Classificação indicativa: Gente grande
Com os recentes sucessos de filmes de animação produzidos pelas gigantes Pixar e Dreamworks, que levaram milhões de espectadores às salas de cinema de todo o mundo, essa crescente indústria entendeu que não bastava aos pais apenas levar os filhos ao cinema. Eles necessitavam de roteiros mais adultos, em que os personagens experimentassem dramas reais, para que pudessem desfrutar da magia desse gênero cinematográfico e discutir questões próprias da idade adulta.
A história do filme de animação começou nos primeiros anos do cinema mudo. O primeiro desenho animado é do francês Émile Reynaud, que criou, em Paris, em 28 de outubro de 1892, 120 anos atrás, o praxinoscópio, um aparelho semelhante ao projetor dos irmãos Lumière. Já o primeiro desenho animado exibido em um projetor de filmes moderno foi "Fantasmagorie", do francês Émile Courtet, projetado pela primeira vez em 17 de agosto de 1908, no "Théâtre du Gymnase", também na capital francesa. Courtet viajou para Fort Lee, próximo à cidade de Nova York, em 1912, onde trabalhou para o estúdio francês Éclair e espalhou sua técnica pelos Estados Unidos.
No cinema contemporâneo, o interesse pelas animações ressurgiu em função das grandes produções em 3D, e, curiosamente, o uso dessa nova ferramenta tecnológica fez emergir também uma grande leva de produções baseadas em técnicas tradicionais.
Os filmes de animação estiveram, durante muito tempo, associados ao universo infantil, mas esse cenário começou a mudar nos últimos anos. Aqueles bonequinhos fofinhos e simpáticos, dublados por vozes infantis, guiados por roteiros de aventura e fantasia, agora dividem espaço com personagens complexos, inspirados em dramas tristes e reais. Enquanto a noção da animação como um meio exclusivamente para crianças já se perdeu, a potencialidade do longa-metragem animado, dedicado apenas aos adultos, é uma realidade cada vez mais presente no mundo cinematográfico. "Esse tipo de trabalho é uma válvula de escape para animadores e roteiristas, uma vez que não está tão submetido aos interesses do mercado. Trata-se de um trabalho artístico, em que as experimentações de linguagem são permitidas", explica Leo Ribeiro, diretor de animação.
Os sucessos internacionais de produções europeias, como "Valsa com Bashir", dirigido por Ari Folman, e "Persépolis", de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, provaram que os onerosos longas-metragens de animação também conseguem se pagar e ter grande êxito apoiando-se apenas no público maior de idade. "Animação nunca foi um veículo destinado apenas a crianças. O que houve é que Walt Disney dominou o mercado norte-americano nos anos 1920, e sua produção, principalmente de longas-metragens, era destinada a crianças, com contos adaptados. Essa arte, por seu aspecto lúdico e diversas formas fantásticas de abordagem, acaba atraindo a atenção de qualquer tipo de público", observa Ana Lúcia Andrade, professora de Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG.
Dono de um traço singular, em que mistura o tradicionalismo artesanal com artifícios tridimensionais, o francês Sylvain Chomet é um dos nomes de destaque no universo da animação para adultos. Seus personagens são pessoas tristes e solitárias, um universo que em nada atrai o público infantil. Seus dois longas, "O mágico" e "As bicicletas de Belleville", destacaram-se no circuito dos principais festivais de cinema do mundo, chamando a atenção da crítica especializada. "Esses dois filmes também enveredam por esse caminho, sendo que o primeiro foi baseado num roteiro não filmado de Jacques Tati, que seria executado em "live action", tornando-se ainda mais instigante sua visualidade tão naturalista, mas totalmente desenhada numa estética bela e condizente com a atmosfera proposta na narrativa", explica Ana Lúcia.
Solidão, conflitos religiosos e guerra
Os temas abordados pelos roteiros das animações para adultos são os mais variados possíveis, assim como acontece no filme em "live action" (atração de gente grande por excelência), e os produtores têm apostado em histórias reais para conquistar a audiência. Confirmando essa tendência, a animação francesa "Persépolis", devido a sua carga dramática e apelo realista, foi escolhida pelo governo francês para representar o país na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro e, mesmo não tendo permanecido na disputa, foi um dos três indicados ao prêmio de melhor filme de animação. O longa de 2007 é o retrato animado dos quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi, que conta sua trajetória em meio às guerras e revoluções que assolavam o Irã na década de 80. Sua trama começa pouco antes da Revolução Iraniana, quando Marjane atinge a adolescência, e termina com sua expatriação, aos 22 anos. Crescendo em uma sociedade em que meninas não podiam namorar e nem usar roupas ou símbolos que lembrassem a cultura ocidental, tudo o que a garota queria era usar um tênis Nike, depilar as pernas e poder escutar Iron Maiden. "A linguagem da animação, através de sua potencialidade lúdica e fabular, possibilita a estilização da realidade, tornando-se uma forma diferenciada de abordar temas sérios e questões importantes de serem refletidas, procurando uma maneira metafórica de comunicar certos conteúdos, a partir de seu fascínio e abrangência. Ou seja, como um discurso abrangente, essa fascinante mídia buscaria a reflexão a partir de fábulas aparentemente simples, mas de fácil acesso ao público em geral. São histórias bem contadas, com personagens interessantes e temas envolventes que, aliados a este potencial lúdico, tornam-se ainda mais fascinantes como discurso audiovisual", destaca a professora.
Mary & Max, do diretor Adam Elliot, dono de um Oscar de curta animado por "Harvie krumpet", em 2003, explora a amizade, o autismo, o alcoolismo, a origem dos bebês, obesidade, cleptomania, diferença sexual, religiosa e muito mais. "O filme parte da premissa de uma história e personagens reais para desenvolver uma ficção com temas nada infantis, como solidão, desencanto, problemas de relacionamentos. Entretanto, a leveza surge exatamente da técnica de stop-motion, com seus fascinantes bonecos articulados que possibilitam a concretização visual de metáforas inseridas na narrativa", destaca Ana Lúcia.
A produtora Gullane Filmes, de "Peixonauta – O filme", em cartaz no país, prepara o lançamento do longa-metragem de animação "Uma história de amor e fúria". Vendido como um desenho animado para plateias adultas, com o título internacional de "Rio 2096", o filme é focado em quatro datas fundamentais da história brasileira: 1500, ano do descobrimento pelos portugueses; 1800, auge da escravatura; 1970, ponto máximo da ditadura militar, e 2096, no futuro. Primeiro longa-metragem dirigido por Luiz Bolognesi (roteirista do "Bicho de sete cabeças"), "Uma história de amor e fúria" será realizado pelo processo tradicional de animação e ainda se encontra em fase de produção no Brasil. Com a RioFilmes, eles ainda produzirão "Tarsilinha", em 3D.