Outras ideias com Maria Geny Barbosa
Aos 23 anos, Maria Geny Barbosa, então casada há quatro anos, distanciou-se do pequeno Sebastião, seu terceiro filho, de pouco mais de 1 ano, e o garoto sumiu do alcance de seus olhos. “Era Semana Santa, e eu perguntava para as pessoas se haviam visto. E nada. Fiz uma volta na linha do trem e ouvi uma voz: ‘Não segue não, porque seu filho está n’água’. Rezei e pedi que colocassem meu filho em um galho ou pedra para que pudesse ver. Ao chegar no meu terreiro, ouvi meu marido gritando, achando o menino. Ele estava quente ainda, tirei o peito, dei de mamar, mas ele já tinha a boca roxa”, conta a senhora de 86 anos, com os olhos marejados. “Naquele momento, tudo acabou para mim. Colocaram-me numa cama e por lá fiquei, quase morta. A partir daquele momento, levo a vida do mesmo jeito até hoje: jejum, prece e trabalho para os outros.”
Moradora da zona rural de Ubá, a mulher só saiu do silêncio absoluto em uma visita à Fazenda Velha, próxima do Rio Paraopeba, em Sobral Pinto, no município de Astolfo Dutra, onde um senhor de nome Mateus orientava trabalhos espirituais. “Lá, o médium disse a meu marido que meu espírito havia saído do corpo, que eu era médium de berço e deveria continuar, desenvolvendo, senão a obsessão voltaria”, diz Geny, que acolheu a sugestão e deu início aos trabalhos. Entre o mundo dos espíritos e o dos homens, ela encontrou o conforto para a ausência do filho e nasceu para a vida de milhares de outros filhos que fez na lida dos dias.
Mãos estendidas
E não bastavam apenas os seus. Dona Geny, a mulher de voz firme, abraço carinhoso e olhar sempre compadecido, também se preocupava com os filhos que via pelas casas e pelas ruas onde passava. Ao chegar a Juiz de Fora, no início da década de 1970, já reconhecida como médium por centenas de juiz-foranos que iam até Ubá, ela começou a trabalhar em centros espíritas até construir a Associação Espírita Padre Antônio Vieira, há 35 anos. Seus dons de ver e ouvir espíritos, lhe incitavam, no entanto, a trabalhar efetivamente com seu próximo. Sonho antigo, a Creche Comunitária Antônio e Maria Geny Barbosa abriu suas portas há 14 anos, no Bairro Santa Cruz, Zona Norte da cidade. No espaço, que atende 99 crianças entre 0 e 6 anos, o zelo salta em cada detalhe, apesar de todas as dificuldades. “Durmo e acordo preocupada, mas sempre dá certo. Para manter, precisamos fazer um evento de dois em dois meses, como bingos, festas e bazares”, conta Célia, diretora da instituição e filha de dona Geny.
Dias de pratos vazios
Da vida na roça, que lhe deu o forte sotaque do interior, Geny se recorda das horas tranquilas, mas também dos tempos minguados. “Não tinha nem comida direito. Quando havia outras pessoas ajudando meu marido na plantação de fumo, dava o resto de comida para eles e ficava sem. Tomava um copo com água e raspava a mão numa abóbora. Já tive momentos em que, desse jeito, não tinha nem leite na maminha para dar aos filhos”, emociona-se ela, casada com Antônio aos 19, mãe de 12 filhos – um morto nas águas, outro natimorto e outro, ainda, vítima de um enfarto quando adulto -, com 24 netos e 6 bisnetos. Após conhecer a doutrina espírita, Geny, que não aprendeu a ler nem escrever (os pais não permitiram, achando que sua mediunidade era, na verdade, uma loucura), obstinou-se a ofertar a melhor educação aos filhos. “Todos hoje, muito unidos, são formados. Eu tingia o uniforme deles, feito de saco, e eles começaram a estudar”, diz.
Acompanhada por Nico
Companheiro constante, Antônio, o Nico, deixou para a esposa uma pensão de dois salários mínimos e a casa em que moravam, na mesma rua do centro espírita. Deixou, também, a saudade. A médium que avisou aos pais sobre a despedida da avó, e viu, em 1989, o anúncio de três mortes na família (um filho, um neto e a mãe), também soube o dia em que o marido não mais acordaria. No leito de morte, há 20 anos, Antônio ouviu Geny dizer: “Olha Nico, se está preocupado com a Maria do Carmo (a última filha solteira), não precisa. Se está preocupado com as galinhas e com a horta, acabo com elas. Se está preocupado porque ainda quer me dar a Kombi, não quero mais, porque agora precisamos é de um ônibus pelo tamanho da família. O mais importante você já me deu: meus filhos. Agradeço por tudo o que me deu e por toda a sua companhia”. Horas depois, o marido se foi. E Geny, a despeito de alguns problemas de saúde, mantém-se firme e resignada. “Vivo só para trabalhar para os outros”, pontua ela, que nos finais de ano distribui cerca de duas mil cestas no bairro. A força, de onde vem? Das companhias que fez na vida, tanto dos espíritos (“Estamos conversando, e eles estão aqui”, diz), quanto dos homens a quem estende as mãos.