Nathan Itaborahy lança álbum ‘O som da coisa’
Segundo trabalho solo do músico juiz-forano radicado em São Paulo conta com sete faixas gravadas em cômodos de sua casa
“Mudei para cá para ver se eu mudo alguma coisa em mim.” “Matatu”, a primeira canção do segundo álbum solo de Nathan Itaborahy, “O som da coisa”, já revela todo o processo por trás dessa construção. Lançado nas plataformas no final de novembro, com sete faixas, “tiro-curto”, como diz, o trabalho, entre outras coisas, trata também do processo de sair de Juiz de Fora rumo à São Paulo, em uma dinâmica de se (re)encontrar, inclusive musicalmente, em uma capital – onde tudo, teoricamente, acontece. O resultado é um álbum artesanal, que explora a música, uma rotina ainda pandêmica e, como o nome sugere, o som das coisas de um novo lugar, ainda sendo desvendado e explorado.
Ainda era pandemia e Nathan, em suas redes sociais, compartilhava alguns vídeos tirando som de coisas que tinha em casa. Era pia, panela, parede, garrafa – qualquer utensílio, móvel ou estrutura que pintava por ali. “Eu sempre curti tirar som de coisa. Meu pai também é batuqueiro. Eu tenho muita lembrança de ele batucando no carro, por exemplo.” Essa memória foi sendo, de certa forma, revivida de outras maneiras. Na falta de show, de outras pessoas para, como se diz, “fazer um som”, encontrar na casa os barulhos se tornou quase cotidiano, como conta.
Ouça aqui ‘Som da coisa’ de Nathan Itaborahy
“Eu comecei a criar mais intimidade com alguns barulhos que eu esbarrava na casa. Eu me vi obrigado a pensar dentro de casa, porque não tinha como ir a estúdio, convidar muita gente.” Compartilhando no Instagram esses barulhos achados, percebeu que tinha uma movimentação interessante de pessoas que se identificavam com isso e também procuravam o som das coisas. Seu segundo álbum surge daí: uma ideia pandêmica.
Esse tempo coincide com sua mudança para São Paulo. Em Juiz de Fora, Nathan já produzia alguns trabalhos de parceiros. Na capital, decidiu criar um home studio e se dedicar, de fato, a isso. Essa construção e o desejo de fazer um disco com aquilo que tinha em casa, aproveitando um estúdio ao alcance das mãos, foi o encontro ideal para criar um álbum, que foi produzido junto com Douglas Poerner. “A gente olhou para dentro”, confessa.
“O som da coisa” foi produzido por pouco mais de dois anos, entre 2021 e 2023. É um trabalho que se difere do primeiro lançado, “Sentado no céu”, por vários fatores. “O primeiro eu tinha uma sede grande de quem quer fazer o primeiro disco, mostrar o som. Já o segundo era mais despretensioso.” Enquanto pensava nas faixas e gravava algumas coisas, tinha ainda o trabalho a ser produzido de outros artistas – o que fez esse projeto mais recente ficar marinando por um tempo. “E isso fez parte também de um processo de aceitação do que eu sou. É esse o meu som, não adianta querer colocar mil guitarras, mil vozes, o meu som é esse. Tem um amadurecimento de entender que eu posso fazer um disco tranquilo e não preciso mostrar serviço o tempo todo.” E esse entendimento de qual é o seu som foi também um processo que se deu a partir da construção de outros trabalhos. Quando se trata de produzir um próprio, a liberdade é ainda maior.
Opostos
Há, ainda, um paradoxo interessante nisso tudo. Enquanto “Sentado no céu”, um álbum juiz-forano, é urbano, “O som da coisa”, fruto da mudança para São Paulo, é artesanal. É como se Nathan visse a cidade de dentro de casa, acompanhando uma rotina caótica e transformando esses barulhos em uma sinfonia cotidiano de dentro, enquanto, em Juiz de Fora, era a rua que o chamava ainda mais, naquela rotina noturna do músico. Os sons típicos da capital dão lugar a outros bem mais íntimos, que fazem sentido com todo o momento. “Quanto mais você se afasta, mais você corre o risco de encontrar você mesmo, voltar para a origem. Acho que foi isso. Mas a sensação é essa: eu vim para cá para procurar alguma coisa, para evoluir o meu som, e quando eu vi eu estava sendo mais ainda eu”, afirma.
Música a música
Essa perspectiva da construção de “O som da coisa” de dentro da casa fica bem nítida, música a música. “De início, eu me perguntava com o que eu ia fazer o som, parecia que não tinha nada. Depois, virou muita coisa. Mas eu percebi que não podia colocar tudo em todas as músicas. Tinha que ter uma linha e um sentido.” A saída foi gravar cada música em um ambiente da casa, o que faz criar ambiências diferentes na medida em que se passa de faixa.
“Santa Cecilier”, tema de abertura, talvez seja aquela que mais flerta, de fato, com a cidade, com ruídos diversos, que quase não dão para identificar de onde vem. Já “Matatu”, a primeira canção, é um diário de uma percepção-primeira de um novo ambiente. “Geminiano da gema”, tão pessoal, uma confissão, foi gravada dentro do quarto, explorando o que tinha ali, inclusive a abertura de uma porta que faz um solo que remete a memórias gerais e, ao mesmo tempo, individuais.
“Vivo de som” é uma confirmação: “Eu vivo de som/ Eu vivo disso/ Talvez por isso estou tão vivo”. É como uma continuação de “Mal se tem um tempo pra canção”, música também de Nathan presente no álbum da Bland 87, banda da qual fazia parte. Nela, a música anuncia: “Ainda ei de assassinar minha carteira assinada”. Deu certo. Agora, Nathan “troca som por frutas”.
“Carta para Roux” é música cantada com sorriso no rosto: uma carta-amiga, o único abraço permitido durante a pandemia. Ela foi gravada no banheiro, com sons de chuveiro, lata, pia. “É uma música diferente porque a ambiência do banheiro é meio cristalina, é um som que reflete muito. Isso deixou uma marquinha diferente para cada um.”
“Guaruá groove” é outro tema, que também traz os sons da rua misturado aos da casa. Logo depois, um fogão se acende. É a última música, “O som da coisa”, gravada na cozinha. Esse mesmo espaço foi ambiente para a gravação dos visualizers que acompanham as faixas nas plataformas. “Tudo tem som (…)/ Disponível, aberto para quem sente”, termina o álbum.
Ficha técnica
Nathan ficou responsável pela percussão, violão, “coisas”, programações, produção, edital e mixagem. Douglas, baixo, cavaquinho, “coisas” e produção. A guitarra em “Carta para Roux” foi gravada por Lucas Gonçalves. Os coros são de Clara Castro.
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