Restos da história

Casarão foi construído no início do século XX de frente para Espírito Santo (Maria do Resguardo/divulgação) Imagens das ruínas em fevereiro e depois do ocorrido na tarde de domingo (Marcelo Ribeiro/abril 2016)
Mesmo em ruínas, o casarão localizado na esquina da Avenida Presidente Itamar Franco e Rua Espírito Santo ainda tem histórias para contar, o que justifica o reconhecimento como patrimônio do município, no ano de 2013. Contudo, com o tempo, os poucos vestígios que ainda restam de seu período áureo vão se perdendo. Nesta segunda-feira, novos sinais de destruição. A varanda do imóvel foi colocada abaixo, ficando apenas a estrutura de dois cômodos laterais. Nem as pilastras, tampouco parte da estrutura externa, que ainda resistiam às ações do tempo, foram poupadas. Segundo vizinhos, um homem teria sido avistado dentro da propriedade na tarde do último domingo (3), dando marretadas nas paredes do palacete. Nos registros feitos pela Tribuna na manhã da segunda-feira, é possível ver que uma montanha de tijolos restou no local.
A estrutura metálica que delimita o lote, instalada pela Secretaria de Obras após a queda de parte do muro, aparentemente, não apresentou sinais de arrombamento. A suspeita é de que o homem teria pulado a estrutura. A Secretaria de Atividades Urbanas, através do Departamento de Fiscalização, realizou uma ação fiscal no imóvel na tarde de segunda, comprovando a demolição de parte da estrutura. “A diligência fiscal será finalizada e encaminhada para os órgãos competentes para que as medidas cabíveis à situação possam ser adotadas, visto que o imóvel é tombado”, informou a pasta por meio de nota.
“Hoje (segunda), o Comppac decidiu encaminhar o caso para o Ministério Público”, sentencia o presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora (Comppac) e superintendente da Funalfa, Toninho Dutra. Como vice-presidente do órgão, Paulo Gawryszewski esteve, também na segunda-feira, fotografando o local e reafirma a necessidade de se preservar o que sobrou do imóvel. O destino do palacete, por enquanto, está nas mãos da Justiça, que determinou que o proprietário reconstruísse o bem ou instalasse, lá, uma praça de uso público. “Do ponto de vista do que se entende hoje por restauração, reconstruir não era conveniente, mas isso não quer dizer que não se deva preservar o bem, já que ele guarda a história da família e daquela região. O mais conveniente seria dar um uso para aquela área, guardando aqueles elementos do estilo art nouveau que sobraram”, enfatiza o arquiteto, apontando para o fato de que, mesmo em ruínas, o casarão tem sido objeto de estudo para muitos estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Paulo diz que, após o ocorrido, é preciso que o local seja avaliado com cuidado, mas, ainda assim, o tombamento é justificável. “Agora, é necessário decidir que caminho seguir. Evidentemente, o proprietário tem que, de alguma forma, se responsabilizar por aquilo. Não é porque houve uma ação criminosa que a demolição do restante deva ser feita.”
Alvo constante de reclamações
O processo de tombamento do imóvel foi finalizado em março de 2013, 20 anos depois da morte da última herdeira da propriedade, Olinda Fellet. Construído por João Fellet, no início do século XX, o imóvel, popularmente conhecido como “Palacete dos Fellet”, foi herdado por sua irmã, Olinda. Ele chegou a ser vendido por seu filho a uma construtora, e o prédio começou a ser demolido no carnaval de 1994. Como o bem estava com processo de tombamento em estudo pela antiga Comissão Permanente Técnico Cultural (CPTC), o Ministério Público conseguiu embargar a obra, e, desde então, a situação segue indefinida.
O imóvel não pertence mais à família Fellet e é alvo de constantes reclamações por parte de moradores do entorno, por ser utilizado por usuários de droga. Segundo a SAU, o responsável pelo bem, que não foi divulgado, já recebeu notificações e multas para que providências sejam tomadas, e, até o momento, nada foi resolvido. A pasta explicou que o processo do casarão se encontra na Procuradoria Geral do Município para possível acordo com o Ministério Público, visando sua arrecadação. De acordo com o Comppac, se ocasionar de o processo não ter qualquer tipo de andamento, o local fica sendo de utilidade pública, podendo ser feito um espaço de cultura e lazer, preservando sua estrutura.
“É lamentável que aconteça algo assim em Juiz de Fora. A cidade tem uma história grande. Quem vem nos visitar diz que se surpreende com a nossa arquitetura. Temos representantes tanto do art déco quanto do estilo eclético, temos um monumento do Portinari, que é uma expressão nacional e internacional das artes. Gostaríamos muito que houvesse outra forma de lidar com o bem tombado”, brada o vice-presidente do Comppac, Paulo Gawryszewski.
Ação de combate à dengue
Em fevereiro deste ano, o casarão foi um dos imóveis vistoriados pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) dentro das ações de combate ao mosquito Aedes aegypti. Neste dia, o local passou por uma ampla limpeza, na qual foram retirados materiais como lixo, mato e entulhos, além de objetos como colchões e móveis, deixados por pessoas que utilizam o local como abrigo. À época, a SAU disse que nenhum foco do mosquito foi encontrado no terreno.
“Aquilo ali, claramente, se configura como um crime, porque, bem antes de o bem ser tombado, existia uma sentença judicial favorável a ele. Mesmo assim, o proprietário deixou aquilo à revelia, a ponto de a própria Prefeitura ter que tomar uma posição de limpar o terreno. O fato de domingo só veio agravar a gravidade da situação”, afirma Marcos Olender, membro do Comppac e diretor de patrimônio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) de Minas Gerais.