Dia Nacional do Teatro: Juiz de Fora lança talentos e reforça produções locais
Zé Luiz Ribeiro, Kênia Bárbara, Pri Helena e Vinícius Cristóvão falam sobre importância do teatro na cidade e a possibilidade de encontro que a arte proporciona
O Dia Nacional do Teatro é comemorado em 19 de setembro, data que marca a importância dessa arte, uma das mais antigas da humanidade. Em Juiz de Fora, o teatro tem uma importância cultural central, tanto pelo trabalho do Grupo Divulgação, considerado patrimônio imaterial da cidade, quanto por lançar talentos para todo o Brasil. Também é preciso destacar os esforços para trazer produções nacionais para o público local, expandindo os efeitos do encontro e da transformação social que o teatro é capaz de promover. A Tribuna conversou com quatro nomes que representam bem a arte nas diferentes posições que ocupam e que quiseram representar.
Zé Luiz Ribeiro é o nome mais lembrado quando se fala de teatro em Juiz de Fora. O diretor do Grupo Divulgação também é membro da Academia Mineira de Letras e ganhou diversos prêmios pelo seu trabalho. “O teatro é a minha forma de oração, de estar com Deus. Toda vez que você reúne as pessoas há uma integração muito boa, a gente vê as pessoas se encantarem”, diz.
Há tantos anos nesse meio, ele destaca que o presente está sendo muito bom, com tantas pessoas lançando produções. “O teatro de hoje não é igual ao teatro de ontem. A gente está sempre com o frio na barriga, e essa busca pela verdade é muito importante. E como é o espelho da sociedade, o teatro nos faz pensar nas cadeiradas da vida”, continua.
Kênia Bárbara participou do Grupo Divulgação, onde desenvolveu sua atuação e entendeu que aquilo era uma missão na sua vida. Apesar de ter começado ainda criança, por volta dos 8 anos, foi lá que encontrou algo fundamental para a atividade artística. “Eu senti aflorar a paixão pelo teatro e pela profissão. Era muito coletivo, a gente costurava cenários, fazia figurino, divulgava as peças”, lembra.
É desse caminho que tira sua vontade de fazer a diferença, mesmo quando realiza trabalhos na televisão, como a novela “Amor Perfeito” e a série “Os outros”. “É uma inspiração pra vida. Se você estiver em um dia triste, vá ao teatro assistir a um espetáculo e você vai sair outra pessoa. O teatro é um lugar de transformação individual e coletiva”, defende. É também, por isso, que, mesmo com essas oportunidades, ela sempre continua de alguma forma no teatro. No momento, está em cartaz no Rio de Janeiro com “Bonitinha, mas ordinária”. “A gente faz esse trabalho que não é só pra gente: óbvio que também é pra gente, porque é o nosso corpo e a nossa história, mas a gente não pode se colocar na frente do que é mais importante, que é a história, a personagem e quem vai assistir”, diz.
Essa conexão que o teatro proporciona também é o que Pri Helena, que está no filme de Walter Salles “Ainda estou aqui” e estreando a novela “Volta por cima”, buscou. Ela já passou por diversas companhias da cidade e, atualmente, integra o coletivo feminista “Grilla!”, que se experimenta no teatro, na música e no audiovisual. “O teatro pra mim é uma arte muito ligada à minha ancestralidade. Eu gosto do caráter ritualístico dele. É ali onde eu descubro as minhas maiores potências e onde fiz meus maiores amigos e companheiros de vida. Esta, para mim, é a melhor parte: esse atravessamento. Parece piegas, mas é o que é”, destaca. Seja onde for, é do teatro que parte, foi lá que percebeu “a beleza de pés sujos e descalços, do corpo suado, da respiração verdadeira, do estado de presença, da entrega”.
