Evasão de curso supera 10% entre ingressantes da UFJF
Abandono do ensino superior é problema nacional; desvalorização do diploma, dificuldades financeiras e desatualização dos currículos são algumas das barreiras enfrentadas
A volta às aulas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), neste mês, chamou a atenção para um problema profundo que tem atingido a instituição e as demais universidades do Brasil: a permanência dos corredores e das salas vazias. O ensino superior ainda não se recuperou totalmente dos impactos gerados pela pandemia de Covid-19, e a alta evasão dos estudantes é mais um exemplo disso. Na UFJF, segundo levantamento da Pró-reitoria de Sistemas de Dados e Avaliação Institucional (Prosdav), dos 3.234 ingressantes em 2024, 10,66% dos calouros já evadiram do curso – o maior índice desde o início da pandemia de Covid-19. Além disso, o número de estudantes que ingressaram no ano anterior ainda é consideravelmente menor do que em 2019, antes da pandemia, sinal de uma diminuição do interesse dos estudantes pelos cursos de graduação. A desvalorização do diploma, dificuldades financeiras e desatualização dos currículos são alguns dos motivos que podem ter levado a esse abandono.
De acordo com dados fornecidos pela UFJF e analisados pela Tribuna, o problema vem se agravando desde 2020, com pequenas variações nos dados. Naquele ano, dos 5.300 que entraram no curso, 518 se tornaram calouros desistentes. Ainda houve outros 682 estudantes que desistiram e 879 que abandonaram a faculdade. Nos últimos quatro anos, somados, foram 1.944 alunos que abandonaram seus cursos, e 2.202 indivíduos que desistiram da graduação. Conforme explica a UFJF, abandono é o caso de estudante que registrou matrícula e não compareceu para as atividades no semestre letivo. Desistência, por sua vez, é configurada para o aluno que, após a matrícula, contatou a Universidade para manifestar a desistência.
Os termos são muito semelhantes. Mas, abandono é o estudante que registrou matrícula e não compareceu para realizar as atividades no semestre letivo. A desistência é configurada para aquele estudante que, após a matrícula, entrou em contato para manifestar sua desistência de ocupar a vaga do curso.
O problema está longe de ser local – de acordo com dados do Mapa do Ensino Superior de 2023, a evasão universitária já chegou a atingir taxas de 31% no ensino superior presencial. Já na UFJF, em 2023, quando se tem o registro total de ambos os semestres, foram 4.720 ingressantes, com 439 calouros desistentes – e ainda 65 estudantes que abandonaram o curso e 421 que desistiram.
Só o dado relativo ao número de ingressos já apresenta uma modificação. Em 2019, por exemplo, entraram 5696 alunos na universidade, quase mil estudantes a mais que em 2023. Como explica a pró-reitora de graduação e diretora da Coordenação Geral de Processos Seletivos, Katiuscia Vargas, esses números de Juiz de Fora trazem um retrato também nacional, reflexo da pandemia. “Nos anos de 2020 e 2021, a gente percebe que houve uma diminuição significativa dos estudantes que ingressaram na universidade, e até agora, em 2024, não houve uma retomada. São muitos estudantes que não concluíram o Ensino Médio, evadiram no Ensino Básico, e portanto não chegaram à universidade”, ressalta.
Essa evasão acaba gerando um número grande de vagas ociosas durante a graduação. Como Vargas explica, para entender esse dado é preciso compreender que o público que entra na universidade atualmente mudou bastante, e depende de um acompanhamento mais atento para que seja garantida a sua permanência. “São estudantes que vieram de escola pública e que têm uma renda familiar de um salário ou um salário e meio per capita. Então são estudantes que, se não tiverem uma política de assistência estudantil forte para possibilitar que permaneçam na universidade, são candidatos a evadirem e abandonarem o curso, por não terem condições de ficar”, explica.
Apesar de ainda não terem dados específicos sobre o perfil desses estudantes na UFJF, a pró-reitora percebe que os alunos que evadem, de forma geral, são justamente aqueles que não têm condições financeiras para se manter na universidade e precisam trabalhar. Em outro sentido, também há aqueles que escolhem os cursos bastante jovens, e ao chegarem na universidade se deparam com uma realidade bastante diferente e mudam de opção. De forma geral, ela também percebe uma maior evasão de acordo com o curso escolhido: “Normalmente, alguns cursos da área de exatas apresentam uma evasão e uma desistência grandes pelo grau de dificuldade dos cursos. Enquanto os cursos de licenciatura, por exemplo, têm uma procura diminuída. A gente vê que cada vez menos os jovens têm se interessado por essas áreas”, diz. Em 2024, ainda, há a relação com a greve de quase três meses que ocorreu, e que, como afirma Katiuscia, pode fazer com que parte dos estudantes pensem em não retornar.
Dificuldades de adaptação e necessidade de trabalho impulsionam abandono
Apesar de não haver um único motivo que faça os estudantes deixarem a faculdade, a diretora da Coordenação Geral de Processos Seletivos percebe que há uma conjunção de fatores que pode ter levado a esse quadro. “Acredito que uma das maiores dificuldades para os estudantes permanecerem na universidade são as condições econômicas. Uma política de assistência estudantil com mais oportunidades para bolsas e com oferta maior de recursos para que eles possam permanecer na universidade sem precisar atravessar esse tipo de dificuldade seria uma ação muito importante a ser feita”, explica. Da mesma forma, a pró-reitora de Assistência Estudantil, Viviane Pereira, destaca que alguns desses motivos podem vir até mesmo antes da matrícula: “Muitos deles já têm dificuldades em relação aos estudos, dificuldades financeiras e até emocionais em estar longe de casa, como é o caso de boa parte dos estudantes”.
