A urbe em detalhe



O imóvel localizado na esquina entre as ruas Halfeld e Paulo de Frontin, segundo o pesquisador Marcos Olender, professor do departamento de história da UFJF, era pertencente ao estilo eclético até a década de 1930. Ao passar por uma reforma, despiu-se dos ornamentos que o classificavam como eclético e assumiu o estilo art déco, recorrente na época. Da mesma forma, os prédios que circundam o largo da Praça João Pessoa, onde fica o Central, precisaram ser alterados para a construção do teatro, abandonando o ecletismo e adotando o art déco. Pequenos ou não, detalhados ou simples, os ornamentos classificam e, sobretudo, embelezam, ainda que passem desapercebidos no correr dos dias. “Se pedir que as pessoas descrevam as edificações que estão em seus percursos diários, elas não serão capazes de fazer, porque usam a cidade, passam, apenas”, comenta Olender.
Tomando o pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin, Olender pontua que as pequenas obras de arte que se “escondem” em prédios e casas respondem à fruição natural da urbe. “Com a pintura e com a escultura, nos relacionamos pela contemplação. Já a arquitetura é pela distração. Normalmente, a gente não percebe esses detalhes, porque usamos distraidamente as cidades para ir de um lugar a outro, e muito porque não somos levados à observação contida”, defende o professor. Destacando justamente tais alegorias, o calendário de 2016 produzido e distribuído gratuitamente pela Funalfa lança um olhar sensível para os capitéis (extremidades de uma coluna), florões (ornamento de flores), máscaras (reprodução de rostos e figuras), além de outros detalhes feitos em cimento ou ferro.
“Nossa ideia é colocar uma lupa em nossos prédios, fugindo dos clássicos e mostrando outros bens tombados, que também são uma riqueza e trazem um conjunto de informações importantes que justificam seus tombamentos. Esse é nosso convite para que as pessoas se deixem provocar para esses detalhes, com a ideia de transformar os recortes em uma obra”, comenta o superintendente da Funalfa Toninho Dutra. “Cada vez mais os tombamentos têm sido justificados pela importância história e relevância dos imóveis como um todo. Queremos, então, mostrar um outro olhar sobre esses prédios, outra poesia sobre esse conjunto”, completa, destacando a expressividade das imagens registradas pelo fotógrafo Humberto Nicoline.
Após retratar a beleza estética e narrativa dos bordados, depois de destacar os característicos ladrilhos hidráulicos da Pantaleone Arcuri, passados os imponentes vitrais da cidade, a publicação deste ano retoma a questão das lembranças urbanas. “O calendário virou uma referência, uma tradição. É uma forma de marcar o tempo, mantendo assuntos em baila, trazendo discussões para espaços que nem sempre se atentam para isso”, pontua Dutra, para logo acrescentar: “Informalmente, trata-se de uma educação patrimonial. Esse ano, coincidentemente, vários outros calendários, como os da Tribuna e da Academia de Commércio, trazem a temática do patrimônio e da memória como referência, e isso contribui para um debate efetivo.”
Simbólicos e afetivos
No Edifício Comendador Pantaleone Arcuri, na esquina entre a Avenida Presidente Itamar Franco e Rua Espírito Santo, reproduções de cabeças do Deus Hermes se espalham pelas fachadas, dizendo de uma casa edificada para servir como loja, cujo símbolo é justamente a divindade filha de Zeus e de Maia. No calendário municipal, com tiragem limitada (para adquirir basta se dirigir ao prédio da Funalfa, no Parque Halfeld), uma flor esculpida em cimento ocupando o alto das colunas do térreo, e outra, em ferro, ornando as portas do prédio, mostram a série de delicadezas de uma construtora que também projetou imóveis como o Banco do Crédito Real (com seus capitéis a estampar junho).
“Até hoje temos ornamentos na arquitetura, mas foi a partir do século XVIII que ele começou a ser questionado. A arquitetura rococó é impensável sem ornamentos. Porém, a partir do neoclássico, ele passou a ser algo mais superficial, identificando estilos e não compondo espaços. Eles ganharam uma importância muito mais simbólica. Se tirarmos esses detalhes, os imóveis perdem, completamente, seus estilos”, explica Marcos Olender, estudioso do trabalho da Companhia Pantaleone Arcuri, citando o modernismo como estilo que rompeu, até mesmo, com a ornamentação. “Os detalhes podem nos surpreender, e uma boa arquitetura é assim, surpreendente”, completa.
‘O caminho é a educação’
Por trás das coloridas, ainda que sóbrias, páginas da publicação municipal, está um discurso que se deseja consolidar acerca da solidariedade coletiva para com os patrimônios locais. De acordo com Marcos Olender, representante do Instituto Brasileiro de Arquitetura – Juiz de Fora (IAB/JF) na composição do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (Comppac), a cidade merece passos mais largos na área da preservação. “Estou muito desanimado com a nova composição do Comppac. Muito preocupado. Com todo o respeito ao trabalho da Funalfa e da Dipac (Divisão de Patrimônio Cultural da PJF), que se esforçam, mesmo contando com uma estrutura muito reduzida, me preocupa a própria estrutura do conselho, que não é deliberativo, não é paritário e cuja composição excluiu, atualmente, as cadeiras do Museu Mariano Procópio, do Arquivo Histórico Municipal e da Secretaria da Fazenda”, comenta.
Segundo Olender, a substituição não foi coerente, já que no lugar dos dois órgãos entraram a Settra, a Secretaria de Administração e Recursos Humanos e mais uma cadeira para a Procuradoria Geral do Município. “É o momento de refletir sobre a reestruturação do conselho, mesmo que a legislação permita ao prefeito fazer isso”, aponta o estudioso. Conforme avalia o superintendente Toninho Dutra, muitos avanços foram feitos em 2015, como a revitalização de três prédios da Praça da Estação, que deram nova cara ao lugar. “Essa é uma área difícil, que guarda interesses diversos, além de muita subjetividade. É importante chorar os prédios que já foram e lutar pelos que estão de pé, para que se mantenham. Não podemos ignorar essa questão. Conseguimos avançar, não sei se a velocidade é a ideal, mas seguimos trabalhando. O caminho é a educação”, finaliza.