‘A cultura precisa ser encarada como um bem essencial’

À frente da pró-reitoria de Cultura, Valéria Faria pretende resgatar projetos realizados em outras gestões
Ao assumir, em abril de 2015, a pró-reitoria de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora, a artista plástica e professora Valéria Faria declarou que agarrava a missão com disposição. Não demorou muito, e veio uma série de adversidades, como indefinições quanto à realização do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, que este ano volta para julho, greve de funcionários, renúncia e troca de reitores e, claro, poucos recursos. Apesar das condições nada favoráveis, Valéria se mantém otimista e, dentre os pró-reitores da gestão que acabou de deixar a instituição, ela foi a única que se manteve. Agora, bem mais animada por estar em casa. “Fui muito bem acolhida por uma turma com a qual eu estava trabalhando de forma colaborativa. Mas a gestão atual é formada por pessoas que pertencem à minha ideologia, é o meu grupo de trabalho, com o qual pude construir o Museu de Arte Moderna (Murilo Mendes). Eu me sinto mais motivada a trabalhar com frentes de ação ainda maiores”, afirma Valéria.
À Tribuna, Valéria abriu seus projetos para os próximos quatro anos e enfatizou, várias vezes, durante a conversa, o interesse de realizar ações conjuntas com outras pró-reitorias. “É com muito esforço e criatividade” que ela pretende driblar a crise, diante de um cenário apresentado pelo reitor Marcus David. Pode-se concluir que, se dos recursos à manutenção da universidade, estão garantidos apenas 80% dos R$ 83 milhões previstos para 2016, a cultura será uma das mais afetadas.
“Ainda não sei quanto vem para mim, mas tenho essa preocupação muito forte. Já tive uma primeira conversa com o Eduardo Condé (Pró-reitor de planejamento, orçamento e finanças). É preciso ter um olhar muito sensível com a cultura, porque ela precisa ficar à parte dessas instabilidades financeiras. Eu não posso fechar um museu porque o governo está passando por uma crise financeira, porque um museu é um centro de excelência e pesquisa. Então, pretendo buscar soluções alternativas que deem autossustentabilidade para os equipamentos culturais”, planeja a pró-reitora, almejando uma mudança de rumo quanto ao encerramento do convênio com a Fadepe (Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão).
Segundo decisão final do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2009, a UFJF deveria “deixar de contratar fundação de apoio para desempenhar atividades administrativas e de gerência financeira”. “Com isso, perdemos a flexibilidade na utilização da verba em prol do teatro. Hoje, o dinheiro vai para a conta única da universidade, saiu das mãos da pró-reitoria de cultura, o que criou um engessamento, tirou uma mobilidade que tínhamos para resolver questões do dia a dia, como a quebra de uma maçaneta. Acho que o caminho é o retorno para a fundação. Não faz sentido, andei pesquisando várias outras universidades que não têm um patrimônio tão suntuoso quanto o nosso, mas têm teatros e outros aparatos culturais, e trabalham com fundações. É uma questão de interpretação e de buscar caminhos viáveis.”
Tribuna – Na gestão anterior, você enfrentou um período de crise financeira e pouco tempo para trabalhar. Quais são seus projetos para os próximos quatro anos?
Valéria Faria – Para este ano, a primeira meta, talvez, seja justamente restabelecer os marcos regulatórios dos equipamentos que estão ligados à pró-reitoria de Cultura, dentre os quais o Pró-Música. Ele continua sendo um dos espaços com maior número de questões difíceis para resolver, ligadas à estrutura física do teatro, que ainda é muito ruim. Recebemos um recurso por emenda da deputada Margarida Salomão (R$ 190 mil), mas o valor é muito baixo. Vai dar para comprar, somente, um equipamento de som e iluminação de alta qualidade para o teatro. Já vai ser uma vantagem porque, neste tempo, recebi muitos pedidos de produtores, que eram obrigados a alugar esses equipamentos. O Pró-Música e o Central não têm ar-condicionado ainda, por isso passamos um sufoco no verão. Em termos de estrutura, o Central está muito bem equipado, mas há demandas com recursos imensos. Imagine colocar um ar-condicionado num lugar do tamanho do Central e tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)? É um procedimento de alta complexidade e muitos recursos financeiros. A nova gestão inteira já compreende esse investimento como prioridade.
