‘Minha música criou uma história paralela com os fãs’
O estilo de cantar e colocar em letra e melodia suas histórias faz de Djavan um dos mais conhecidos artistas brasileiros das últimas décadas. Artífice de incontáveis sucessos, o cantor e compositor alagoano lançou em fevereiro seu 23º trabalho, “Vidas para contar”, e inicia no próximo sábado a turnê de divulgação de seu mais recente álbum. O local escolhido foi o Cine-Theatro Central, em Juiz de Fora, que Djavan destaca ser o tipo de local ideal para iniciar a sequência de shows que vão rodar o país em 2016: não muito grande e com acústica ideal para acertar os ajustes que forem necessários.
No repertório, canções do novo disco (“Não é um bolero”, “Encontrar-te”) e sucessos dos mais de 40 anos de carreira, como “Eu te devoro”, “Boa noite” e “Outono”, em que Djavan será acompanhado pelos músicos Carlos Bala (bateria), Jessé Sadoc (flügelhorn, trompete e vocal), Marcelo Mariano (baixo e vocal), Marcelo Martins (flauta, saxofone e vocal), Paulo Calasans (teclados e piano) e João Castilho (guitarras, violões e vocal). Em entrevista concedida esta semana, por telefone, à Tribuna, o artista falou sobre a expectativa com a nova turnê, a necessidade de criar um repertório que satisfaça a ele e aos fãs, o novo álbum e a relação entre fama e privacidade, entre outros assuntos.
– Tribuna – Como está a expectativa para o início da turnê? E por que Juiz de Fora foi escolhida para o primeiro show?
– Djavan – Eu precisava de um espaço para iniciar a turnê que tivesse uma boa acústica e não fosse muito grande. Fazer a primeira apresentação em um lugar que comporte cinco mil pessoas, por exemplo, é difícil, pois às vezes a acústica não é boa, fica complicado “ajeitar as carrapetas”, prestar atenção em tudo. Em um show como no Cine-Theatro Central, que é um espaço maravilhoso, do qual gosto muito e tem ótima acústica, é bom para acertar todos os ponteiros.
– Em todo lançamento de um novo álbum existe a expectativa de como a crítica e – principalmente – o público vão receber o trabalho. Como fica essa ansiedade no palco, ao encarar uma plateia que ainda não teve contato ao vivo com as novas composições?
– A ansiedade do início de turnê é sempre muito grande, em qualquer lugar ou circunstância. Queremos que tudo transcorra bem, e não só com a música, mas com todo o aparato, como o cenário, por exemplo. Estamos até mais tranquilos em relação à parte musical, temos um controle maior quanto a isso porque depende mais de nós. No geral, acaba sendo tudo tranquilo, todo primeiro show é bom, estamos ensaiando desde o ano passado. Mas imprevistos podem acontecer, porém são raros.
– Ter uma carreira de tamanha longevidade, com uma coleção de hits, cria nos fãs a expectativa de ouvir determinadas músicas que passaram a fazer parte da vida deles. Como é lidar com a necessidade de oferecer o que já é conhecido e, ao mesmo tempo, com a emoção de saber que você criou algo que toca profundamente tanta gente?
– Criar o roteiro de um show para atender todas as expectativas é sempre uma tarefa muito difícil. Temos que tocar o que o público quer ouvir, e mostrar o novo trabalho de um modo que as pessoas tenham a possibilidade de absorvê-lo naturalmente. E há aquelas músicas que a gente quer tocar ou que nunca tocou ao vivo, e também as que funcionam melhor nos shows. É muito complicado fazer um roteiro novo, principalmente num espetáculo que vai frequentar locais distintos, públicos diferentes. Mas não estamos começando a fazer isso hoje, já temos uma certa prática, o que não quer dizer que vamos acertar de cara sempre. Às vezes precisamos fazer alterações, pois o show se solidifica com a reação do público, mas o roteiro que criamos para começar atende muito à expectativa (dos fãs).
– “Vidas pra contar” é considerado um álbum de profunda intensidade autobiográfica. O quanto dos fatos que conta sobre sua vida você acredita que pode ser captado/compreendido pelo público durante os shows?
– O povo já conhece minha história, minha vida. O que há de autobiográfico no disco pode ser que eu tenha colocado pela primeira vez em música, mas sempre falei a respeito em entrevistas. O que vai estar no show não é uma novidade. Tanto a minha obra quanto minha vida já são conhecidas, será mais uma coisa de criar empatia.
– Ao mesmo tempo em que é capaz de falar de si mesmo em suas composições, você é um dos artistas mais discretos, numa época em que a superexposição na mídia é vista como corriqueira – e até essencial – por muitos. Como é conciliar o Djavan confessional de suas músicas com o cidadão que privilegia sua privacidade no cotidiano?
– É difícil ter uma vida com maior privacidade, sobretudo nestes novos tempos em que as mídias se multiplicaram e estão ao alcance de todos. Mas para mim isso não é tão complicado, pois sempre mantive uma distância da aparição óbvia. Não quero isso até hoje. As pessoas sabem da minha trajetória, mas mantenho minha vida privada, procuro manter distância dos holofotes e não vou mudar isso. Não saberia viver com a superexposição, não gosto disso. Não quero estar na TV o tempo todo. Quero divulgar meu trabalho, mas de forma seletiva.
– Ainda sobre fama e privacidade: como é sua relação com os fãs quando não está nos palcos, mas apenas tentando levar a vida do cidadão que precisa esperar pelo avião, almoçar em um restaurante, ir ao cinema? Costuma interagir com seus admiradores nas redes sociais?
– Se ponho o pé fora de casa estou consciente de que precisarei atender as pessoas. O assédio é grande, seja no restaurante, aeroporto, hotel, tenho consciência disso. Quando estou na chuva, sei que vou me molhar (risos). Faço isso não só por questão de educação, mas por saber que a vida de artista é assim. Apenas procuro evitar lugares em que posso ser muito assediado, locais muito cheios. Já as redes sociais são um instrumento de trabalho, tenho uma equipe que atende a todos e me procura para corroborar ou pedir informações. Sempre mando alguma mensagem sobre o trabalho quando necessário. Tenho uma vida intensa nas redes sociais, mas ligada ao meu trabalho, não entro ali para falar da minha vida privada.
– Você tem mais de 40 anos de carreira e continua sendo relevante para os fãs, a mídia e a crítica. Muitos artistas surgidos nas décadas de 70, 80 e 90 ficaram pelo caminho em algum momento, e mesmo hoje presenciamos artistas sendo descartados logo após os “15 segundos de fama”. O que você considera ter sido fundamental para estar em evidência e ser admirado até hoje?
– Acho que minha música criou uma história paralela com os fãs. Quem tem 30 hits numa carreira, como é o meu caso, é impossível de ser esquecido, e isso acontece com quem segue uma carreira nesses moldes. Mas é cada vez mais difícil seguir uma carreira dessa forma, pois é preciso uma administração séria para que ela seja perene, para que coloque sua obra como importante na vida das pessoas. É preciso administrar de forma que seja possível manter essa ligação com os fãs, e acredito que consegui isso.