioteca. O nosso espaço está muito pequeno, e a comunidade aprendeu que gosta de ler. Queremos esse espaço para ter cursos, guardar os arquivos da rádio e da cultura hip hop na cidade e continuar passando conhecimento.”

Para ela, uma das grandes responsáveis por Santa Cândida ter um protagonismo dentro de Juiz de Fora, todo esse trabalho se trata de um esforço muito coletivo por ideais em comum: seja o bairro, a cidade ou as pessoas. “O rap é chamado de ‘CNN do morro’, porque escreve tudo que está acontecendo na periferia, passando as notícias e as dificuldades. O hip hop é um espaço para a gente se expressar, empoderar e humanizar.” Apesar de nunca ter tido vontade ser mãe, Adenilde sabe que todo esse trabalho, tão próximo da comunidade, garantiu sua linhagem por muito tempo. “Eles são meus filhos e netos. Com 72 anos nas costas, agora sou ancestral, e eles são todos muito jovens. Nossa convivência é ótima, damos conselhos uns pros outros. Minha especialidade é o conhecimento, mas continuo aprendendo com eles, estudando junto. É uma troca.”

Uma missão conjunta para Santa Cruz

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Célia Barbosa continuou trabalho da mãe, a médium Maria Geny (Foto: Arquivo pessoal)

Quando Célia Barbosa tinha 6 anos e morava em uma colônia rural em Campestre, precisava ir andando cerca de 2h a pé até a escola em que começaria sua alfabetização. Quis muito poder ter acesso à educação. Sua mãe, dona Maria Geny, apoiava a filha, mas tinha medo de que o caminho fosse difícil demais até a escola, e só podia dar à filha um pedaço de fubá para que ela levasse e não ficasse com fome demais até poder se alimentar. Naquela época, ela conta que uma professora percebeu as dificuldades da família, e passou a dar um prato de comida para ela. 

Quando a família veio pra Juiz de Fora, em 1972, Célia estava com 9 anos. A sua mãe era médium e queria fazer, aqui, a missão que ela tinha na vida: ampliar seus trabalhos sociais e fazer uma creche para crianças. Quando se mudaram para o Bairro Santa Cruz, isso foi possível. Começaram a trabalhar com o Centro Espírita e, no começo dos anos 2000, abriram a Creche Antônio e Mary Geny, que já está com quase 25 anos de existência. “Acho que o bairro todo conhecia minha mãe. Ela foi meu exemplo a vida inteira. Eu me sinto mais forte e mais capaz por causa dela”, conta Célia. Durante todos esses anos, então, elas foram fazendo esse trabalho para crianças de 0 a 4 anos, e atualmente atendem cerca de 100 crianças da comunidade — também oferecendo reforço escolar nas terças e quintas-feiras. 

Talvez no caso de Célia, então, ela não seja exatamente só “mãe de bairro”, mas também uma das muitas filhas que uma mulher responsável por tamanha função pode ter. E pretende continuar levando esses frutos para mais gente. “Antes de ‘descarnar’, minha mãe pegou minha mão e falou comigo: ‘Se você quiser entregar a creche, você pode entregar. A missão não era sua, era minha e do seu pai. Então se for muito difícil, se tiver muito pesado pra você, tudo bem. Mas se você quiser continuar, você nunca vai estar sozinha’. E eu não me sinto sozinha hora nenhuma.” Desde 2019, ela passou a ficar à frente do trabalho educacional sem essa parceria tão longa, mas ainda levando o legado para frente. 

É algo que, para ela, tem uma importância fundamental na vida de cada um que passa pela creche, que agora ela já vê em todos os lugares e inclusive acompanha outras gerações que viveram lá chegando. “A educação infantil é a base estrutural da vida, é a base também de amor e de afeto. E eu me sinto comprometida com isso. Me cobro muito também. E acho que a gente passa essa força para eles. Por meio da educação, podemos colher os frutos lá na frente.” A creche também é o espaço em que essas histórias da sua família são contadas, como uma forma de exemplo e também de ajudar a guiar os meninos que passam por lá. “Tem crianças que passaram por aqui e voltam como voluntários, trazem seus filhos pra fazer creche aqui também. Isso pra mim é perfeição divina. (…) Cada um que vai vencendo os desafios da vida volta aqui em algum momento, conta o que fez. Eles não se esquecem, tenho certeza. Eu não me esqueci daquela professora.”

Uma contadora de histórias no São Benedito

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Vanda e sua mãe, Dalva, são trabalhadoras e inspirações para outras gerações (Foto: Arquivo pessoal)

Não é preciso sair do próprio bairro para se tornar uma inspiração entre os seus. É essa a vivência de Vanda Maria Ferreira, de 58 anos, no Bairro São Benedito. Quando se tornou contadora de histórias, professora e escritora, ela percebeu que podia não só impactar a vida justamente de quem estava mais perto, mas que podia também ajudar a contar de outra forma a história do bairro onde nasceu, foi criada, estudou e criou seus filhos. “O meu chão é o meu bairro. É onde nasci, onde aprendi a andar, me relacionei com as pessoas e as conheci. Onde tive amores e desamores, onde fiz minha caminhada.”

Quando começou a inventar suas próprias histórias, Vanda foi falar justamente de sua mãe e de sua avó, Dalva e Sebastiana, que foram lavadeiras durante grande parte da vida. Elas eram mulheres responsáveis por dar uma vida melhor aos filhos, trabalhando fora de casa, em um bairro que já era conhecido pela vivência dos trabalhadores e operários. Também foi falar da história dos pais se conhecendo e das próprias experiências. Aos 12 anos, Vanda já começou a trabalhar também e atuou durante anos como costureira na Fábrica Bernardo Mascarenhas, no Bairro Aracy, onde muitas mulheres negras, como ela, encontravam sustento. 

É dando a perspectiva de uma vida diferente dessa que percebeu que podia colaborar com a vida em comunidade. “Uma menina, outro dia, me disse que passou no vestibular de Pedagogia por minha causa. Disse que se eu consegui, ela também podia conseguir. (…) É se ver no outro. Tem gente que tem uma ascensão social e abandona seu chão, e quem fica acaba sem referência. Estar no lugar em que você foi criada permite que as pessoas vejam sua evolução e acreditem que possam também.” E, por isso, ela também entende que trazer histórias com protagonismo negro e que falem dessa realidade também é tão importante. Elas inspiram outras pessoas, que não só ela, a pensarem o bairro de uma outra forma, e assim a ajudar a melhorar as próprias condições da vida no lugar.

Mas Vanda também considera que essa influência não se estende só pelo bairro, mas pela cidade, para quem sua literatura e contação de histórias possa chegar. No novo Mercado Municipal, no Centro, uma foto sua é exibida na galeria, mostrando as mulheres que trabalharam na fábrica e suas vidas atualmente. Ela entende que isso é uma forma de registrar a história — em um lugar que, agora, tem seus livros expostos para vender. Livros que colocam justamente o São Benedito no centro de tudo. Nesse caminho, também pôde ir vendo o bairro mudar e melhorar, por interferência de gente que pensa sua importância, assim como ela. “Se eu ficasse milionária, não abandonaria meu bairro. Continuaria lá.”

Tópicos: dia das mães

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