Elvira Vigna lança seu nono romance, Por escrito
O pensamento, ágil e veloz, não dá conta das palavras. Elas sempre serão mais lentas. Até que surge “Por escrito” (Companhia das Letras, 308 páginas). Ao se aproximar da técnica do fluxo da consciência, que transpõe para a escrita a celeridade do raciocínio, o livro exibe falas sem freios e com muitos excessos. Em seu novo livro, Elvira Vigna persegue a realidade que é fluida e sem receios, produzindo discursos que, mesmo usando vírgulas, transparece afobada. É preciso uma respiração funda para seguir. Narradora da trama, Valderez diz para um antigo amante, a quem a história se destina, mostrando o dia a dia de uma mulher e suas viagens, companhias e desconhecidos. Povoada de mulheres fortes e vigorosas, a narrativa se estabelece no limiar de um diário, na medida em que trivialidades conseguem delinear um perfil.
“Não disse. Não disse nem para mim mesma. Mas fotografo tudo, anoto tudo, os detalhes. Para que não sumam. Para que não acabem”, pontua Valderez, como a indicar a escolha pelo foco nas minúcias, capazes de fazer surgir um mosaico compreensível e complexo das personagens. “E teríamos sentado e ficado lá, sentados um ao lado do outro, na sarjeta, um sem olhar para o outro, olhando para nossas mãos agarradas, nossos braços juntos. E teríamos chorado juntos. Teríamos podido, afinal, fazer o que nunca pudemos fazer, chorar juntos, sem falar nada, sem precisar falar nada, rindo até, pelo absurdo do choro na sarjeta dura e fria, rindo de contentes por estarmos chorando juntos”, relata ela em outro ponto, quando está ao lado do irmão, em uma viagem a Paris.
“O celular está aqui do meu lado, no hábito de todo mundo e meu também, embora tardio”, conta a narradora. “E atrás disso escondo minha pouca vontade de ser interrompida, eu nos hotéis, olhando os tetos dos hotéis, o notebook suprindo tão bem o afã comunicativo dos nossos dias. ‘Já cheguei, tudo bem?’. ‘Tudo bem.’ Isso por escrito, nas frases cheias de erro, que se atropelam em msgs e skypes”, completa, apontando para um dos maiores trunfos do livro, que, ao optar pela linguagem dos diários (sem usar datas e outras marcações), não resvala gratuitamente na oralidade vulgar. “Por escrito” mostra que, a partir do momento em que a palavra ganha as páginas, prescinde de alguma correção, o que em nada interfere no discurso verborrágico e rápido.
Se é na aproximação com a vida real que a literatura contemporânea faz sua maior pesquisa, é determinante incluir “Por escrito” entre as obras originais e recentes. Curioso, então, saber que este é o nono trabalho de uma escritora veterana na vida, com seus 67 anos. Formada em literatura pela Universidade de Nancy, na França, e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, jornalista com vasta experiência na imprensa nacional (trabalhou em “O Globo”, “O Estado de S.Paulo” e “Folha de S.Paulo”), Elvira Vigna já foi finalista nos principais prêmios literários do país e venceu, com “Nada a dizer”, de 2010, o prêmio de ficção da Academia Brasileira de Letras. Uma estrada longa que, certamente, permitiu à autora ousar e romper.
“Tenho uma teoria sobre o clássico e as pessoas que curtem o clássico. Balé, música, pintura, neoliberalismo ou tailleur com broche prendendo uma echarpe. Essas pessoas acham que harmonia e perfeição existem. Acham mesmo. Se não no tempo presente, pelo menos no passado – o que equivale a dizer no futuro. Acho também que acreditar nisso é letal”, comenta, a certa altura, uma Valderez extremamente crítica e inteligente, quase a tomar a voz de Elvira e dizer que, para ser uma senhora escritora, é preciso conhecer o grisalho da vida.