FATAL e coerentemente TOTAL


Por MAURO MORAIS

24/06/2016 às 07h00- Atualizada 24/06/2016 às 10h46

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Gal, aos 70, sem medo, nem esperança. Gal, aos 50 de carreira, presente, por inteiro. “Nada do que fiz/ por mais feliz/ está à altura/ do que há por fazer”, canta em “Sem medo, nem esperança”, de Arthur Nogueira e Antônio Cícero, que abre o mais recente disco, “Estratosférica”, lançado em 2015. A Gal do novo século continua fatal, total, e, mais do que nunca, atual. No que canta há um tanto de ontem e outro tanto de amanhã. “Há e sempre haverá. Sou todas elas, todos os estilos pelos quais passei corajosamente. Tudo o que faço agora é totalmente coerente com minha história”, diz a cantora, em entrevista por e-mail à Tribuna, dias antes de retornar ao mesmo Cine-Theatro Central do qual se despediu no dia 7 de outubro de 2007, minutos antes do show que faria na cidade, cancelado por conta de uma quebra de contrato por parte do contratante.

Gal, que viveu o tropicalismo e a bossa, e conviveu com Tom e Caymmi, além de muitos outros nomes e movimentos que escreveram a história da música popular brasileira, agora vive plenamente os dias que correm. “Não sinto mais o tempo”, canta em “Espelho d’água”, canção que empresta nome à turnê que chega a Juiz de Fora. Assinada pelo hermano Marcelo Camelo, em parceria com o irmão, Thiago Camelo, a música é a única dentre as recentes que a cantora entoa no show no qual é acompanhada, apenas, pelo violão e pela guitarra de Guilherme Monteiro.

“Sempre gravei, ao longo dos anos, jovens compositores mesclando com compositores do passado”, aponta Gal, que no recital revista clássicos como “Vaca profana”, “Baby” e “Tigresa”, de Caetano, e “Sua estupidez”, de Roberto e Erasmo. “Parafraseando versos de ‘Caras e bocas’ (de Caetano), música-título do álbum roqueiro feito por Gal às vésperas de sua fase tropical, desse coração por vez atrapalhado surgem – a cada um dos 20 números – notas brilhantes de um cristal transparente, resistente a um tempo”, pontuou o crítico musical Mauro Ferreira, no já longínquo 2014, quando a cantora lançou o show.

Renovada desde “Recanto”, álbum de 2011 produzido por Caetano, Gal surge para público e compositores de uma geração que não a acompanhou em sua fase “a todo vapor”. Acolhida por jovens, que a ouvem cheia de riffs de guitarras e introduções eletrônicas, Gal soa contemporânea, como sua trajetória sempre perseguiu. “‘Recanto’ me instigou bastante, e este novo momento se deve a este trabalho que fiz com Caetano”, diz ela, uma das vozes veteranas a confirmar um Brasil sonoramente forte, ontem e hoje.

“A nossa música tem muito fôlego. É uma das mais belas músicas do mundo. Gente boa compondo e cantando”, afirma a cantora, negando se inclinar com maior atenção ou carinho para um só estilo: “Eu cantei muitos gêneros e me sinto confortável em todos eles. São os momentos pelos quais passo, as transformações que me deixam animada.” Indo da bossa em “Meu nome é Gal” (de Roberto e Erasmo) ao rock de “Negro amor” (versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para “It’s all over now, baby blue”, de Bob Dylan), a baiana mostra o equilíbrio raro entre graves e agudos, que encantou o mundo.

‘Milton é um dos maiores do mundo’

Como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia, Gal Costa olha para a frente com uma energia assustadora. “Força estranha”, uma das canções entoadas em “Espelho d’água”, parece dizer da cantora de grandes e negros cachos, expostos na capa do novo disco. “Por isso uma força me leva a cantar/ por isso essa força estranha no ar/ por isso é que eu canto não posso parar/ por isso essa voz tamanha”, canta ela, na música do baiano que também assina “Você não entende nada”, uma das mais animadas músicas do repertório apresentado em Juiz de Fora, com samba e jazz.

Para o diretor musical do novo show e do novo álbum de Gal, o jornalista e crítico paulista Marcus Preto, “embora marque os 50 anos de carreira da maior cantora do Brasil, o trabalho (“Estratosférica”) se embrenha por caminhos muito mais arriscados. Foge da saudade de tudo de tão sólido que já foi construído por Gal nestas cinco décadas e, em vez de cair em segura repetição retrospectiva, busca só ‘o que há por fazer'”, como pontua a música “Sem medo, nem esperança”. Apresenta uma cantora camaleônica, como devem ser os tropicalistas.

Se para Caetano o tropicalismo é a busca por uma brasilidade total – como disse em entrevista para o documentário “Tropicália – Revolution in sound”, da BBC -, Gal, então, aos 70, se revela um eterna filha do movimento, que reverencia na apresentação de voz e violão. “O tropicalismo sempre viverá dentro de mim como parte importante da minha história, das minhas mudanças”, comenta ela, que tem, entre os próximos projetos, a gravação do DVD do show “Estratosférica”.

Revelado na semana passada, pela coluna do jornalista Ancelmo Gois, em “O Globo”, o projeto de gravação de um disco de Gal com Milton Nascimento selaria, formalmente, uma parceria que se traduz em interpretações e esporádicas encontros no palco, como uma recente participação do mineiro numa apresentação da baiana, feita em solo paulista, em fevereiro deste ano. “Não há nada de concreto este trabalho com Bituca que andam falando. Disse no palco que poderíamos fazer um trabalho juntos, mas não tem nada certo. Acho Milton Nascimento um dos maiores cantores e compositores do mundo”, elogia a cantora, que está radiante, estratosférica, ou, como diz a letra de “Sem medo, nem esperança”, “bom é ver-me assim”.

GAL COSTA

Neste sábado, às 21h

Cine-Theatro Central

3215-1400

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