Tensos fios dos bonecos


Por MAURO MORAIS

19/02/2016 às 07h00

Bonecos dão vida ao polêmico

Bonecos dão vida ao polêmico “A filosofia na alcova”, de Sade

seu geraldo voz e violao reune musica e conversa em espetaculo

“Seu Geraldo voz e violão” reúne música e conversa em espetáculo

Família de porcos protagoniza

Família de porcos protagoniza “O quadro de todos juntos”

Em

Em “Bira e Bedé”, esculturas gigantes retratam idosas

Não há doçura. Os bonecos transam e se mostram loucos em suas humanidades. Esqueça a imagem pueril das marionetes. Elas cresceram na concepção do coletivo Pigmalião Escultura que Mexe, que reúne artistas numa sensível pesquisa acerca do diálogo entre as artes visuais e teatrais. Manipulados por fios, com as mãos ou por máscaras, os bonecos perturbam e, por isso, fascinam. Não há a graciosidade dos objetos infantis, mas um espelhamento de uma sociedade por demais desconcertada. “Teatro de bonecos para adultos já existe bastante. Tentamos nos aproximar da linguagem teatral contemporânea. Geralmente, o teatro de bonecos está associado a infância, mas nós trabalhamos com temáticas pesadas”, pontua o diretor artístico da companhia, Eduardo Felix.

Em turnê por Minas Gerais, o grupo aporta em Juiz de Fora neste fim de semana, para apresentar cinco montagens e ministrar a oficina “A relação entre ator e boneco” (inscrições pelo site pigmaliao.com). Mesmo as peças apresentadas ao ar livre – na cidade ocupam o verde do Parque da Lajinha -, possíveis para toda a família, intrigam de alguma forma. “Bira e Bedé” – inicialmente concebida como releitura de “Esperando Godot”, de Samel Beckett -, por exemplo, retrata, em esculturas gigantes, duas velhas gêmeas que, à espera de algo ou alguém, se distraem tentando integrar uma multidão.

“Elas são idênticas, mas têm personalidades muito diferentes. O espetáculo circula e vai acontecendo com as pessoas ao redor”, conta Felix, que dá vida ao protagonista de “Seu Geraldo voz e violão”. “Esse é um espetáculo de improviso, no qual o boneco conversa com a plateia. Por ser velhinho, ele tem a liberdade de falar algumas coisas que talvez eu, de cara limpa, não pudesse falar”, adverte o diretor artístico, responsável, também, pela adaptação de “A filosofia na alcova”, polêmico romance de Marquês de Sade.

Em cena, bonecos dão vida à história de uma jovem de nome Eugénie, que recebe de seus tutores, a senhora Saint-Ange e o experiente Dolmancé, lições sexuais completamente libertinas. “Se as cenas de sexo fossem feitas por atores teriam outra conotação. O boneco está mais próximo do personagem escrito do que um ator”, aponta Felix. “As cenas de violência também provocam sensações intensas no público, que ele não espera ter ao ver marionetes. Isso porque trabalhamos com uma manipulação que hipnotiza, envolve.”

Escandalizante, a obra também se aprofunda em questões filosóficas, como é a proposta do grupo. “Os bonecos acabam potencializando esse texto. O Sade fala de forma muito direta e provocativa sobre temas que, mais de 200 anos depois, continuam provocando muito. Principalmente em Minas, com suas questões religiosas tão tradicionais. Esse espetáculo é muito atual, tanto por debater gênero, quanto por falar de aborto, cristianismo e outros assuntos delicados”, comenta Felix.

Texto em imagens

Formado em 2007, o Pigmalião, ao longo dos anos, não apenas investigou a produção de marionetes, como também a construção de uma dramaturgia que substitui as palavras por imagens. Cada vez mais, segundo o diretor artístico Eduardo Felix, novos recursos imagéticos vão tomando o lugar de um texto falado. O que não impede que os bonecos se estabeleçam na tensão, dos fios que os seguram e do fio da meada de narrativas complexas e profundas. “Alguém”, nova montagem que estreia em março, aborda poder, controle e estruturas de dominação.

Com porcos, manipulados e vestidos, no palco, “O quadro de todos juntos”, outra montagem que o grupo apresenta em Juiz de Fora, discute as pequenas loucuras familiares. Posados para uma fotografia, pais e filhos se mostram em suas mais excêntricas paranoias. Tudo sem proferir uma palavra sequer. “Temos uma relação muito forte com a escultura. Chamamos isso de teatro visual e buscamos na dramaturgia criar um vocabulário para os bonecos por meio de gestos. São frases por gestos. E o público consegue acompanhar, consegue saber o que os bonecos estão pensando”, observa Felix.

Ora os atores usam máscaras de porcos, inquietantes pela fidelidade ao real, ora se vestem de preto e desaparecem ao manipular as marionetes. Ora, ainda, contracenam com os próprios bonecos. “Nessa peça há uma simbiose muito grande, não tem importância ser ator ou ser boneco. Em alguns momentos, os atores têm que se comportar como bonecos também”, comenta o diretor, que em maio e junho segue com a companhia para uma turnê pela Europa, apresentando o repertório de espetáculos que, pouco a pouco, ganharam visibilidade no país e no mundo.

Em tempos de proliferação de imagens, o Pigmalião Escultura que Mexe se utiliza de um fenômeno para defender um teatro no qual acreditam, catártico por excelência. Como no mito de Pigmaleão – segundo Ovídio, um escultor que se apaixonou pela própria criação ao esculpir uma mulher ideal -, o grupo mineiro traça um caminho de originalidade e provocação. “Como artistas visuais podemos nos aproveitar desse momento em que a comunicação é muito mais feita por imagens. As pessoas estão cada vez mais aptas a decodificar imagens, mesmo as que estão desvinculadas do texto”, defende Felix. “Somos bombardeados por imagens o dia inteiro e isso acaba nos ajudando, mas fazemos isso de uma forma poética e provocativa. Não queremos banalizar a imagem.”

 

MOSTRA PIGMALIÃO

Sábado

Espetáculo “Bira e Bedé”, às 11h

No Parque da Lajinha (Av. Paulo Japiassú Coelho s/n – Teixeiras)

Oficina “A relação entre ator e boneco”, às 18h

Cena curta “Verbo”, às 19h

Espetáculo “A filosofia na alcova”, às 20h

No Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (Av. Getúlio Vargas 200 – Centro)

Domingo

Espetáculo “Seu Geraldo voz e violão”, às 11h

No Parque da Lajinha

Espetáculo “O quadro de todos juntos”, às 19h

No Centro Cultural Bernardo Mascarenhas

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