Outras Ideias com Lourival Alves Ferraz
Papai Noel existe. E são muitos. O do shopping, o da loja, o que chega de helicóptero e aquele que, de tão maltrapilho, não engana nem a criança mais inocente. O Papai Noel oficial de Juiz de Fora tem morada luxuosamente montada no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), com direito a casa com banheiro, quarto, sala, cozinha, oficina, escritório e duendes como ajudantes. Mas é pelo bom velhinho que se esconde por trás da roupa vermelha que esse Papai Noel especial ganha as páginas desta coluna. Lourival Alves Ferraz tem 60 anos de idade, 14 deles dedicados a interpretar uma das figuras lendárias mais conhecidas do mundo. Em sua casa de verdade, no Bairro Ipiranga, ele recebeu a Tribuna enquanto se aprontava para mais uma jornada de quase 12 horas no CCBM, onde recebe diariamente, até o dia 24 de dezembro, crianças de todas as idades.
A preparação diária demanda cerca de 15 minutos. De frente ao espelho, sem camisa, enquanto ajeita o cabelo e se maquia, fica evidente que a barriga grande não é de mentira, o que o impede de calçar sozinho as botas pretas, colocadas pela esposa. Uma camiseta regata por baixo do casaco vermelho ajuda a conter o suor que inevitavelmente cai ao longo do dia neste rigoroso calor de dezembro. Cinto afivelado, gorro cuidadosamente colocado, agora ele aguarda o transporte que o levará até ao encontro das crianças.
Aqui, o tradicional trenó foi substituído pelo Gol prata dos anos 1980, que leva Lourival até o CCBM. E as renas deram espaço ao senhor Rogério, motorista que todos os dias, pontualmente, às 9h30, transporta o Papai Noel de sua casa real para a de pura fantasia na Praça Antônio Carlos. É uma rotina que Lourival repete todo dezembro, há 14 anos, em shoppings e na casinha oficial do Papai Noel.
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Ao longo desses anos, já passou por várias saias justas, e a principal delas é a curiosidade das crianças em saber se a barba branca é de verdade. “Teve uma vez, quando a casinha do Papai Noel era no Parque Halfeld, que um menino de 6 anos toda hora vinha puxar a minha barba. Eu perguntei quem mandava ele fazer aquilo, e ele respondeu que eram o pai e a mãe. Tive que chamar os seguranças que ficavam do meu lado. Eu estava lá para conversar com as crianças, dar presentes. Depois os pais pediram desculpas e entenderam o espírito da coisa.” Então, paciência é a principal virtude do Papai Noel? “Tem que ter paciência e muito carinho com as crianças. Deus me deu esse dom, e eu fico muito feliz.”
O Papai Noel do CCBM também se considera um bom velhinho na vida real. Por 28 anos, Lourival cuidou de uma mulher, hoje com 54 anos, com doença mental. Essa era sua profissão até junho deste ano, quando se aposentou. Mas é também sua vocação. “Eu fazia alguns exercícios de fisioterapia que aprendi com a própria mãe dela, a levava para passear na cadeira de rodas. Todo o carinho que tenho com as crianças tinha com ela também, porque, para mim, ela é uma criança. Ela não entende, não fala, mas eu a tratava muito bem. Até hoje vou visitá-la. É uma pessoa muito alegre.”
Mesmo aposentado, Lourival separa 30% de sua renda para ajudar os mais necessitados no final do ano. Todo dia 25 de dezembro, às 10h, ele veste a roupa de Papai Noel pela última vez e recebe as crianças do bairro em sua casa, construída por ele mesmo num terreno que comprou das irmãs e onde agora uma filha também constrói sua moradia. “É uma média de 700 brinquedos todo ano”, diz, orgulhoso.
A lista de empregos de Lourival parece convergir para o trato com o ser humano e o talento em servir. Além de Papai Noel e cuidador, por cerca de 15 anos vendeu pipoca, cerveja e água durante jogos no Estádio Municipal. “Quando o Tupi fazia um gol, jogava a pipoca toda para o alto”, lembra. Botafoguense de coração, parou de frequentar o estádio quando os pelos da cabeça e do rosto ficaram tão brancos que já era impossível não associá-lo à figura do Papai Noel.
Todo dia 26 de dezembro, Lourival cumpre um ritual: acorda e sai de casa, rumo à barbearia, cortar os cabelos e fazer a barba. É o único momento do ano em que deixa de lado o personagem que tanto gosta de interpretar. Em casa, longe dos olhares curiosos de crianças e adultos, Lourival se dedica ao neto Pedro, de 1 ano e 4 meses, que tem a sorte de ter um Papai Noel sempre por perto o ano todo. Ao ver a criança, Lourival se recorda de seus Natais na infância. “Meu pai sempre me dava brinquedo. Todo ano, eu colocava o sapatinho na janela, e, de manhã cedo, estava lá o presente.”
E o que espera para o neto e para outros da mesma geração? “Muita saúde e felicidade. E que os governantes ajudem as crianças. A vida é muito boa, se as pessoas souberem levar.”