Poeta Otávio Campos lança o livro ‘Tatear os destroços depois do acidente’

A obra será lançada neste sábado (12), no Estúdio Galeria, a partir das 19h; evento conta com bate-papo com o próprio Otávio e com os também poetas Laura Assis e Victor Squella


Por Cecília Itaborahy, sob supervisão do editor Marcos Araújo

09/11/2022 às 07h00

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“A montagem desse livro começou como um objeto de desejo, como eu acho que são todos os livros”, diz Otávio Campos sobre seu novo livro (Foto: Arthur Daibert/ Divulgação)

Desejo e violência: palavras antagonistas que vez ou outra encontram paralelas. Tatear os destroços das atrocidades, sejam elas reais ou ficcionais, exatamente em busca daquilo que há em comum entre o sentimento e o ato. Otávio Campos já havia demonstrado em seus outros dois livros, “Os peixes são tristes nas fotografias” (2015) e “Ao jeito dos bichos caçados” (2017), que era no processo de montagem que encontrava sua forma de escrever: deixando visível o flerte entre construção de cenas cinematográficas e cenas literárias, com suas aproximações e distanciamentos. Mas em “Tatear os destroços depois do acidente” o escritor e editor parece unir ainda tantas outras situações que marcam claramente a influência do cinema, do desejo, da violência, da montagem e da narrativa na construção dos poemas que compõem o livro, publicado pela editora Macondo, idealizada pelo próprio autor. A obra será lançada em Juiz de Fora neste sábado (12), no Estúdio Galeria (Rua Marechal Deodoro 541, sala 209 – Centro), a partir das 19h, com bate-papo com Otávio e com os também poetas Laura Assis e Victor Squella.

Capa Tatear os destrocos depois do acidenteNo poema de abertura, “@blessedboy1993”, Otávio coloca em destaque o seu próprio processo de construção de “Tatear os destroços depois do acidente”. Nele, ele descreve o ato de selecionar filmes para montar um outro filme, e o que é, afinal, a montagem: uma finitude de escolher, cortar e colar com o desejo como grande guia. “Fazer o desejo dançar na montagem”, ele escreve, demonstrando o intuito de tudo isso. E por mais violento que seja seu terceiro livro, o desejo é ainda mais presente nas páginas.

E foi a partir de um desejo erótico que Otávio o construiu. “A montagem desse livro começou como um objeto de desejo, como eu acho que são todos os livros. Mas um desejo erótico que se dava a partir do olhar. Eu pensei em uma história em que eu me apaixono por um ator pornô. Mas me apaixono pela imagem dele que eu conheço dos filmes. E penso nas possibilidades de ter aquela pessoa pra mim, comigo, e fazendo o que eu quero, como se estivéssemos construindo uma relação. Então pensei em como fazer com que aquelas imagens (minha única forma de acesso a esse ator) fossem montadas de modo que ele se virasse pra mim, que ele olhasse pra mim, que ele fizesse o que eu queria. Um movimento ao mesmo tempo amável e violento, eu acho, com minha mão e com meu olho montando essas cenas a partir de fragmentos de filmes em que ele aparece. Isso é construir e é contar uma imagem a partir do desejo (desejo também de controlar aquele corpo, de controlar a significação sobre ele). Por isso o olhar tende a aparecer como um sentido privilegiado nas histórias desse livro. O olho em si, como um órgão erótico, consegue fazer a ponte entre o primeiro poema do livro e o que o fecha”, explica Otávio.

