Família Acolhedora busca lar temporário e seguro para crianças e adolescentes
Esteticista que acolheu criança por 21 meses em casa conta sua experiência; menina de 5 anos agora vai ter uma família adotiva
“Amar é deixar ir.” Às vésperas de se despedir de M., de 5 anos, a esteticista Josiane Machado Gonçalves, 42, conversou com a Tribuna sobre os desafios e as alegrias vivenciados no decorrer dos 21 meses em que ela acolheu a pequena em sua residência, na Zona Norte de Juiz de Fora. A partir de agora, M. terá um lar definitivo, com pais adotivos. “Amar é você pegar e cuidar, mas também deixar ir”, observa a mulher, sobre a proposta de trabalho voluntário do serviço Família Acolhedora, da Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). “É fazer sua parte como cidadão, como ser humano, e não fechar os olhos para a maldade do mundo. É acolher uma criança como se fosse seu filho, mas sabendo que o destino dela é com uma família pertencente.”
O projeto municipal é voltado para crianças e adolescentes, de 0 a 18 anos, afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva judicial. Durante o período de acolhimento, são trabalhados a reintegração à família de origem ou o encaminhamento para uma família substituta. O objetivo é garantir vínculos estáveis de afeto em ambiente familiar, sobretudo para aqueles de 0 a 6 anos, evitando que sejam encaminhados a abrigos institucionais. No momento, apenas oito famílias estão habilitadas na cidade. Ao todo, elas cuidam de 22 crianças e adolescentes, incluindo muitos irmãos. Uma bolsa-auxílio mensal de R$ 1.200 por criança ajuda nos custos. “Precisamos de mais famílias acolhedoras”, ressalta a coordenadora do programa, Júnia Vívian da Silva Almeida.
“Estamos vivendo um momento mágico, que esperamos para todas as casas, que é o encaminhamento da criança para a família substituta”, comemora Júnia, sobre o caso de M., ressaltando a importância da iniciativa. Todo o processo de transição entre a família acolhedora e a adotiva também é acompanhado de perto pela equipe técnica. “Sabemos que não é fácil”, comenta ela, sobre a vinculação que acaba sendo criada ao longo do acolhimento, mesmo com a ciência de que aquele período de convivência é temporário. Os encontros entre quem acolheu e quem foi acolhido, entretanto, podem continuar acontecendo em datas marcadas e comemorações, desde que as partes concordem, explica Júnia.
Por enquanto, esse parece ser o futuro de Josiane e M., que já se encontraram com os pais adotivos da menina e estão tendo uma boa relação. O casal está na sua segunda adoção, e o encontro com quem acolheu a menina por quase dois anos aconteceu no Jardim Botânico, por sugestão da esteticista. “Ela conseguiu se soltar com os pais e ver que eu não ia embora. Ficamos ao ar livre, conversando, todos juntos. Você fica sendo tipo uma madrinha para a criança, para o resto da vida”, acredita Josiane. Por indicação de uma prima, que participa do projeto há dez anos, ela chegou ao Família Acolhedora. “Eu estava passando por um momento pessoal e estava em busca de motivação, de um movimento, de alegria dentro de casa.” Josiane contou com a ajuda do filho, 15, e de outros parentes para formar uma rede de apoio e oferecer uma vida segura e confortável à M., que chegou com apenas 3 anos. “Eu queria levar um rostinho lá pra casa, para ter essa experiência. E é muito bacana”, recomenda.
Segundo Júnia, na grande maioria dos casos, as crianças que precisam de acolhimento vieram de famílias desestruturadas, envolvendo questões como saúde mental, adicção associada ao consumo de álcool ou drogas, violência e negligência. Durante um período de avaliação e com auxílio dos equipamentos municipais, é analisado se a pessoa pode retornar à família de origem ou à extensa (avós, tios, etc). Quando não há condições, o caso é encaminhado ao Ministério Público para possível destituição familiar. A partir daí, a criança – ou grupo de irmãos – vai para o Cadastro Nacional de Adoção. “Antes disso, fazemos todas as tentativas”, destaca a coordenadora.
