Entrevista – Tekko Rastafari, fundador do AfroReggae


Por Tribuna

10/07/2015 às 07h00- Atualizada 10/07/2015 às 15h14

Tekko saiu de uma barraca na Cinelândia para a coordenação de um dos mais potentes centros culturais da periferia carioca  (divulgação)

Tekko saiu de uma barraca na Cinelândia para a coordenação de um dos mais potentes centros culturais da periferia carioca (divulgação)

Para incluir, é preciso saber o que está dentro e o que está fora. É necessário ter os olhos nus, ter a clara visão do problema e de uma possível solução. Há 23 anos, numa barraca da Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro, questões eram colocadas, e respostas iam, pouco a pouco, surgindo. O que fazer para tirar do silêncio as muitas favelas de uma cidade cercada pelo mar e pelo morro?, perguntava um grupo de inquietos, como Luiz Fernando Lopes, 60 anos, um dos criadores do Grupo Cultural AfroReggae.

Conhecido como Tekko Rastafari, o parceiro de José Junior saiu do comércio popular para dar um passo que mudaria sua vida e a de muitos outros cariocas. Reconhecida internacionalmente, a organização que busca a justiça social através da inserção cultural de moradores das periferias hoje enumera uma série de atividades, das oficinas (ideia inicial) aos programas de TV – como “Conexões urbanas” (de José Junior para o Multishow) e “Paixão bandida” (série do GNT).

Frutos do centro de formação artística no qual se tornou o Afro Reggae, que hoje atende cerca de 11 mil pessoas por ano, os grupos de música, teatro e circo também demonstram a força de um projeto que desde o início quis ser grande e impactante. Neste sábado, desembarcam em Juiz de Fora, para show no German, as duas formações: o Bloco AfroReggae, um dos maiores da capital fluminense, e o Afro Lata, que transforma objetos descartados em instrumentos de percussão. Enquanto o primeiro, de 2006, executa diferentes gêneros em ritmo de carnaval, o segundo, de 1998, exalta a cultura afro-brasileira, tocando maracatu, frevo e samba.

Incluído na programação do Rock in Rio de 2013, o Afro Lata tocou ao lado da portuguesa The Gift. Inclusão, para o grupo cultural, é palavra de ordem. Segundo Tekko, um de seus orgulhos recentes é o que tira das prisões do cotidiano aqueles que já foram libertados das celas. “Temos um projeto chamado ‘Segunda chance’, cuja maioria dos atendidos são ex-presidiários. O objetivo é trazer essas pessoas que ficaram muito tempo presas ou moram em lugares sem oportunidade de ressocialização para empregos dignos. Nesse projeto, muitos eram milicianos, ou de facções diferentes, e agora não têm mais diferenças, são todos o AfroReggae”, conta, por telefone, em entrevista à Tribuna, o homem de discurso elaborado e disposição para mudar muito mais.

Tribuna – O AfroReggae é um sonho coletivo?

Tekko Rastafari – Na época, eu, Júnior e mais sete pessoas começamos essa história, através do evento “Rasta Reggae Dance”. Depois que ele aconteceu, passamos a nos encontrar para avaliar como havia sido, no desejo de criar um grupo para fazer eventos, o que acabou se transformando no jornal “AfroReggae Notícias”, lançado em 21 de janeiro de 1993. A cada lançamento, fazíamos uma festa para sustentarmos a publicação, que sempre teve distribuição gratuita. Seis meses depois, já queríamos montar um grupo cultural que também cumprisse um papel social. Na realidade, iríamos desenvolver o trabalho na favela de Acari. Nesse ínterim, aconteceu a chacina de Vigário Geral. Como não tínhamos sede e nos reuníamos no espaço de uma ONG, resolvemos nos mobilizar para ajudá-los.

– Como foi encarar esse desafio logo no início?

– As pessoas estavam com medo de os cavalos corredores voltarem e fazerem uma nova chacina. Tudo estava deserto. Daí surgiu a ideia de fazer um evento pela paz, tentando trazer um pouco de alegria para aqueles moradores. Outras entidades apareceram, bem como grupos e artistas. Quase ninguém queria ir à quadra onde foram expostos os últimos corpos da chacina. E o pessoal era carente de cultura, apesar de o Teatro do Oprimido já ter um núcleo por lá. Conseguimos trazer os componentes dos blocos de Padre Miguel para oficinas gratuitas. Ninguém do AfroReggae conhecia Vigário. Vivemos um clima muito pesado. Porém, logo no início, surgiram outras oficinas, como a de reciclagem de lixo, a de futebol e a de capoeira.

– Qual era o papel dos jovens nesse contexto?

– Sempre acreditamos muito nos jovens da favela. Quem gerenciava nosso espaço nesses lugares (as favelas) eram, justamente, eles, que acabaram sendo o espelho de outros garotos e garotas das comunidades. Todo jovem tem potencial e pode tudo, dependendo da cultura e da educação.

– Desde seu período como ambulante se mostrou um agitador cultural…

– Sou formado em química e, em 1981, fiquei desempregado. Tentei, por várias vezes, correr atrás de emprego e resolvi participar de uma barraca, vendendo bottons contra o movimento do apartheid, além de camisas de marca. Tudo o que conhecia no meio cultural transformava em camisa e botton. Fiquei uns dez anos ali. A “Rasta Reggae Dance” surgiu na minha barraca, que acabou se tornando um ponto cultural do Rio de Janeiro.

– Sua vida mudou muito de lá para cá?

– Mudou porque comecei a pegar tudo o que conseguia assimilar de conhecimento cultural e educacional e passar para esses jovens. Íamos para Vigário Geral, eu ajudava nas oficinas de percussão, e levava VHS para mostrar a eles vídeos sobre expressões artísticas, movimento negro, além de levar palestras. Mais tarde, fomos para o Cantagalo, onde hoje temos um espaço circense. Para mim, é gratificante ver esses garotos que, na época, tinham 11, 12 anos, e hoje já têm até filhos e conseguem mostrar que existe um caminho para a favela: educação e cultura.

– Quando vê a estrutura e o reconhecimento do AfroReggae hoje, o que vem a sua mente?

– Penso que o AfroReggae entrou para fazer o que seria responsabilidade do governo. Conquista-se a comunidade através da cultura, que puxa a educação, que gera a autoestima e, assim, você tem outro horizonte de percepção do mundo fora da comunidade. Ver esses garotos formados no circo, trabalhando em outros países, em respeitadas companhias, ver o Afro Lata, a banda AR21 e as demais formações, me faz melhor.

Batuque Samba Funk

Com AfroReggae, Afro Lata e Buchecha

11 de julho, às 23h

German

(Rua Roberto Stiegert 10 – São Pedro)

 

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