‘A última valsa a três’: Sala de Giz estreia novo espectáculo nesta quarta
‘A última valsa a três’ é um drama com pitadas de realismo fantástico
Há quem creia que a morte, para além do fim da vida, seja uma porta para outra realidade. Há os que a veem como sendo apenas uma consequência lógica do longo e gradual processo de envelhecimento do corpo. Se os franceses, lá pelos altos da Idade Média, representavam o fim da vida com a alegoria teatral da “danse macabre”, em Juiz de Fora o eterno tema do inevitável fim ganha os palcos de com novos contornos, ritmos e luzes. De quarta-feira (15) a sábado (18), acontece, na Sala de Giz, o espetáculo “A última valsa a três”, a partir das 20h. Os ingressos podem ser adquiridos pelo Sympla.
A narrativa da peça surgiu para o dramaturgo e diretor do espetáculo, Felipe Moratori, por meio da observação – junto com o também diretor do drama, Bruno Quiossa – das interações entre os alunos da turma de montagem da Sala de Giz. O que começou com a poesia de Manoel de Barros e os locais da infância de cada ator, acabou por se transformar ao longo da formação dos alunos na cidade fictícia de Campo dos Ipês, onde um casal, vivido por Eduard Toom e Mirele Kollarz, interpreta a Morte e eventos típicos do realismo fantástico passam a ocorrer.
“Visualizamos o perfil dessa dupla de atores muito diferente dos demais, especialmente ela (Mirele). Trouxemos o repertório dela como musicista, o ar clássico e elegante, e tencionamos isso com uma característica mais popular nas outras personagens. Há, então, esse aspecto dos dois como estrangeiros nessa cidadezinha. Antes, o casal não seria exatamente a Morte. Uma vez feita a distinção desses perfis, propusemos e eles passaram a assumir isso. É a partir desse momento que surge a narrativa que, inclusive, dá nome ao título. Da música veio a ideia da valsa que, geralmente, é dançada a dois. Com a Morte matando a terceira pessoa, nos interessamos por essa imagem da valsa a três, que será a última. Uma professora chega à cidade, e a narrativa começa”, afirma Felipe.
Ambos os diretores de “A última valsa a três” destacam a centralidade de Campo dos Ipês. “Por meio das imagens dessa cidade vamos fazendo metáforas para poderem serem lidas como símbolos”, diz Felipe, como uma rachadura que surge do grito de um filho ao perder sua mãe. E Bruno acrescenta: “Era muito importante não ser uma megalópole, era preciso ser uma cidade pequena, desimportante. As personagens da morte têm até uma crise, ao dizerem que não gostam de estar nesse lugar, pois lá o tempo demora demais, as coisas demoram a acontecer, e eles gostam de estar matando em sequência, porque essa é a função deles no ciclo da vida”.
Espetáculo intimista
Ambientada na sala de estar da morte, muito do espetáculo se dá pelo imaginário da cidade fictícia. Por meio de um recurso cenográfico, como destaca Bruno, a história vai sendo contada. “Toda cenografia que faço acabo escolhendo um elemento para trabalhar em volta do espetáculo. Para esse, é um sofá. Ele é grande, preto, um pouco mórbido, lembra muito essa questão da funerária. Não construímos a cidade visualmente, fazemos a sala de estar desse casal da morte, onde eles levam as coisas das personagens que são mortas. Quando vou trabalhar em outros ambientes, faço um recorte de luz, muito habituado à narrativa do que ela está vendo dentro do espaço.”
Importância de consolidar a Sala de Giz
Começando janeiro já estreando um espetáculo pelo segundo ano consecutivo (o primeiro foi com a peça “Minas impura”, de 2024), os diretores e fundadores da Sala de Giz têm expectativa de uma boa primeira temporada. A peça fecha o processo de formação dos alunos.
“É muito importante para a gente também que os alunos se sintam contemplados e vejam o que foi trabalhado em sala de aula ao longo desses dois anos sendo reconhecido pelo público. Esse é o momento em que o teatro acontece. Quando você encontra o público, você está fazendo o teatro acontecer”, destaca Bruno.
Felipe concorda: “É muito importante consolidar a Escola Sala de Giz por meio do espetáculo. Ao fazer a montagem, que é um processo com os alunos, também temos a expectativa que outras pessoas tenham o interesse em ‘colar conosco’, fazendo teatro. A base do trabalho da companhia está toda ali. É muito importante que o espetáculo funcione, mas que ele também sirva para legitimar a escola, como espaço de formação na cidade”.
*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy
Tópicos: sala de giz / teatro