(Parte da) casa cheia
Logo na entrada do parque do Museu Mariano Procópio, quando questionado sobre a exposição na galeria do prédio anexo à Villa Ferreira Lage, o porteiro aponta para o outro lado do lago e diz que no caminho que dá acesso ao casarão terá um outro funcionário distribuindo senhas. No trajeto, nenhuma placa sinaliza o lugar onde um segurança da instituição entrega pequenas fichas numeradas, feitas em papel e, em seguida, plastificadas. No caminho que leva até a edificação fechada desde 2008, para uma complexa e detalhada revitalização, faixas zebradas em amarelo e preto, cones e outros seguranças sinalizam a direção. Na galeria, esculturas que dão conta de uma artesania do Egito dos anos 1960, além, é claro, da nostalgia de outros tempos, quando o lugar era destino dos passeios.
A despeito da ausência completa de uma publicidade dando conta da reabertura parcial do prédio do museu – principalmente dentro do parque -, da precariedade de todo o percurso e da uniformidade de tom da exposição – sem grandes arroubos e genialidades na apresentação – cerca de dez mil pessoas já visitaram “Esplendor das formas – Esculturas no Museu Mariano Procópio”. Da pré-abertura em 23 de agosto até setembro, quando o lugar funcionou pelo período de míseras três horas, e até o último dia 3, com visitação das 10h às 18h, de terça a sexta, o museu contabilizou 9.406 espectadores. Os números, divulgados no Facebook da instituição, são resultado de um controle feito pelos seguranças do parque que distribuem as senhas no pé do morro que leva às casas.
Considerando as visitações das mostras em cartaz no Espaço Cultural dos Correios, que levam cerca de três mil espectadores em dois meses de exposição, numa média de 50 pessoas por dia, a exposição no Mariano Procópio supera em 40% os números da galeria na Rua Marechal Deodoro, com 70 visitantes por dia. Contudo, em apenas dois feriados, do dia 7 de setembro e do dia 12 de outubro, a galeria recebeu cerca de 1.400 pessoas, demonstrando a urgência de que espaços culturais da cidade se atentem para aberturas não apenas em feriados, mas também nos fins de semana. Tanto o Museu de Arte Murilo Mendes quanto o Memorial da República Presidente Itamar Franco e o Fórum da Cultura não abrem suas exposições para visitação nos fins de semana, um contrassenso numa cidade que clama por formação de público.
“Nosso maior problema é falta de pessoal. O público tem a maior possibilidade de visitar nos feriados, quando abrimos, e fins de semana, quando ainda estamos fechados”, pontua o atual superintendente da instituição, Douglas Fasolato. “Com uma equipe maior teríamos um público ainda maior”, aposta, para logo lamentar o pouco investimento na exposição, como em todo o desgastado cenário cultural. “No Brasil, lamentavelmente, a cultura está no último degrau da hierarquia dos investimentos”, diz. “Equipamentos como esse exige investimento em marketing, ações educativas e culturais atreladas.”
Noção de pertencimento
“Esplendor das formas”, com suas 232 esculturas, entre bustos – alguns bastante impactantes, como o de Princesa Isabel e Dom Pedro II -, e impressionantes criações como Santo Estevão, de Rodolfo Bernardelli e a Joana d’Arc de Alfred Barye, não apenas reativa na memória do juiz-forano a preciosidade do acervo do Museu, como confirma a noção de pertencimento da cidade em relação ao espaço. “O Mariano Procópio pode ser um grande case de sucesso, mas é preciso que seja entendido não como um museu de Juiz de Fora, mas como um museu em Juiz de Fora”, ressalta Fasolato, referindo-se à universalidade da narrativa que a casa preserva.
