A doçura da tia
As máquinas de algodões-doces funcionam como aparelhos centrífugos, girando em alta velocidade com uma fonte de calor bem no centro. O açúcar introduzido na espécie de bacia que compõe a peça derrete-se e, logo em seguida, solidifica no contato com o ar. Os vários fios de açúcar juntos formam o doce semelhante a uma nuvem. Simples, garante Maria José Rodrigues. “Para falar a verdade, aprendi sozinha mesmo, com o manual que veio na máquina”, conta ela, uma senhora de cabelos cacheados e grisalhos, diante de uma carrocinha de algodão-doce ao lado da lanchonete do parque do Museu Mariano Procópio.
“Cheguei aqui em 1995, com biju. Eu tinha saído do trabalho, e o rapaz que fazia biju estava precisando de uma pessoa. ‘Estou achando que a senhora é a pessoa ideal’. No dia 13 de junho ele me trouxe aqui. Dali ampliei para o algodão-doce. Fiquei com os dois por um tempo, mas quando o rapaz parou de fazer biju, fiquei só com o algodão. No início, trazia ele pronto e ficava debaixo da árvore. Nessa época, só vinha sábado, domingo e nas férias. Quando reinaugurou o parque, o diretor falou assim: ‘Olha Maria José, agora eu vou comprar a máquina e você vai fazer o algodão aqui'”, diz ela, referindo-se ao então diretor Francisco Antônio de Mello Reis, também ex-prefeito de Juiz de Fora, por quem nutre um carinho profundo. “Sempre estive ao lado do Mello”
Enquanto o parque esteve fechado para reforma, dona Zezé ficou nas imediações do casarão. Antes disso, porém, no tempo em que ela saía de casa e pegava o ônibus com um pesado suporte com os algodões-doces prontos para vender no parque, a concorrência era grande. Na lanchonete vendia o branco, e ela, o colorido. A oferta também era grande, de pipoca a brinquedos. Ao longo das décadas, a mulher que se recusa a revelar sua idade viu a histórica casa idealizada por Mariano Procópio para abrigar Dom Pedro II atrair multidões, passar por tempos de penúria e, pouco a pouco, se reerguer vigorosa.
“O melhor lugar da cidade é o museu. Aqui não tem como gastar muito, é um ambiente bom, tem segurança. Amo isso daqui de paixão. Considero como a extensão da minha casa. Isso preenche a minha vida. Por isso, quando aposentar, quero continuar aqui. Já determinei: fico aqui até completar 100 anos.”
Vó, não!
Quando completar seu centenário, todos saberão, promete dona Zezé. Até lá, contudo, será mistério. “Me considero muito jovem, como se tivesse 15 anos. Se me chamar de vó, o negócio fica feio”, ri a senhora orgulhosa por nunca ter feito um exame de sangue e não tomar nenhum remédio. “Graças a Deus tenho uma saúde ótima. Sinto mais energia hoje do que quando era menina, quando tinha que cuidar de uma criançada danada”, afirma, apontando para a família agigantada. “Nasci em Chácara, numa família de 13 irmãos. Era muita gente. Estudei pouco. Naquela época era mais difícil. Sou doutora em algodão doce”, brinca a filha de um homem dedicado às plantações e de uma mãe que vivia para a casa cheia. “Desde muito cedo eu ficava olhando as crianças.” Por isso gosta tanto dos pequenos, para os quais faz algodões grandes, bem grandes, quase despencando do palito. “As crianças gostam assim”, justifica. Filhos, não teve. “Tenho meus sobrinhos, que são filhos de coração.” Já foi casada? “Não, mas pretendo”, responde, aos risos.
Novela, não!
No ofício de Zezé, o sol é um aliado e tanto, ainda que dele não dependa a beleza e a doçura de seu algodão. “Durante a semana chego depois das 14h. Não chego antes porque não tem tanto movimento assim para mim. As crianças estão na aula. Venho todos os dias porque tem um contrato. Sábado e domingo já venho pela manhã, como nas férias. Só não pode ter chuva”, conta ela, que antes do parque também vivia rodeada por crianças, responsabilizando-se pela alimentação dos alunos de uma escola no Bom Pastor. “Trabalhei no Colégio Ativa, vendi roupas, já fiz de tudo um pouco”, brinca. “Ainda pego festa para fazer. Tenho minha máquina em casa”, anuncia ela, dona de uma vida “de muitas vitórias. Só tenho que agradecer a Deus pela força que ele me dá.” A fé, por sinal, é o combustível que a faz trabalhar e, ainda, sair às 18h e ir a duas celebrações religiosas para chegar em casa, no Bairro Santos Anjos, depois das 21h. “Sou católica apostólica romana. Atualmente estou mais na Glória, que tem o Padre Sérgio”, aponta. Novelas, gosta? “Minha televisão é mais Canção Nova. Gosto é de oração. Novela não traz benefício nenhum. E eu gosto do que traz benefício para a vida espiritual. Isso daqui (belisca a pele do braço) é matéria. E a gente vai partir e não sabe a hora e não vai levar nada”, brada ela, que do material só não se desfaz da vaidade com a idade. “Não me pergunta, hein?!”, sugere tensa. “O pessoal fala que Deus me atende mais. Mas não é isso. É que eu sou de oração. Vê se eu ligo em novela?!”
Festa, sim!
Todos os anos dona Zezé comemora o dia 13 de junho. Como é feriado, dia de Santo Antônio, ela acaba celebrando a data num final de semana próximo. “Gosto muito de fazer festa em casa. A cada ano meu no museu eu faço uma festa. E a cada ano da minha vida também, porque o meu aniversário é a data mais sagrada do mundo. Só não posso falar o ano em que eu nasci”, ri. A festa de 18 anos do trabalho no museu ela fez no parque, com direito a bolo e salgadinho. O lugar que lhe dá o pão e a popularidade merece festejo. “Às vezes estou no supermercado e a criança vem em disparada gritando: ‘A tia do algodão doce ali!’. É assim em todo lugar”, orgulha-se. “Tem criança que vinha pequenininho comprar biju e hoje traz o filho no parque”, recorda-se ela, resgatando, também, os tempos dos miquinhos e das tartarugas no local. “Tinha o Chico, um macaco famoso.” Tinha um rendimento melhor, também, ela lembra. Mas mesmo com o açúcar cristal bem mais fino, rendendo menos e na casa dos R$ 13, dona Zezé sobrevive do doce. “Dá para fazer minhas despesas e minhas economias. Porque não sou boba e sei guardar”, garante a trabalhadora que só descansa às segundas, quando o parque fecha para manutenção. Justo o dia em que poderia visitar o museu que só foi conhecer recentemente, numa visita voltada aos funcionários e à comunidade da região. “Quando reinaugurar lá em cima vai ser um movimento imenso, como foi com o parque”, comenta. E quando o Museu reabrir por completo a senhora vai subir? “Acho que não. Meu ponto é aqui.”