Autores internacionais da Ars et Vita fazem lançamento de obras poéticas em Juiz de Fora

Jean D’Amérique e Gabriel Mwene Okundji participam de eventos nesta quarta-feira; Guilherme Gontijo Flores também apresenta obra


Por Elisabetta Mazocoli

24/09/2025 às 07h00

Os autores internacionais Jean D’Amérique e Gabriel Mwene Okundji chegam a Juiz de Fora nesta quarta-feira (24) para o lançamento de suas obras poéticas pela Ars et Vita. Na agenda, participam do evento “Vozes da francofonia negra em tradução” da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a partir das 15h, que conta também com a presença dos escritores e tradutores Prisca Agustoni, Thiago Mattos, Henrique Amaral e Guilherme Gontijo Flores, outro autor que irá lançar um livro de poemas na cidade. A partir das 20h, eles apresentarão suas obras na Casa Macondo. 

A vinda dos escritores, logo após o Festival Artes Vertentes, em Tiradentes, faz parte da temporada França-Brasil 2025 e conta com apoio do Programa de Pós-graduação em estudos literários, do festival e dos patrocinadores do ano França-Brasil (Governo Federal, République Française, Institut Français, Instituto Guimarães Rosa, Ministério da Cultura e Ministério de Relações Internacionais). A primeira mesa do evento da UFJF será às 15h, com Gabriel Mwene Okoundji e Guilherme Gontijo Flores, enquanto a segunda mesa começa às 16h, com Jean D’Amérique, Prisca Agustoni, Thiago Mattos e Henrique Amaral. Às 17h será realizada uma leitura polifônica de poemas e lançamento das obras.

Jean D’Amérique lança três obras inéditas

autores jean damerique
(Foto: Jorge Luis Alvarez Pupo)

Os livros “Algum país entre meus prantos & Rapsódia vermelha” (traduzido por Henrique Provinzano e Thiago Mattos), “Ópera poeira & Catedral dos porcos” (traduzido por Prisca Agustoni) e “Sol a costurar” (traduzido por Prisca Agustoni), de Jean D’Amérique, chegam pela primeira vez ao português. O autor nascido no Haiti é uma das vozes mais expressivas da poesia caribenha e usa de territórios poéticos e políticos para pensar a violência da memória e a resistência diante da tragédia coletiva, oferecendo aos leitores uma amostra relevante da obra poética do autor. “É claro que através do amor e do erotismo também resistimos à violência. Qualquer lugar onde o ser humano cria beleza e bem-estar é uma forma de resistência”, afirma.

Nas três partes que compõem “Algum país entre meus prantos”, ele revisita a fome, a infância atravessada pela violência, a epidemia de cólera e outros momentos históricos de profunda dor. Para falar sobre os temas, também foi preciso reinventar a linguagem, equilibrando o testemunho das tragédias coletivas com a reinvenção lírica. “Para mim, a poesia, além de ser uma forma estética, deve assumir a experiência humana em todas as suas dimensões. Ela testemunha a vida, com suas tragédias e alegrias. O poder e a beleza da linguagem poética me permitem contar a experiência haitiana com lucidez e precisão”, diz. 

Trazer esses temas para a literatura, não por acaso, é a sua forma de resistência: se trata de escrever a partir da história que o rodeia e de seu corpo coletivo. “Eu vivi os motins da fome no Haiti. Era adolescente, e mesmo nós, jovens, deixamos as aulas para nos juntarmos às manifestações. Fiquei marcado pela força desse movimento, que foi uma resposta direta do povo ao aumento do custo de vida. O mesmo aconteceu com o drama da cólera, que ficou gravado em mim, como em todos os haitianos que viveram essa epidemia. (…) Quando se viveu violência política, social ou outra, não é mais uma escolha falar sobre isso, é uma necessidade”, diz. Também por isso, está sempre estreitando os laços entre  poesia e corpo, palavra e experiência sensível. “Escrevo com o corpo, as palavras passam pela carne antes de irem para o papel. Muitas vezes, meus textos partem de sensações do real, que precisam apenas das palavras como ponte”, comenta. 

No entanto, ele destaca que as tragédias ou a violência não são produtos exóticos e que a literatura haitiana não deve ser lida apenas pelo viés da tragédia — se isso acontece, não é culpa dos escritores do país. “Convido as pessoas a verem o Haiti como parte do mundo em que vivem e a considerarem a experiência haitiana como a experiência da humanidade. Além das tragédias, vejam a força desse povo que resiste, vejam sua luta pela vida, vejam entre as linhas a esperança que floresce, vejam a raiva de viver que nos inflama”, afirma.

