Um museu para chamar de seu


Por MAURO MORAIS Repórter

06/03/2013 às 07h00

Enquanto alguns querem apenas uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais, outros aliam o contato com a terra ao desejo de reconstruir um passado de pouco prestígio para o Estado, mas de grande interesse público. Na região Sul do Rio de Janeiro, espalham-se por pequenas cidades espaços que, apesar de privados, contribuem para contar uma história. Da música que já não toca nas rádios à mítica rede de cinemas Metro, passando por documentos e utensílios pertencentes ao período da escravidão, esses museus ainda não institucionalizados impulsionam o turismo e revelam casos de extrema dedicação e paixão pelo que restou do tempo.

Mesmo com os quase 45 anos da morte do cantor Vicente Celestino, que insistem em ampliar a distância da Voz orgulho do Brasil, como era chamado, com os tempos de hoje, Wolney Porto trabalha pesado para mostrar a genialidade do intérprete que impulsiona as canções de amor no início do século XX. Idealizador e curador do museu que carrega o nome do artista, inaugurado em 1999, na pacata Conservatória, Porto reúne numa minúscula sala figurinos, fotografias, utensílios domésticos e documentos de seu ídolo. Amigo de José Spinto, segundo marido de Gilda Abreu, parceira de Celestino na arte e na vida, o curador recebeu, inclusive, as vestes do cantor na gravação do filme O ébrio. Eles não se incomodavam com o sucesso, por isso não guardavam nada, comenta, apontando para a raridade de suas peças.

Angustiado com a crescente extinção de personagens centrais da era do rádio, período que vai da década de 1940 à de 1950, Porto decidiu-se por também preservar e divulgar o trabalho de Guilherme de Brito – autor de A flor e o espinho, dos célebres versos Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor -, Jorge Goulart, Silvio Caldas, Gilberto Alves, Nelson Gonçalves, Nora Ney e Ademilde Fonseca, essa última fruto da mais recente aquisição. A filha esteve aqui uma semana depois da morte dela e doou tudo, conta, referindo-se aos vestidos e sandálias de saltos altíssimos que Ademilde usava em suas apresentações.

Dividido em dois imóveis, não muito grandes, o acervo também dispõe de 12 mil vinis da época. Sinto muita saudade da coisa brejeira, da harmonia que havia na música, da união entre eles, justifica Porto, cuja cama está instalada próxima aos pertences da Rainha do chorinho, Ademilde. Casei com esse acervo. Vivo aqui todas as 24 horas, emociona-se, expressando todo o cansaço de comandar uma iniciativa que atrai milhares de visitantes – a entrada tem o valor de R$ 2 – mas não recebe investimentos do Governo.

Da rua é impossível saber que o Rancho Centímetro, que exibe uma fachada muito mais alinhada ao country norte-americano do que qualquer outra coisa, esconde um dos ícones da saudade dos antigos moradores do Bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Construída nos fundos da residência de Ivo Raposo Júnior, a reprodução do Cine Metro é assustadoramente fiel ao cinema de rua pertencente à rede Metro-Goldwyn-Mayer, a MGM, e desativado na década de 1970. Consegui esse material depois da demolição, feita nos anos 1980. Selecionei, limpei e restaurei tudo, conta o delegado aposentado, que conta ter se identificado com o personagem de Cinema Paradiso aos 12 anos, iniciando, então, sua paixão pela tela grande.

Inaugurado em 2005, o Cine Centímetro reproduz com fidelidade a arquitetura em art-decó do Metro da Tijuca, aberto em 1941. Com ocupação máxima de 60 lugares, o local conta com lustres, poltronas, projetores, letreiros e outros objetos do mítico cinema carioca. Noventa por cento dos filmes que eu exibia aqui eram inéditos, relata ele, que hoje abre a casa aos sábados, para grupos pequenos, apresentando trechos de películas e cines-jornais.

Outro a receber visitas em sua casa é Luiz Felipe Rangel, proprietário da Fazenda da Cachoeira do Mato Dentro, que no início do século XIX pertenceu a José de Avelar de Almeida, o Barão do Ribeirão. Exemplar das casas do ciclo do café, o imóvel conta com um imenso terreiro onde eram secados os grãos do fruto. Muito mais identificada com a estética do cineasta espanhol Pedro Almodóvar do que com a história do Brasil, a casa de Rangel conjuga mobiliário e objetos do século XIX com elementos kitsch das últimas décadas. É um sacrifício manter isso em pé, lamenta, justificando o pouco investimento em manutenção.

Esposa de Rangel, a historiadora Lilia Gilson defende o ecletismo da fazenda, cuja sala e cozinha preservam fitas de cetim, pássaros de imitação e boás espalhados pelas paredes e fios. Ela é eclética, porque assim conseguimos mostrar a evolução, a passagem do tempo, reflete. Em seus 250 alqueires, a fazenda revela espaços inusitados do período da escravidão, como um banheiro utilizado pelos escravos, semelhante a uma gruta, todo em pedra.

Cenário da novela Paraíso e da minissérie Memorial de Maria Moura, a Fazenda São João da Barra é uma das mais belas do Sul fluminense. Construída em 1830, a casa foi, durante nove anos, reformada pelo empresário Rogério Van Rybroek a partir de pesquisas feitas pelo historiador Milton Teixeira. Localizada em Miguel Pereira, a fazenda mantém todo o mobiliário, janelas e portas características da época, além de documentos raros dos escravos que viveram no Brasil. No acervo, consta uma certidão de nascimento de escravos gêmeos, caso nunca registrado na história. Segundo o proprietário, o lugar mantinha cerca de cem escravos, que se dividiam em duas senzalas, uma no interior da casa e outra na parte externa.

Montado seguindo todos os requisitos museológicos, como controle de temperatura e luminosidade, o museu com objetos de tortura e declarações do período áureo do café – tudo obtido em leilões no Brasil e no exterior, a maioria em Paris, na França -, também, reúne algumas gravuras de Portinari, Di Cavalcanti e Guignard, além de fotos de Marc Ferrez. Desde pequeno, eu me interesso pela história do Brasil. Tenho muito amor pela fazenda e por esse acervo, conta Rybroek.

Mais descaracterizada e com poucos objetos originais, a Fazenda Santa Cecília chama atenção pelo lado de fora. Projetada por Oscar Niemeyer em 1989, a capela da fazenda foi um presente do arquiteto à Cecília, filha do político José Aparecido de Oliveira, dono da casa. Simples, mas impactante pelas linhas curvas e pelo mural de azulejos contando a história da santa que dá nome ao lugar, a pequena igreja, apesar de ser um exemplar modernista, mostra-se extremamente integrada ao ambiente bucólico e à edificação histórica situada em sua lateral. À noite, sua luz interior escapa pelas dobras de cobertura e só a cúpula se ilumina a brilhar na beleza silenciosa do parque, escreveu Niemeyer quando entregou o presente.

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