Sem síndrome de vira-lata
Vinícius Cristóvão, ator, diretor e produtor, entende seu trabalho no teatro como algo amplo, que vai além dos palcos. “Eu coloco esse ser artista não só como aquele que está diante da cena, mas sim que vê a vida a partir desse olhar curioso. O teatro traz uma perspectiva, aquele olhar que menos julga e que desperta novidades”, diz. Para ele, é algo tão importante quanto respirar – e, por isso, valoriza a possibilidade de trazer novos ares para as pessoas, formando tanto novos artistas, quanto novos públicos. Foi ele o responsável por trazer as peças “Tom na fazenda” e “Ficções” em 2023, e que também está trazendo “Pormenores de ausência” esta semana – além de outras produções ao longo do ano, como “Pippin: o filho do rei”.
O diretor entende que tem um papel de “entrelaçar o que é local e o que está acontecendo nacionalmente para elevar a qualidade do teatro juiz-forano”. Ele entende bem a necessidade do público em ter esse contato, mas destaca que é fundamental reconhecer a importância das produções locais. “A gente tem uma síndrome do vira-lata em Juiz de Fora, de que o que acontece na cidade não é tão bom como o que vem de fora. Eu sempre busco tirar essa perspectiva. Não é só o que vem de fora que é bom. Mas é muito importante que todos nós, que colocamos a arte como ofício, tenhamos inspirações. (…) É aí que a gente dá um passo adiante da nossa limitação”, diz.
Dificuldades enfrentadas
Ser apaixonado pela profissão, no entanto, não é suficiente. Quem atua no teatro é trabalhador – e é importante que seja tratado assim para conseguir se sustentar e ser valorizado. Até para que uma eventual mudança para fora da cidade, como Pri Helena e Kênia Bárbara fizeram, aconteça em função de uma escolha, e não por falta de opção.
“Eu acredito que o órgão de cultura da cidade precisa repensar a forma como os artistas são vistos e cuidados por aqui. Temos artistas gigantes na nossa cidade. Mas eles são apagados pela falta de incentivo e pela desvalorização por parte, principalmente, de quem tem a obrigação de impulsioná-los, afirma Pri Helena.
O incentivo privado também poderia ser uma possibilidade para mudar esse cenário. No entanto, como avalia Vinícius Cristóvão, essa ainda não é a realidade. “Não falta artista talentoso, vontade ou reunião de pessoas. O que falta são possibilidades de interseção entre obras artísticas e o empresariado.” Além disso, ele destaca que é preciso uma mudança de perspectiva também do público. “A gente está em uma cidade que tem cerca de 600 mil habitantes. O percentual de pessoas que vai aos espetáculos é muito pequeno. Acho que falta um processo de educação para mostrar para grande parte da população o trabalho que tem um artista”, destaca.
Teatro é o futuro
Com a chegada da tecnologia e da possibilidade de atuar na televisão e no cinema, já houve quem pensasse que o teatro poderia acabar – o que está longe de acontecer. A arte encontra outros públicos e outras pessoas que valorizam o que há nela de mais próprio: a presencialidade e a necessidade do encontro. Como define Kênia: “o teatro é muito vivo. É o aqui e agora. Muita coisa pode acontecer, apesar de não poder, em um espetáculo. Alguém pode passar mal, alguém da plateia pode se manifestar. Essa relação imediata mantém a gente em um estado de presença muito grande, e também em um estado meio poroso, porque diante de qualquer coisa que aconteça a gente tem que estar aberto pra improvisar e trocar”, diz.
Também é essa paixão que Zé Luiz leva e que pretende transmitir para as próximas gerações. “Eu não sou o primeiro a fazer teatro em Juiz de Fora. Antes de mim, vieram muitos outros. Eu sou uma parte dessa história, uma parte simplezinha, mas que é feliz fazendo isso e chegando perto das pessoas, fazendo com que elas vissem dramas e repensassem as suas vidas. Quero que as pessoas que vão continuar sejam felizes assim fazendo teatro”.