– A gestão anterior tinha a proposta de democratizar o acesso à UFJF e levou várias atrações, inclusive populares, para o campus e outros espaços. Quando assumiu da primeira vez, você também disse que tinha esse propósito…
– Esse caminho já traçado pelo Gerson (Guedes, ex-pró-reitor de Cultura) é muito enriquecedor não só para a universidade, mas para a comunidade. A gente precisa dar maior visibilidade à grande diversidade cultural que é produzida na própria comunidade tanto no campo da cultura popular quanto erudita, junto à cultura também popular e erudita produzida na universidade. Inclusive, queremos resgatar alguns projetos do Gerson, como o “Leitura no campus”, e alguns bem antigos, como o “Som aberto”.
– O DCE está restaurado, mas fechado. No final do ano passado, sem saber se iria continuar na pasta, você disse que tinha planos para aquele espaço. Em 2016, ele abre?
– O DCE está parado, e eu considero uma vergonha que um espaço totalmente restaurado esteja lá consumindo energia. Enquanto tem outros setores precisando de guardas, a gente fica com guarda deslocado para tomar conta de um espaço vazio. Mas isso já está em andamento. O acervo do Museu Dinâmico de Ciência e Tecnologia está lá. Está de portas fechadas ainda, porque o próprio DCE está desfigurado, ele está se reconstruindo agora, e existe um acordo judicial para que o diretório tenha uma participação na gerência administrativa do local. Foi feita uma conversa preliminar com o DCE e não há qualquer impedimento da parte deles. Outro acervo que precisa de cuidado especial é o do Museu de Arqueoastronomia e Etnologia Americana, que quase foi extinto. Os antigos coordenadores faleceram, e, depois disso, está fechado até hoje. Ele vai ser reaberto. Temos poucos espaços para recebê-lo, a coleção é muito grande e preciosa. Existe um projeto inicial de levá-lo para o Museu de Cultura Popular do Forum da Cultura, mas não posso defender essa ideia antes de estudar o acervo. Há dez anos, estive lá para escrever um livro sobre o patrimônio vivo da universidade e vi que ele era imenso. Por isso, acho que o espaço do Forum da Cultura já não vai ser suficiente.
– Em uma das vezes que falou com a Tribuna, você disse que o Memorial da República e o Mamm poderiam se tornar um complexo cultural. De forma efetiva, ainda não existe uma integração.
– Não existe uma integração efetiva ainda entre o Mamm e o Memorial porque o Memorial foi inaugurado muito recentemente e está agora em processo de pesquisa do acervo. A gente pretende fazer uma aproximação não só entre esses dois espaços, mas também em outros. Eu realmente acho que o Mamm está à frente do Memorial, porque já tem uma série de atividades muito bem traçadas. Vamos fazer uma primeira junção numa exposição que vai fazer parte da programação da Semana Nacional dos Museus. Ela vai fazer um resgate da memória da cidade e vai acontecer nos dois espaços.
– Pode-se esperar por exposições de vulto para o Museu de Arte Murilo Mendes?
– Eu mesma, este ano, entrei em contato com curadores da exposição do Abraham Palatnik, que é maravilhosa. É um artista vivo, um grande nome da arte moderna com 90 e poucos anos. Seria interessante trazer, inclusive, o próprio Abraham. A curadoria é muito cara. Ainda está sendo definido. A gente faz muita parceria. Por exemplo, a vinda da orquestra para a comemoração dos 87 anos do Cine-Theatro Central foi possível graças ao governo francês. Nós é que fomos escolhidos. Eles fizeram uma turnê pelo Brasil e, quando viram o festival que fazemos aqui anualmente de música antiga, decidiram se apresentar no Rio de Janeiro, em Duque de Caxias e aqui. Só pagamos a hospedagem. Recurso não temos. Temos parcerias. Assim, podemos desenvolver várias ações. Estamos trabalhando para trazer a Bienal de São Paulo, em 2017, novamente. E temos grandes chances. Sou otimista, acho que dias melhores virão.