O luto (e a falta dele) em ‘Garota estranha’, da Netflix
Longa indiano conta história de jovem viúva que precisa lidar com a perda e os segredos do marido recém-falecido
O cinema indiano, mais conhecido pela alcunha de Bollywood, ainda é pouco difundido no Brasil, a despeito da pequena – mas fiel – legião de fãs desse universo cinematográfico bem particular. Aos poucos, as barreiras vão sendo rompidas graças ao streaming, em que algumas produções já estão disponíveis. Uma das mais recentes é o drama “Garota estranha”, que entrou para o catálogo da Netflix em 26 e março.
A produção de Umesh Bist pode fazer o público imaginar, a princípio, que teremos mais uma experiência cinematográfica no estilo “O tigre branco”, de Ramin Bahrani, que inclusive concorre ao Oscar de roteiro adaptado. Todavia, “Garota estranha” (“Pagglait”, no original) é a representação de outros dos quase infinitos microcosmos que formam a sociedade indiana, em que diversas questões culturais, sociais, religiosas e tradicionais, entre outras, permeiam as famílias que precisam lidar com o luto inesperado e devastador.
A protagonista é Sandhya Gri (Sanya Malhotra), que a exemplo de tantos jovens indianos precisa aceitar o casamento arranjado entre as famílias. Porém, Sandhya fica viúva poucos meses após o enlace com Astik (que não aparece sequer em flashbacks), mas se percebe incapaz de sentir a dor da perda de uma pessoa que era praticamente uma estranha para ela. Em paralelo, a jovem viúva precisa lidar com a família conservadora do marido, uma discussão a respeito da até então desconhecida herança e os quase intermináveis 13 dias que duram o luto, com inúmeras cerimônias para o perdão e libertação da alma de Astik.
Outros dramas e alguma mesquinharia
Nos minutos iniciais, “Garota estranha” parece indeciso entre o drama e a comédia, sem esquecer de pontilhar a história com uma ou outra música melosa. Porém, ainda que não seja brilhante, Umesh Bist vai construindo o desenvolvimento dos personagens e seus dramas particulares.
No caso de Sandhya, há o conflito de não sentir tristeza pela morte de um marido que mal conhecia, e que piora ao descobrir uma antiga fotografia escondida. A jovem está na casa de uma numerosa família de hábitos conservadores, desgostosa do fato de que a viúva parece estar em constante apatia.
Mas é preciso destacar que o longa se preocupa – ainda que em menor grau – com a dor de outros dois personagens. O pai de Astik, Shivendra (Ashutsh Rana), sofre com a perda precoce do filho e todos os transtornos financeiros que isso acarreta, com uma casa lotada de parentes que vieram para os rituais e preocupados com eventuais ganhos que possam ter. Seu filho caçula, Alok (Chetan Sharma), que sempre esteve em segundo plano, sente-se ainda mais ressentido por continuar eclipsado pela figura do irmão e pela obrigação de realizar todo o cerimonial do luto.
“Garota estranha” poderia ser uma experiência ainda mais interessante se não precisasse colocar na tela tantos personagens secundários e tramas paralelas que não chegam a ser concluídas. A despeito do roteiro, a produção garante seu valor como cinema ao apresentar de forma satisfatória um país com cultura, religiosidade, tradições e distinções sociais tão diversas das nossas, em especial quando se percebe como essas características provocam abismos tão profundos tanto entre famílias quanto entre gerações, que cada vez mais se distanciam dos antigos costumes.