É o caso, por exemplo, de Andressa Machado Leite, de 24 anos, que se matriculou no curso de jornalismo durante a pandemia de Covid-19 e, ao retornar para o presencial, enfrentou barreiras. “Quando tive que mudar de cidade, a adaptação foi difícil principalmente porque minha família estava a quase 600 quilômetros de distância. Além disso, a expectativa era muito grande porque idealizei algo diferente da prática. A junção dessas duas coisas fizeram com que eu optasse por desistir do curso”, explica a jovem.
Mercado sugere mudanças nos cursos e currículos
Por outro lado, conforme Katiuscia destaca, é preciso que a universidade reveja seus cursos e currículos para que as graduações se tornem mais atrativas para alguns estudantes. Isso afeta tanto o número de ingressos quanto a permanência dos alunos, como ela destaca. “Às vezes os estudantes buscam formações mais rápidas, e temos cursos que demoram muito para dar a formação, então eles buscam outras possibilidades”, exemplifica.
Há aqueles estudantes, ainda, que diante dos novos cenários acabam optando por nem se matricularem. Foi o que aconteceu com Danielly Gomes Oliveira, de 24 anos, que está cursando Artes Visuais em uma faculdade particular. “Gostaria de fazer esse curso na federal e realizei a prova do Enem. Minha nota daria para ingressar, me inscrevi no Sisu e fui acompanhando a nota de corte. Daria pra passar, mas a faculdade de Artes na federal é integral, e eu não poderia arriscar sair no emprego, porque sabia também que se eu tentasse a bolsa, demoraria, e como tenho apartamento para pagar, entre outras contas importantes, não pude realizar esse sonho”, explica.
Para Katiuscia, há a percepção de que, para gerações anteriores, a universidade era a possibilidade para ter um bom emprego ou melhoria na qualidade de vida – o que foi mudando com os anos. Ter um diploma deixou de ser uma garantia de empregabilidade. “O interesse dessa geração pelo ensino superior vem mudando, e hoje temos cursos técnicos e profissões que têm uma exigência muito mais técnica do que efetivamente um curso universitário”, diz.
Ações e auxílios buscam diminuir evasão na UFJF
Diante desse cenário, há ações e auxílios estudantis que buscam garantir a permanência dos estudantes na universidade. Como explica Viviane, a pró-reitoria de assistência estudantil atua em várias frentes para garantir isso. “Duas grandes políticas que temos na UFJF, hoje, são de moradia e de restaurante universitário”, explica. O restaurante, para isso, oferece uma alimentação regulada nutricionalmente e subsidiada pela universidade através dessa política nacional de assistência estudantil, e custa R$ 1,40.
Já a moradia, conforme ela explica, atende principalmente os estudantes em situação de vulnerabilidade social. Entre os 113 que o local pode receber, está Raquel França, que ingressou na Universidade em abril de 2022, no curso de Direito, na primeira turma presencial após a pandemia de Covid-19. Vinda de uma cidade a cerca de 800 quilômetros de Juiz de Fora, chamada Porteirinha, poder contar com essa política foi essencial. “Meus planos de ingresso na Universidade mudaram, quando eu decidi, aos 17 anos, que queria me formar numa instituição federal a qualquer custo. Quando fiquei sabendo da UFJF, eu conhecia apenas uma pessoa, que também reside na moradia estudantil, e ela me deu suporte e orientações sobre como participar do edital. Foi aí que eu vi uma chance de realizar meu sonho de diploma no ensino superior”, conta.
Além da moradia, a estudante também conta com o auxílio alimentação e bolsa permanência (Pnaes), outras políticas de permanência oferecidas pela universidade. “Posso dizer, por experiência própria, que os auxílios incentivam a dedicação pelos estudos”, diz. Atualmente, a universidade oferece ainda auxílio moradia de R$ 420, auxílio transporte variável de até R$ 345, auxílio creche de R$ 360, auxílio permanência de R$ 560. Há também programas de atendimento de serviço social, pedagogia e psicologia para os estudantes.
Novas políticas de assistência estudantil
Apesar da quantidade de políticas de assistência, ainda há gargalos que fazem com que a evasão seja um problema. Diante dessa realidade, Viviane Pereira destaca a Política Nacional de Assistência Estudantil, sancionada pelo presidente Lula (PT) no começo de julho. A norma prevê a concessão de bolsas para estudantes do ensino superior que tiverem baixa renda, e o programa irá distribuir até R$ 1,47 bilhão para as universidades realizarem ações de assistência até o fim de 2024. “Estamos passando por um processo de estruturação de todos os programas e processos. Precisamos aguardar a regulamentação de cada um dos programas, mas eles foram criados nesse sentido de abarcar saúde, moradia, alimentação, cultura e esporte”, afirma Viviane. Ainda não há previsão de quanto a UFJF irá receber deste montante.