‘Quem não se autoriza ao prazer de comer adoece’


Por Tribuna

19/06/2016 às 07h00

A privação de um alimento faz com que você 'se recompense' depois. Sophie Deram

A privação de um alimento faz com que você ‘se recompense’ depois. Sophie Deram

A voz mansa e o sotaque charmoso não esmorecem a firmeza da afirmação da nutricionista franco-brasileira Sophie Deram: “As dietas tornam as pessoas obcecadas com comer, aumentam o apetite”. Autora do livro “O peso das dietas” (Sensus, 2014), Sophie acumula títulos: doutora em endocrinologia pela USP, especialista em obesidade e perda de peso saudável e pesquisadora da neurociência do comportamento alimentar. Mas frisa sempre um outro crédito, não concedido por diplomas ou instituições. “Sou ativista para que as pessoas recuperem o prazer de comer.”

Sophie advoga por uma reformulação da relação das pessoas com a comida. “A privação de certos alimentos na dieta cria um vínculo de amor e ódio com a comida. É preciso se reconectar com o corpo, respeitar a fome, a saciedade e as vontades.” Mas até aquela vontade avassaladora de comer chocolates deve ser respeitada? Pasme: sim! “A privação de um alimento faz com que você ‘se recompense’ depois. Se você deixa de comer um bombom quando deu vontade depois do almoço, a chance de que coma um chocolate maior à noite, ou nos próximos dias, é muito maior. Privar-se cria um senso de ‘merecimento’ e, ao mesmo tempo, a compulsão de estar sempre ‘se despedindo’ do alimento. Se você sabe que pode comer aquilo amanhã, ou depois, tende a comer menos”.

Segundo Sophie, o prazer da alimentação tem fundo emocional e está ligado a sabores muito específicos, não é uma ânsia urgente. “É o bolo da vovó, o brigadeiro que remete à infância, um prato de família. Mas há um tipo de ‘comer emocional’ que é nocivo. Quando você come porque está triste, na verdade, a comida é um paliativo, o necessário é lidar com aquela emoção”, pontua a especialista. “Comer bem é comer de tudo, sem restrição, sem culpa e respeitando as emoções, a fome e a saciedade.”

Comida de verdade, sem restrições

Mas “peraí”! Neste “sem restrição” cabe um hambúrguer ou o mineiríssimo torresmo com cerveja? Sophie diz que sim. “Os exageros esporádicos não fazem engordar, o corpo sabe lidar muito bem com eles, principalmente se eles propiciam prazer e não um senso de ‘jacar’. Quem come com culpa ou ansiedade tende a exagerar, porque não percebe quando está saciado.”

Para Sophie, fã de cassoulet e de moqueca, paixões de seus dois países, há passos importantes para uma relação mais saudável com a comida. O primeiro é lembrar-se de que não existe “comer perfeito”. Depois, é preciso se livrar das restrições das dietas e buscar “comida de verdade”, priorizando alimentos menos industrializados. “Quer comer um hambúrguer? Não vá na franquia, procure um que tenha um bife não processado. Invista na qualidade.” Por fim, Sophie recomenda: vá para a cozinha. “Sempre que possível, inclua este prazer em seu dia, de preparar uma refeição gostosa, se relacionar com os ingredientes. Gastronomia é curtir o momento. Isto é premissa para uma alimentação tranquila, menos propensa a compulsões. Quem não se autoriza ao prazer de comer adoece.”

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