Entre o desejo e a violência: o ato

A violência está no livro na medida em que ela é propriamente despertada pelo desejo. “Tudo que causa paixão à alma / leva o corpo a praticar uma ação”, escreve Otávio no quarto poema que compõe a seção “Cinema Snuff”. Como um bom contador de histórias, o escritor narra as violências sofridas das mais diversas formas: o homem que matou a sangue frio um outro, seguindo os passos de uma cena de cinema; a mulher que narra sua vivência com a esquizofrênica; o descobrimento de uma doença – e, em tudo isso, com um olhar de voyeur que acaba por colocar o leitor também nessa situação. “Uma coisa que me chamou a atenção nesses últimos anos foi o boom das narrativas de true crime em diversas mídias. É realmente impressionante o gozo que as pessoas têm em consumir histórias horrendas de crimes, de assassinatos, e eu não sei se é pelo fascínio pelo grotesco, ou pela espetacularização quase sexual das imagens que chegam aos olhos. Eu pensei, então, em uma aproximação entre essas narrativas de crimes e aquelas dos filmes pornográficos, e também aquelas que foram usadas para construir a face da loucura há alguns séculos. Acho que todas falam sobre morte, mas, em maior ou menor grau, sobre controlar a morte, sobre ter esse poder”, justifica.

“Acreditar é também um acordo”, diz um poema

“Tirar uma foto é participar/ da mortalidade, da vulnerabilidade/ e da mutabilidade de alguém ou de si próprio./ Posar é reconstruir para si/ um corpo de reposição para o resto/ futuro da semelhança./ Posar é uma microexperiência/ de morte./ Gozar também é assim”, ele escreve em outro poema. Entender a construção da realidade e a representação do mundo através das imagens é também o que o instiga a escrever “Tatear os destroços depois do acidente”. Para isso, assim como em outros momentos, Otávio traz à tona pensamentos de outros escritores sobre o tema que aborda: como se ele unisse escrita acadêmica, poesia e romance em um mesmo livro. E de maneira proposital. Afinal de contas, o livro começou a tomar forma quando ele começou a escrever a tese. O romance, para ele, é a própria história contada. “Acho que o que eu sempre gostei de verdade nos livros e nos cinemas é da história que é contada. Eu gosto de ouvir histórias, saber delas, mas também de contá-las – isso tem a ver com a invenção e com a magia”, conta.

O corte preciso

Mas só no corte da poesia, naquilo que ele chamou de censura, é que o livro poderia, realmente, acontecer. “Toda a linguagem do livro é também montagem. É fratura e corte de coisas que foram ditas por outras pessoas. Eu queria contar uma história que se desse a partir de fragmentos. Alguns fragmentos eu criei aqui mesmo, na minha sala de montagem, outros recortei de legendas de documentários, matérias de jornais, livros técnicos e literários, e tudo mais que eu pude ter acesso durante esse percurso. Colocar esses escritos dispostos em versos foi minha maior intromissão nesses trabalhos que não eram originalmente meus. Daí também sua inevitável aproximação com a violência. É como criar um corpo novo a partir do esquartejamento daqueles corpos antigos. Mas eu queria trabalhar com essas imagens como se fossem cenas de um filme, por isso a roupagem poética, porque acredito que a poesia e suas censuras, o seu corte explícito, consegue produzir alguns efeitos imagéticos (e também sonoros) que a aproxima da linguagem do cinema.”

“Tatear os destroços depois do acidente” recupera, ainda, um trabalho que Otávio exerce desde quando criou a Macondo. Como editor, ele é também um montador. “Os autores escrevem textos, e o processo editorial (e todas as relações que ele desperta) faz os livros. O editor é essa mão, muitas vezes invisível, que monta o livro e entrega para os leitores uma possibilidade de realidade da escrita a partir daquele esboço que o autor faz. Meu trabalho como editor é um trabalho de montador. Foi esse processo de relação, que tem me acompanhado durante meus anos na edição, que eu utilizei tanto para pensar e fazer minha tese, quanto para construir e editar o “Tatear os destroços depois do acidente”. Acho que isso também justifica eu ter ficado um tempo sem conseguir escrever poemas, porque era como se eu estivesse escrevendo e publicando todos aqueles livros que faço aqui na editora”, finaliza.

 

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