‘Cabrito’: Horror no interior
Filme de Luciano de Azevedo abre programação presencial do Festival Primeiro Plano, com exibição nesta terça-feira (7), às 21h, no cinema do Shopping Alameda

Cada cena é um recorte único e universal. Três passagens, como capítulos, dizem, cada uma por si, um episódio de horror que, apesar do espanto, pode ser até mais leve que a vida real. Juntas, as três partes formam o longa-metragem “Cabrito”, do juiz-forano Luciano de Azevedo, que, um dia, foi simplesmente um curta que rodou mais de 50 festivais e ganhou mais de 15 prêmios. O contato com outros realizadores que os festivais de cinema propõem foi o mote para prolongar a história e somar mais um pedaço. Depois de um tempo, um incentivo possibilitou a gravação do prólogo e a reedição dos outros curtas. O filme, que também já foi exibido em outros circuitos e está disponível na Amazon Prime Video, faz parte da programação presencial do Festival Primeiro Plano. A sessão acontece nesta terça-feira (7), às 21h, no Cinemais Alameda.
Mesmo com questões individuais, “Cabrito” tem unicidade. Ele acompanha o desenvolvimento de um jovem e os efeitos que a família tem em sua história até o ato final. O pai, interpretado por Samir Hauaji, foi o responsável por tornar a família canibal. A mãe é extremamente religiosa e desperta o pior lado do filho com seu fanatismo. Para essa parte, Luciano procurou, na Bíblia mesmo, referência que remetia ao canibalismo, junto com outra referência: a família que fazia empada de carne humana. “A partir disso fui escrevendo e, quando vi, tinha chegado a esse roteiro do vendedor de algodão doce, que é um ícone brasileiro. O cara carrega uma cruz igual Jesus o dia todo, vendendo açúcar para alegrar a multidão.” Cada ponto desse faz com que o final seja, também, destruidor. O cenário é o interior e as peculiaridades de Minas Gerais.
Luciano explica que “Cabrito” surgiu da ideia de fazer um “projeto autoral”, longe das bolhas pré-roteirizadas. “Fazer algo que faça pensar. Um filme sem muitas explicações, como uma passagem na vida dos personagens. É uma crítica social aos aspectos mais sombrios de uma religiosidade contaminada por discursos de ódio, preconceito, misoginia e intolerância.” O cinema, para ele, é como uma válvula de escape para colocar as questões políticas e os assombramentos que chegam e não se sabe bem para onde vão. Dar cara e enredo é um dos seus trabalhos.
O outro é a pós-produção de filmes, como colorista também. Esse trabalho foi essencial para a construção de seu longa. As imagens são, ao todo, bem escuras. Elas imprimem a vontade de ver mais, propositalmente. “Eu e o diretor de fotografia, Otavio Pupo, acreditamos que uma das potências do cinema de horror é justamente a possibilidade de poder ousar no quesito ‘claro/escuro’, e justamente por não ter este ‘medo’ de uma imagem ficar escura demais, sabendo que era esse o peso que gostaríamos de imprimir no filme.” De acordo com ele, nas gravações pouco se usou luz artificial. Isso, além de garantir o resultado final esperado, deixou o set mais leve para as gravações, possibilitando “ousar nos movimentos de câmera e em ângulos inusitados”.
Morte e vida
A história de “Cabrito” é também sobre a morte. E isso é um interesse de Luciano. Ele conta que já fez um documentário em que acompanhou uma família que tem uma funerária dentro de casa. “Conhecer esse processo desde a ‘morte do corpo’ até o ritual funerário foi uma bagagem e tanto para entender todo esse medo que se tem da morte”, que ele afirma ser “a única certeza que o ser humano tem na sua vida”.
A vontade de aprofundar na morte e nas histórias que a envolvem veio cedo para Luciano. Ainda pequeno, ele define como estranho o gosto que tinha para filmes em geral. “Eu matava aula pra ficar vendo ‘Cine trash’ (na Band, entre 1996 e 1997). Lembro do primeiro filme de terror que vi, com 10 anos, e me deu muito medo. Foi o ‘The town that dreaded sundown’ (“Assassino invisível”, de 1976). Fazer filmes sempre foi um desejo desde pequeno.” Mais tarde, o primeiro contato com uma filmadora foi com amigos. “Já na adolescência, juntava com um grupo de amigos e fazíamos várias gravações em fitas VHS.” Mas foi só em 2006 que ele largou a faculdade para se aprofundar no mundo cinematográfico, começando em uma produtora. Quinze anos depois desse pontapé, ele ainda considera que tem muito a aprender. “Você nunca se forma cineasta, é sempre uma evolução, sempre melhorando e aprendendo coisas novas todos os dias. O estudo do cinema é você olhar ao redor e absorver tudo.”

Olhar para o Brasil
As influências vão ganhando novas dimensões e referências. Desde nomes como José Mojica Marins até histórias reais. “Acredito que o terror no Brasil vem de algo mais oculto e mais visceral, isso vem muito do mestre Mojica, muitas vezes bem regional. Temos crimes de fanatismo religioso acontecendo quase todo dia, casos de empadas de carne humana, pedaços de corpos aparecendo em praças de grandes centros. Na minha cidade natal uma mulher matou a outra para roubar o bebê que estava no seu ventre: isso é terror, e são poucos os filmes que mostram isso”, completa.
Para “Cabrito”, uma das maiores referências foi o filme “Amor só de mãe”, que, para ele, é o melhor filme de terror nacional. Quando assistiu, ele disse que pensou que aquilo era filme de terror de verdade: “20 minutos de filme que parecem 4 horas de soco na cara”. Seu longa tem uma hora a mais que o filme de Dennison Ramalho, mas o efeito é semelhante.