Galeria Ruth de Souza sedia exposição ‘Fissuras’ do Artista Dalton Carvalho
A mostra segue aberta para visitação até 28 de maio, no Teatro Paschoal Carlos Magno
No final do corredor da Galeria Ruth de Souza, no Teatro Paschoal Carlos Magno, uma luz azul faz como um convite: “Decifra-me”. É uma tela grande, predominantemente branca e azul, com fissuras que podem representar tanta coisa – e é isso o que dá ainda mais vontade de se aproximar; sentar no banco de madeira; levantar; percorrer as linhas e mais linhas desse quadro que seduz. Depois, olhando ao redor, mais telas. Do outro lado, exatamente na parede oposta, a que, no caso, recebe os visitantes da exposição, mais telas-irmãs dessa azul, mas, então, de outras cores, outras sugestões, mais fissuras. Elas são, na verdade, mapas da deriva: o caminho que começa em um ponto sem rumo, no desconhecido. São rotas sem fuga que o artista Dalton Carvalho guia seu pincel ou lápis, de modo a sugerir, afetivamente, os mapas do mundo, em uma escala ampliada, como se um satélite tivesse captado as sensações dos locais habitados (e também os não-habitados). Essas telas, juntas, foram a mostra “Psicogeografias”, uma das três que compõem a exposição “Fissuras” que o artista gráfico e arquiteto inaugurou na galeria, onde permanece até o dia 28 de maio, com visitação de terça a domingo, das 9h às 21h.
Se as telas de “Psicogeografias” propõem um caminho de ver de longe a deriva do artista, “Hipercities” já faz imaginar uma visão mais aproximada de um caos de metrópole. Foi a partir dessa série, inclusive, iniciada em 2014, que Dalton passou a se ver, realmente, como artista. Apesar de pintar, sob influência de sua mãe, desde novo, nessa reunião de imagens ele encontrou sua própria identidade: a forma como melhor conseguiu se traduzir e, a partir disso, pensar em outras séries que, no fundo, têm coincidências: lugares, fissuras e caos.
Arquiteto formado em Juiz de Fora, passou a se interessar pelos softwares de maquetes eletrônicas, em que cria as edificações em 3D, no computador. Foi nesse mesmo programa que ele encontrou uma maneira de pensar sua própria arte e passou a brincar com as possibilidades não mais idênticas à realidade, mas, mais uma vez, sugestivas: o mesmo convite para decifrar. “É como uma identidade que eu sempre busquei. Foi um dos primeiros trabalhos que eu fiz e consegui me enxergar ali, nunca me enxerguei muito nas minhas produções mais figurativas. Essa série veio em uma tentativa de entender melhor o mundo e compreender esse espaço. E isso me fez olhar até para o meu trabalho enquanto arquiteto de uma maneira diferente. Eu me mantenho nos dois mundos que me permitem viver um contraponto interessante, o contato com outras demandas. Fazendo o processo para os trabalhos das maquetes, fui pensando que o processo é muito bonito, e ninguém vê. Eu entendi que precisava passar isso para o mundo.”
Com essa identidade montada, Dalton se pôs a pensar como materializar esse processo de criação das cidades retrofuturistas. Em um momento, teve a ideia de pintar sobre a projeção da maquete sugestiva em uma tela. Mas depois entendeu que seu trabalho no computador é, sim, arte, e não precisaria, então, finalizar com o uso dos pincéis. A impressão do trabalho já continha suas técnicas desenvolvidas anos a fio, com pesquisa, estudo, experimentações, erros e tentativas e o lugar que o agrada. Em “Fissuras”, ele expõe tanto a versão impressa quanto a pintada.
‘Tudo é relativo à escala’
São as telas menores que ocupam a maior parede da Galeria Ruth de Souza. Trata-se da série “Escombros”, a mais recente e, talvez, a mais figurativa, sem largar a mão da sugestão. Ela é figurativa na medida em que, ao se olhar, de primeira, já se entende tratar de um lugar (mas qual?), transpassado por luz, com cores mais escuras que também fazem um contraponto de iluminação, dando a sugerir que, no caos, no lugar que pode ser não-habitado, a luz também entra. São espaços da cidade que Dalton carrega na espátula, incluindo, em alguns, pedaços de madeira que ainda garantem uma textura que ultrapassa o limite da tela. Em “Escombros”, a escala é a mais próxima: é como se o corpo estivesse presente no lugar, não mais sendo visto ou por um satélite, como em “Psicogeografias”, ou por um drone, como em “Hipercities”.
Em um passeio por entre as telas, Dalton tenta fugir dos clichês para falar dos processos de composição das telas e do sentimento de ter uma exposição sediada no espaço em que ajudou a idealizar, já que fez parte da equipe de profissionais envolvidos no projeto – tudo para não dizer “gratidão”, por exemplo. Algumas vezes, é impossível fugir deles e, quase sem querer, ele assume: “Eu gosto é do estrago”, mencionando a música “O velho e o moço”, da banda Los Hermanos. Isso porque o caos está presente em todas as telas de “Fissuras”: “Essa estética do caos, do over, do carregado”, enumera o artista. Nascido em Nepomuceno, uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais, em suas telas, ele busca o que há de mais caótico na metrópole. Não porque gosta, em sua vida, no caos, mas porque prefere ele naquilo que pinta, sugere ou programa. “Eu não preciso pintar o que eu gosto na vida. Mas claro que minha mudança para Juiz de Fora (ele se mudou para fazer faculdade) influencia a forma como eu vejo as coisas”, rebate.
No mais, ele pontua: “Tudo é relativo à escala. ‘Fissuras’ tem começo, meio, fim e percurso”. Sobre o nome, se ainda tiver dúvida, ele foi dado pelas rachaduras, as aberturas que estão presentes na exposição. Mas, por outro lado, pelo sentimento de estar fissurado por alguma coisa, um grande apego a algo. Para Dalton, a fissura é também um lugar.