A complexidade de Beatriz Milhazes


Por Mauro Morais

16/01/2014 às 07h00

Artista plástica está nas mais relevantes coleções públicas do mundo

Artista plástica está nas mais relevantes coleções públicas do mundo

À distância, as multicoloridas obras de Beatriz Milhazes sugerem formas exatas, perfeitas. Mas são pinturas, executadas pela mão humana, que não hesita em deixar claro aos olhares que se aproximam a existência de uma artesania complexa. O prazer em observar os trabalhos da artista é o mesmo deleite que se manifesta na fatura das obras. E o belo, expresso na harmonia de cores e figuras, não é nada simples. Além de marcar o retorno à pintura, aludindo ao modernismo e a um certo mito da brasilidade, Beatriz evoca o feminino ao reunir influências de crochê, rendas, flores, trepadeiras, colares e arabescos. Sua produção, ancorada na abstração geométrica, também flerta com o barroco. Padrões que conduzem a uma composição complexa, em que cada traço tem seu lugar planejado, e o contraste dos tons nunca é feito ao acaso, bem como os títulos, capazes de, por meio do inusitado, indicar novos olhares.

Expoente da efervescência do Parque Lage (escola de artes localizada no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro) nos anos 1980, a artista foi uma das integrantes de "Como vai você, geração 80?", exposição de 1984 que marca a estreia dos principais nomes da arte contemporânea brasileira, como Daniel Senise, Cristina Canale, Gonçalo Ivo, Leda Catunda, Leonilson, Luiz Zerbini e muitos outros. Desde então, Beatriz faz um percurso ascendente e hoje é a artista brasileira viva mais cara do Brasil. Em 2012, um leilão na Sotheby’s de Londres vendeu o quadro  "Meu limão", de 2000, por US$ 2,1 milhões, valor recorde. Presente nas coleções mais importantes do mundo, como o MoMa e o Metropolitan, de Nova York, e o Reina Sophia, de Madri, Beatriz é atualmente uma das mais respeitadas artistas nacionais no badalado mercado internacional. 

Realizadas entre 1996 e 2003, as nove serigrafias e o livro "Meu bem" integram a exposição "Beatriz Milhazes – Um itinerário gráfico", que abre, amanhã, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) e segue em cartaz até 27 de fevereiro. Representativas da fatura minuciosa da artista, a coleção foi feita exclusivamente para o Sesc e já excursionou pelo país, tecendo uma leitura de Beatriz através de suas gravuras em grandes formatos. "Como palavras que se renovam em um verso inédito, os motivos de Milhazes seguem o curso da repetição até tornarem-se diferentes. Se, como afirmou Matisse, a cor já é gráfica em sua origem, o cromatismo tanto pode ser observado no desenho como na pintura", ressalta a curadora Luiza Interlenghi em catálogo da mostra.Em entrevista à Tribuna, por e-mail, Beatriz Milhazes falou sobre sua produção, seu processo e disse se interessar pelos desafios. Como suas obras indicam, tudo é mais complexo do que um primeiro olhar pode dar conta. Veja as obras da artista no final da matéria.
 
Tribuna – Em excursão pelo Brasil há alguns anos, a mostra "Um itinerário gráfico" exalta sua produção em serigrafia. Como lida com sua produção em gravuras?
Beatriz Milhazes – Este é um projeto pelo qual tenho o maior carinho e que dei o maior apoio para que se concretizasse. Tenho uma obra gráfica já significativa e que foi razão de uma retrospectiva e de uma publicação pela Whitechapel, em Londres. A (curadora) Luiza Interlenghi desenvolveu um projeto focado nessa produção para facilitar as viagens, fortalecendo a leitura sobre este itinerário.
 
