Como popularizar o erudito


Por MARISA LOURES

01/08/2012 às 07h00

"Eu achava que era música para gente mais antiga, mas agora estou começando a gostar." Uma frase simples, dita por David Cirilo – adolescente de apenas 13 anos, integrante da Orquestra de Crianças do Pró-Música – mas abrangente de significado, pois ilustra o pensamento da grande maioria dos brasileiros em relação à música erudita. Os dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), que mostram que, no país, em 2011, este gênero foi responsável somente por 1,3% da fatia do bolo do mercado fonográfico, corroboram para a confirmação deste cenário. Uma realidade que, vez ou outra, é posta em discussão, principalmente, na época em que são realizados, em várias partes do país, festivais dedicados a essa vertente musical.

Para o crítico e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Rodolfo Valverde, de antemão, o medo que as pessoas têm do gênero e que faz com que ele não tenha grande alcance popular se deve muito ao conceito da palavra erudita. "De fato, é um tipo de música que, se tiver um conhecimento mais abrangente dos seus signos e significados, a apreciação é maior, mas também não é indispensável. Erudito é um termo que fecha muito a intenção da expressão musical, o que acaba não correspondendo à realidade. Por isso, o melhor seria ‘música de concerto’."

Ele destaca que o afastamento da cultura ocidental em relação à linguagem erudita colabora para o surgimento de uma dificuldade em se entender este discurso centrado na Europa. "O americano, até mesmo o europeu comum, já não capta mais os signos da linguagem musical erudita, pois há uma dominação da cultura pop. Soma-se a isso o fato de que, principalmente, no Brasil, há muito tempo não existe uma formação musical sólida."

Na visão do professor, o melhor momento para se aprender a linguagem da música erudita é na infância, pois é uma fase em que há mais sensibilidade à iniciação artística como um todo. "A criança não tem barreira. É mais fácil apresentar a linguagem musical a ela."

A experiência vivida por Vitor Emanuel Fagundes de Souza, 11 anos, – aluno de violoncelo da Orquestra de crianças do Pró-Música – é relatada pela mãe do garoto, Mônica Fagundes de Souza, como resultado de um contato prematuro com a música que deu certo. "Quando a criança não tem envolvimento ou incentivo, não só para tocar, mas também para ouvir, fica difícil fazê-la gostar mais tarde. No meu caso, eu sempre apreciei, e meu marido já foi músico. Por isso, meu filho se interessou pela orquestra ainda criança." Opinião parecida com a dela tem a dona de casa Lucimar Andrade. "É uma música muito técnica e difícil de ser entendida. É preciso ‘entrar’ nela para compreendê-la. Eu gosto, porque tenho contato desde novinha. Meu pai sempre colocou para nós escutarmos em casa."

 

 

Ensino de música na escola

Professor universitário, com experiência que inclui apresentações na Alemanha, Japão, Portugal, Marrocos, Paraguai e Caribe, Paulo Pedrassoli, diretor musical da Camerata de Violões, que esteve em Juiz de Fora para participar do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, aponta a falta de investimentos nesta área como o principal responsável pela cena atual. "Na Europa, a questão é tratada de maneira mais séria. As pessoas estudam música como parte obrigatória do currículo. Elas aprendem a ler e a escrever e, às vezes, até a manejar algum instrumento no ensino básico. Aqui, já estivemos melhores em relação ao que é hoje. Com a lei que traz de volta a obrigatoriedade do aprendizado da música nos ensinos básico e fundamental, isso pode melhorar. O brasileiro é muito talentoso, mas, se não estiver num ambiente propício para a cultura, pode ser que fique por aí perdido."

Rodolfo Valverde pondera que não adianta investir em ensino musical na escola se esta iniciativa não for acompanhada de contratação de professores qualificados. "Tem tudo para ajudar, mas é importante que se invista na formação de docentes adequados, porque, caso contrário, a aula vai ser uma perda de tempo", diz.

A falta de educação para aprimorar o ouvido e a ausência de espaço nas TVs também são apontadas por Rodolfo Valverde como responsáveis por este cenário. "A quantidade de gente que nem imagina que este tipo de música existe ainda é muito grande. É inadmissível constatar que em uma cidade como Juiz de Fora ainda existam pessoas completamente alheias. Na verdade, a TV é a principal responsável pela formação do brasileiro e ela não divulga nada que seja considerada alta cultura. Os responsáveis por este meio de comunicação acreditam numa mediocrização do brasileiro e isso não é verdade. O brasileiro está mais do que apto para compreender. A própria Globo já teve programas com concertos internacionais para a juventude nos anos 70 e 80, e, aos poucos, essa programação foi saindo do circuito."

Luís Filíp, violinista da orquestra Filarmônica de Berlim, que também esteve em Juiz de Fora durante o festival, chama atenção para a pouca divulgação da música erudita no Brasil. "Aqui, há trabalhos sendo desenvolvidos com qualidade, como o caso da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. As pessoas comparecem, e as salas ficam cheias, mas falta propaganda." O músico cita o programa desenvolvido na Venezuela, El Sistema, que tira jovens da pobreza com o auxílio de Bach, Beethoven e Mozart."A música tem o poder de transformar as pessoas, é uma forma de comunicação que está além da linguagem convencional. Se você entra naquela vibração, a sociedade e as pessoas mudam", completa.

Já Fábio Mechetti, regente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, tem um outro olhar sobre esta discussão. Ele credita ao trabalho dos músicos a responsabilidade de se criar apreciadores em potencial do erudito. Conforme ele, apesar de a Europa ser o berço desta variedade musical, o público brasileiro, em geral, é mais aberto do que o encontrado por ele nos Estados Unidos ou na Europa."Nossa missão como músicos brasileiros interessados na formação de admiradores da boa música é a de maximizar esse potencial positivo, adicionando a ele elementos de tradição e de constante experiência que ainda caracteriza a plateia no Brasil. Acredito que, por meio da qualidade das apresentações, e só por meio dela, é que chegaremos a formar um público que desfrute da relevância da música enquanto instrumento de emancipação cultural."

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