Ela também se emociona com outro caso de três irmãos acolhidos, que agora estão indo para uma família substituta. “Inicialmente, pelo cadastro, essa família gostaria de ter dois filhos. Esse trabalho de vinculação para adoção é feito pela Vara da Infância”, explica, acrescentando que o cruzamento de dados pode ser difícil, porque muitas pessoas aptas a adotar se fecham em determinados perfis. A preferência, conforme Júnia, é sempre tentar manter os irmãos unidos, desde a família acolhedora. “Tentamos não separar.”
‘Sempre cabe mais um’
Para a esteticista Josiane Machado Gonçalves, a experiência no acolhimento de M. trouxe muitas surpresas. “O que me tocou é que sempre cabe mais um. Onde come um, comem dois. Onde comem três, comem quatro. Só depende do coração de quem põe no prato. Essa é a verdade. A criança só precisa ser protegida por você, ser acolhida, ser amada, ser cuidada e ver que aquela fase não é o fim, apenas o começo de uma nova história.” A moradora da Zona Norte faz um chamado para que outras famílias aptas também compartilhem suas casas e seus afetos com quem precisa. “As pessoas devem abrir mais os olhos e o coração para isso. É uma coisa que vou levar para o resto da minha vida, com certeza.”
Depois de se despedir de M., Josiane quer abrir as portas para outros pequenos, quem sabe, um garoto. “Não é um trabalho, é um ato de amor ao próximo. É muito aprendizado. A criança te ensina, você aprende com ela, e ela aprende com você. Na verdade, ela está te curando, e você não está nem sentindo.” Sobre a hora de “deixar ir”, acrescenta: “Ela precisa ser mais feliz do que ela é dentro do seu lar.”
Capacitação
De acordo com a coordenadora do Família Acolhedora, Júnia Almeida, os interessados em participar do trabalho voluntário passam por um primeiro atendimento e, depois, por capacitações mensais, incluindo temas relevantes do Poder Judiciário, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da própria rede de assistência social. “Mostramos os desafios, apresentamos a realidade do serviço, no sentido também de tirar as dúvidas que as próprias famílias trazem. E identificamos o possível perfil que ela vai querer de acolhimento, porque também é importante respeitar.” A localização da residência é fundamental. “Não faz sentido eu colocar a criança no mesmo bairro de onde ela está vindo. Então fazemos essa análise também. Por questões de segurança e privacidade, não identificamos a família acolhedora, porque é uma medida protetiva.” Se todos os requisitos forem atendidos, o cadastro é encaminhado à Vara da Infância. Além disso, a família é sistematicamente acompanhada durante todo o período, pela própria coordenadora, pela assistente social Raquel Sena e pela psicóloga Vívian Loures. “Estamos sempre muito próximos para qualquer demanda que possa vir”, garante Júnia.
Segundo ela, não há restrições sobre os tipos de famílias acolhedoras, que podem ter ou não filhos e serem formadas por todos os tipos de casais ou de solteiros. O tempo médio de acolhimento é de um ano e meio. Josiane lembra que, apesar de ser temporário, o processo inclui todas as responsabilidades sobre a criança, como saúde e educação. “Você tem a guarda dessa criança, mas não o direito de ficar com ela para sempre.” O Guia de Acolhimento também é disponibilizado para ajudar nas demandas diárias.
“Enquanto a criança está indo com os pais, a equipe vem trabalhando por trás o acolhedor, porque precisamos cuidar de quem cuida. Isso também é nossa missão”, finaliza a coordenadora do serviço, sobre a transição entre a família acolhedora e a definitiva.
Para se habilitar como Família Acolhedora é essencial:
- Não estar inscrita no Sistema Nacional de Adoção (SNA)
- Não estar respondendo a processo judicial criminal
- Não fazer uso de substâncias psicoativas
- Não apresentar problemas psiquiátricos
- Ter idoneidade moral
- Ser maior de 21 anos, sem restrição de gênero ou estado civil
- Residir no município de Juiz de Fora
- Ter disponibilidade afetiva e capacidade de pedir ajuda
Tópicos: família acolhedora