Gabriel Mwene Okundji lança ‘Como uma sede de ser homem, ainda’ 

autores gabriel okundji
(Foto: Divulgação Ars et Vita)

“Como uma sede de ser homem, ainda”, é a primeira antologia do franco-congolês Gabriel Mwene Okundji traduzida para o português, com o trabalho de Guilherme Gontijo Flores. Sua obra é marcada por abordar as lutas pela independência de seu território de origem, a defesa da liberdade de pensamento e de expressão, enquanto transita entre oralidade e escrita em busca de origens ancestrais. Em sua perspectiva, essa não é apenas uma vivência pessoal, que envolve o seu país e a sua história de colonização, mas trata-se de uma experiência humana que ultrapassa as fronteiras geográficas e políticas. “A vida, como a fala e a beleza, é um enigma, que não saberemos nunca como resolver. Sem poder resolver o enigma, a minha poesia convoca o ser humano a confiar na fragilidade de estar no mundo”, reflete.

A obra, que reúne poemas escritos nas últimas décadas, conta com títulos como “Segundo poema — Poema do chão da infância”, “A alma ferida de um elefante preto” e “Vento louco me bate”. O título, como explica, resume uma ideia central de sua poesia, e que reúne os rastros deixados ao longo do percurso já trilhado. Como comenta: “Um homem não é o resultado de um sexo, nem de uma raça, nem de uma cultura, e muito menos de um país. Eu chamo de homem um ser vivo que, a cada dia, aprende a viver com sua vizinhança, seja ela a natureza, a floresta, as árvores, ou outros povos, sem procurar dominá-los. Trata-se de viver em harmonia, com plena consciência de que o mundo, a terra dos homens, repousa nos joelhos de uma formiga”. Ao longo da carreira, ele já recebeu prêmios como o Prix de Poésie Contemporaine PoésYvelines, o Grand Prix Littéraire d’Afrique Noir, o Prêmio Léopold Sédar Senghor de Poesia do Cenáculo Europeu Francófono e o Prêmio Internacional de Poesia Benjamin Fondane, sendo considerado uma das vozes francófonas mais importantes da atualidade. 

A tentativa de reconstrução pessoal e coletiva que aparece como um eixo central, em sua obra, se faz possível pela escrita. Quando questionado se a poesia poesia pode realmente ajudar a reconstruir um país, ele responde que sim. “Só a poesia é capaz de ajudar o ser humano a se erguer, apesar da ferida, e de ajudá-lo a andar, apesar da vertigem do seu caminho. Nesse sentido, a poesia é necessária às nações humanas. Não é por acaso que todos os países do mundo trazem a poesia como identidade, é o que chamamos de hino nacional, e o hino nacional é um canto político. Cada país canta para mostrar sua diferença aos outros países, para exortar a população em caso de guerra ou de dificuldade. É por isso que tenho o costume de falar que a vida só é difícil nas fronteiras externas da poesia. O poema cura”, diz. 

Guilherme Gontijo Flores lança ‘Panapaná’’

autores guilherme
(Foto: Divulgação Ars et Vita)

O brasileiro Guilherme Gontijo Flores também está lançando o seu décimo livro de poemas, “Panapaná”. O escritor e tradutor construiu uma obra contínua dividida em três partes seriais, apostando na poesia para produzir uma comunidade de afetos diante da devastação em curso no presente. O próprio título já remete ao termo em tupi guarani para designar um coletivo de borboletas, em um  “espaço que só pode existir pelo encontro de seres singulares e inconfundíveis, que dão espaço a uma coletividade”. Foi com isso em mente que o autor escreveu a obra, que traz uma continuidade do que já fez, usando uma matéria biográfica como nunca tinha usado antes, mas que considera um dos livros paradoxalmente mais políticos e menos egóicos que já escreveu.  “É um livro que nunca deixa de ter eus e vocês, mas que propõe acima de tudo a importância de nós. Entendo mesmo que o dever primordial da poesia é produzir mundos que possam ser vividos em comunidade, uma comunidade que desdobre a utopia do poema em possibilidade política e afetiva concreta”, define.

O livro tem três partes diferentes e com referências linguísticas bem diversas, do quimbundo e do mbyá-guarani, assim como encontros e desencontros: Muxima (Travellings), Monami (Partitas) e Araguyje ñemokandire (Primavera, ainda). Ele explicou que, nos últimos anos, se aprofunou nas artes verbais de povos originários da América e da África e das poéticas afrodiaspóricas. “Acredito que somos verdadeiramente feitos delas, sem exotismo, sem idealização, de modo que a tradição literária de matriz europeia não pode mais ser a única seiva da poesia feita no presente. Se assim é, e este livro quer produzir comunidades outras diante do fim iminente do mundo em que vivemos, não há como não enxertar em mim mesmo as mudas de povos que passaram e ainda passam pelo fim de seus próprios mundos”, diz. Também é com eles que aprende o que é esse fim e como criar a partir dos escombros do presente.

A poesia, para ele, desempenha um papel diante da devastação em curso, que já passou a afetar a todos. “Muita poesia do presente se faz na denúncia do horror cotidiano; mas acredito ainda mais na poesia que vivifica, que nos diz uma vez mais que a vida vale a pena, mesmo quando o sentido da existência parece se esgarçar no não-sentido da violência, do colapso. O fio que une a obra é portanto o amor, não só o sexual (ele está lá), mas também os vínculos profundos que nos unem a partir da fragilidade de cada pessoa no sonho de uma comunidade em que nos dissolvemos e recriamos”, afirma.

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