“O acervo é, sobretudo, eclético, abarcando várias áreas do conhecimento, e bastante numeroso. É uma coleção que como um todo tem uma harmonia e uma lógica interna, mostrando muito bem a perspectiva do colecionador no final do século XIX e início do XX”, confirma a pesquisadora e professora do curso de história da UFJF Maraliz Christo. “Estudo a coleção de artes plásticas, que é importante no âmbito da história da arte como um todo. Não é uma coleção que fala da cidade, mas das artes nacionais e internacionais. Poderia estar em qualquer museu do mundo”, completa ela, premiada em 2006 com o Grande Prêmio Capes de Tese Florestan Fernandes pela escrita de “Pintura, história e heróis: Pedro Américo”, autor cujo trabalho maior, “Tiradentes supliciado”, encontra-se no referido acervo juiz-forano.
“O ‘Tiradentes’ é uma das obras mais conhecidas do museu por estar em alguns livros escolares. Não muitos, mas como é muito impactante, geralmente as pessoas não esquecem dele”, pontua Maraliz, dizendo da importância de atividades que introduzam as novas gerações no contexto da instituição. De acordo com a pesquisadora, foi o constante trabalho de formação que permitiu que outras gerações, um pouco mais antiga, nutrisse afeto pelo museu. “É um acervo importante, e a população tem certa consciência disso, embora não saiba o porquê. Teve um trabalho de longo prazo do museu, fomentando visitas escolares e, ao menos há dez anos, a população escolar ia ao museu com frequência. Fora isso temos o trabalho dos próprios professores, que buscam o museu em suas programações escolares.
2017 pode ser crucial
Ainda que “Tiradentes supliciado” seja uma referência imediata do acervo do Mariano Procópio, a agigantada obra de quase três metros de altura ainda demorará a ser vista. Ao término da mostra “Esplendor das formas”, em 24 de fevereiro, outra porção do acervo deve ganhar a Galeria Maria Amália, mas um detalhe impede que pinturas, fotografias ou gravuras ocupem o lugar. De acordo com o superintendente Douglas Fasolato, a substituição dos vidros dos lanternins e claraboias conferiram uma claridade superlativa à galeria, de 2.000 lux (unidade de medida da luz), enquanto o índice de incidência recomendável para exposição de obras de arte é de 50 lux.
Daí, então, justifica-se a reabertura parcial com as esculturas, uma das linguagens artísticas mais desprestigiadas das artes visuais. “O item que poderíamos expor, tanto do ponto de vista estético quanto de conservação, eram as esculturas. Muitas dessas obras já estiveram ao tempo”, explica Fasolato, apontando para o mobiliário da mostra, que retoma a inauguração do lugar, em 1922, e para a valorização de um dos artistas mais significativos da coleção, Rodolfo Bernardelli. “Ele esteve vinculado ao nascimento dessa galeria. Tanto é que das 232 obras, 43 são dele. O museu é guardião de uma parte relevante do espólio dos irmãos Bernardelli (Rodolfo, Henrique e Félix).”
Sem se apresentar como um canteiro de obras, o museu se mantém, de acordo com o superintendente, em intensa obra. “Neste momento acabamos de concluir a utilização de uma técnica pioneira no estado, de videoinspeção, com microcâmeras nas tubulações, o que permite a regeneração das tubulações sem que haja quebra das paredes”, destaca ele, citando, ainda, o término da imunização e descupinização da Villa Ferreira Lage e a restauração do arcabouço das paredes internas do casarão. “Já há recursos disponíveis para executar as várias fases (da obra), e a Villa pode ficar pronta este ano”, completa.
Previsto para ser retomado ainda este mês, o restauro visitável dará a chance de comprovação do andamento do processo, bem como da grandeza de um acervo que “Esplendor das formas” anuncia. E concluindo a aguardada reforma, o público também já se anuncia superlativo. Para o atual superintendente – que encerra essa gestão este mês, quando uma nova lista tríplice será entregue pelo conselho do museu à Prefeitura, até o dia 20, para que Bruno Siqueira defina o nome que irá ocupar a cadeira nos próximos anos – trata-se de fenômeno natural. “O Mariano Procópio é a gênese de um modelo de museu que se mostra ser a preferência do público, reunindo paisagem, arquitetura e acervo. O Museu Mariano Procópio é o avô do Inhotim.”