– E esse percurso começou há quase 30 anos. Você participou da exposição "Como vai você, geração 80?", responsável por jogar luzes em nomes que hoje se configuram como um prolífico conjunto de artistas contemporâneos. De que forma você dialoga com seus contemporâneos?
– Somos uma geração que "cresceu"  junta, mas que cada artista seguiu sua própria trajetória, sem nenhuma conotação de movimento artístico. Meu trabalho se manteve na pintura, que foi o meio artístico central desta geração, em um interesse de unir conceito e processo. Em termos de método e desenvolvimento da obra, creio que tenho pouca relação com meus colegas de geração, talvez o Luiz Zerbini seja o artista com quem mantenho interesses próximos.

– Como se percebe inserida na contemporaneidade da arte nacional?
– Como uma artista contemporânea brasileira que desenvolveu sua obra e seus conceitos centrada na pintura como linguagem, fazendo uma interessante conversa com o modernismo brasileiro e europeu, criando uma ordem própria, fazendo surgir um campo de possibilidades que se expandiu para gravura, colagem e projetos para espaços específicos. 
 
– Hoje sua paleta e suas formas são facilmente identificadas. Qual o lugar da experimentação e da renovação em seu trabalho?
– Em 1989 desenvolvi uma técnica na pintura que surgiu de experimentos  com a monotipia e que me abriu uma fundamental "porta" para construir plasticamente os meus interesses em pintura. Esta técnica me permitiu trabalhar com os conceitos da colagem, podendo criar todos os meus elementos, motivos e imagens com a tinta acrílica. As relações cromáticas são cruciais para a construção das composições e são elas que determinam a finalização das pinturas. Minha obra se renova sempre. Meu processo no atelier está constantemente sendo provocado por novas questões e métodos, obrigando que a obra se desenvolva e adicione novas possibilidades. Adoro desafios e necessito me provocar para crescer e manter a qualidade no que faço.
 
– De que forma o fato de ser a artista brasileira viva mais cara do país reflete em sua criação?
– Nunca deixei que fatores externos interferissem na produção da minha obra. Minha carreira internacional, quando se iniciou, há quase 20 anos, causou uma mudança muito grande em minha rotina carioca. Tive que reestruturar tudo para proteger minha relação com o processo de trabalho no atelier. A questão da valorização veio junto e no mesmo processo linear e gradual que meu estabelecimento como uma artista internacional.
 
– Alguns artistas dizem que o trabalho artístico também se configura como produção operária. Você concorda?
– O trabalho artístico deve incluir rotina, disciplina e frequência. Porém, estes três elementos são ordenados e vividos de acordo com a personalidade e interesse de cada artista. Sempre tive horário para entrar e sair do atelier. Desde o meu primeiro espaço, necessito de ordem para que possa trabalhar, mas isso não é uma regra.
 
– No ano passado você inaugurou, no Rio de Janeiro, a exposição retrospectiva "Meu bem", que agora está em cartaz no Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba. O que mais lhe chama atenção em sua trajetória?
– Tem sido muito rica a possibilidade de acompanhar mostras panorâmicas sobre minha obra, seja no exterior, seja no Brasil. Rever os trabalhos depois de muito tempo é sempre um aprendizado, um convite à reflexão. É como um passeio pela própria história. "Meu bem" me deixou muito feliz por voltar a expor no Paço Imperial e no Rio de Janeiro, depois de tantos anos. Nessa mostra, eu destacaria a leitura cronológica e a possibilidade de perceber a questão geométrica e construtiva de maneira mais evidente.
 
– Como avalia o momento atual de nossa arte e a repercussão dela no exterior?
– O mais interessante e especial nesse momento da arte contemporânea brasileira no país e no exterior é o interesse que, finalmente, estamos criando pela nossa história. Os europeus e os norte-americanos têm desenvolvido mostras retrospectivas de artistas importantes do Brasil, e isso também ocorre internamente. Creio que essa primeira geração de artistas brasileiros que se tornaram artistas internacionais chamou a atenção da crítica e dos teóricos internacionais.

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