Morre Adenilde Petrina Bispo, referência na militância social e educacional de Juiz de Fora
Educadora e filósofa foi uma das principais vozes das periferias e do movimento negro na cidade

Morreu em Juiz de Fora nesta quinta-feira (30) a educadora, filósofa e militante Adenilde Petrina Bispo, aos 73 anos. Adenilde deixa um legado marcado pela defesa da educação pública, pela militância nas periferias e pela luta antirracista. Nascida em Cachoeira do Campo (MG), Adenilde chegou à cidade aos 12 anos e construiu uma trajetória voltada à transformação social e à valorização das comunidades populares. Segundo familiares, ela estava em tratamento contra câncer de mama e nos ossos.
O velório acontecerá na Capela 2 do Cemitério Parque da Saudade, a partir das 14h30 desta quinta. O sepultamento está marcado para 9h desta sexta-feira (31).
Formada em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 1974, foi a primeira pessoa da família a ingressar no ensino superior. Dedicou-se à docência na rede municipal de ensino por quase três décadas e atuou também como líder comunitária e formadora de jovens.
Moradora do Bairro Santa Cândida, na Zona Leste, Adenilde esteve à frente de iniciativas culturais e educativas voltadas à população periférica. Participou da criação de grupos de teatro-educação inspirados nas ideias de Augusto Boal, coordenou a Rádio Mega comunitária e integrou o Coletivo Vozes da Rua, voltado à valorização da cultura afro-brasileira e ao protagonismo da juventude.
Reconhecida por seu engajamento nas causas sociais e raciais, foi uma das vozes mais ativas do movimento negro em Juiz de Fora, atuando na promoção de debates sobre igualdade racial, direitos das mulheres e democratização da educação.
Adenilde recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Juiz de Fora em 2017, concedido por sua honra e reconhecendo a trajetória da ex-aluna. Em 2022, foi premiada com o Amigo do Patrimônio, organizado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) da Funalfa, pelo seu trabalho com o Coletivo Vozes da Rua em defesa do patrimônio cultural local.
Protagonista da própria história, o caminho coletivo de Adenilde
Adenilde foi convidada pelo presidente Lula a subir ao palco e discursar durante o evento do Partido dos Trabalhadores (PT) realizado no Sport Club de Juiz de Fora em 2022. Na ocasião, a líder comunitária abriu sua fala dizendo o que “vem do coração”, relembrando a longa caminhada de seus ancestrais para chegar àquele momento, um trajeto continuado pelas políticas públicas adotadas nos governos do petista.
“Ele continuou a caminhada dos meus ancestrais, fez uma coisa muito importante para nós, que continuávamos batendo cabeças no meio do nada. A gente tem que ser protagonista e escrever a nossa história. Por isso, ele deu universidades e condições para estudar. Aprendi que, nós, negros, pobres e periféricos não poderíamos mais continuar no fundão da fábrica, no quartinho de empregada ou entregues à própria sorte. Aprendemos que podemos caminhar, que a gente se empodera na caminhada, o que foi conseguido na luta política, na luta social.”
Uma vida “comunitária de verdade”
A comunicação comunitária da Rádio Mega FM também uniu Cláudia Lahni a Adenilde Petrina. Foi em meados dos anos 2000, que a doutoranda conheceu a educadora mineira quando escrevia uma tese sobre as possibilidades de cidadania associadas ao trabalho da rádio juiz-forana.
“Comunitária de verdade”, dizia o slogan da rádio que teve papel importante na democratização da comunicação e no fortalecimento da população dos bairros Santa Cândida, São Benedito e Vila Alpina e de toda Juiz de Fora, explica Cláudia, professora que ministrava a disciplina Comunicação Comunitária na Faculdade de Comunicação da UFJF. “A rádio, inclusive, funcionava na casa dela. Eu frequentava a rádio e, quando fechou, visitava a casa da Adenilde. Nós nos desenvolvemos juntas. Tive um projeto de extensão chamado Programa de Mulher, um programa feminista, que era veiculado na Mega FM. De lá para cá, nós convivemos e trabalhamos juntas em vários projetos, em várias ações”, conta.
Cláudia descreve Adenilde como uma guerreira, uma pessoa muito acolhedora, forte e incentivadora. “Nossa querida Dê sempre falava sobre a luta, a mobilização e a organização em torno da democratização da comunicação. Ela mostrava a importância da generosidade e do acolhimento entre mulheres, da luta por uma vida melhor para todas as pessoas, principalmente para jovens negros e negras. Ela sempre criava e apoiava ideias como a biblioteca comunitária, falava da importância do estudo e da importância da leitura. Ela abria a casa dela para isso: para a rádio, para a biblioteca comunitária e ainda tinha uma hortinha.”
Vozes das ruas à biblioteca para construir uma realidade diferente
“Me lembro muito de quando ela levou o Eduardo Taddeo, ex-Facção Central, um grupo de rap muito importante para a juventude dos anos 1990, para a formação nossa dentro do rap e do hip hop. A gente tinha uma afinidade muito grande de ideias, de sonhar um mundo e uma realidade diferente”, conta o poeta e educador Giovanni Duarte Verazzani. Membro do Coletivo Vozes da Rua há sete anos e atual presidente, ele relembra que conheceu Adenilde quando o coletivo foi fundado e durante eventos realizados nas escolas do Bairro Santa Cândida.
“O legado que ela deixa é enorme, é absurdo de tudo. Ela aguentou em pé até o último dia de vida. Tivemos uma reunião no sábado e ela traçou planos e objetivos para o coletivo. Conversamos sobre voltar às nossas ações para conseguir o espaço para a biblioteca, que a gente tenta há muitos anos. Um espaço que pudesse ser também um espaço de arte, educação e cultura. Acho que o maior legado material dela é a biblioteca. Ter um espaço adequado para a biblioteca, que seja dentro do bairro, seria um jeito de honrar a memória dela”, conta Verazzani.
Há apenas duas semanas, a educadora e militante social Adenilde Petrina Bispo concedeu uma de suas últimas entrevistas à Tribuna de Minas. Na conversa, conduzida pela repórter Nayara Zanetti, ela contou sobre a mobilização da comunidade pela conquista de uma sede para a biblioteca comunitária que funciona em sua casa. “Quem conhece tem poder e sabe iluminar onde está caminhando. A gente espera, com muita força, que essa biblioteca saia, porque é importante para a comunidade”, afirmou Adenilde.
Adenilde Petrina Bispo deixa uma trajetória de dedicação à construção de uma sociedade mais justa e consciente.
 
 
 
 
 









