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Retrospectiva 2025: Moradores vivem rotina de medo diante de enchentes históricas

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Bairros de diferentes regiões de Juiz de Fora, e os recorrentes problemas e temores durante o período chuvoso. Entre setembro e outubro, a Tribuna percorreu regiões afetadas pelo transbordamento de córregos que cortam ruas e invadem casas, levando desespero e provocando tragédias até mesmo em dias de festa, como o Natal e o réveillon. Os relatos de moradores que vivem sob risco constante de enchentes chegam a ser assustadores. Não bastasse a água suja entrando em lojas, salas e quartos, danos estruturais, outros prejuízos materiais e até a presença de animais peçonhentos fazem parte dessa rotina de medo a cada temporal. Tragédias fatais, infelizmente, também compõem esse roteiro.

Apesar das obras de drenagem e saneamento anunciadas pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), inclusive com financiamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo federal, as chuvas já estão aí novamente, antes da execução da maioria delas. Enquanto isso, cada um se protege “do jeito que dá”, seja aumentando o nível das residências ou colocando barreiras para impedir o avanço da água.

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Nesta retrospectiva, confira como residentes do Santa Cruz, Santa Luzia, Industrial, Democrata, Mariano Procópio e Linhares enfrentam diariamente a insegurança no entorno de córregos sem infraestrutura adequada, com esgoto a céu aberto e acúmulo de lixo.

Santa Cruz

 

Moradores do Bairro Santa Cruz, na Zona Norte, reclamam do despejo de esgoto sem tratamento e do descarte irregular de lixo no córrego (Foto: Leonardo Costa)

No Bairro Santa Cruz, Zona Norte, moradores convivem com esgoto a céu aberto, lixo acumulado, mato alto, mau cheiro, presença de animais peçonhentos e falta de infraestrutura, além da ausência de calçadas e guarda-corpo em uma ponte usada diariamente no entorno do córrego, que atravessa a Avenida Luiza Vitória Fernandes e a Rua João Ferreira de Morais.

Eles relataram apreensão durante o período de chuvas, pois já sofreram perdas materiais em enchentes anteriores. Também reclamaram do despejo de esgoto sem tratamento e do descarte irregular de lixo no córrego. “Passamos por um alagamento, e eu perdi tudo que tinha dentro de casa. De setembro a janeiro, durante o período de chuvas, todo mundo aqui na beirada do córrego já fica com medo”, contou Rita Maria de Oliveira Paula, 56 anos.

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Para além do crescimento urbano, que exige planejamento adequado, a mudança de comportamento da população quanto ao descarte correto de resíduos também é necessária. “Devemos lembrar que a cidade é dinâmica, os bairros estão crescendo. Quanto maior o nível de urbanização em uma região, maior será o grau de impermeabilização, o que favorece o aumento do escoamento superficial e uma menor infiltração da água no solo”, pontua a professora do Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Maria Helena Rodrigues Gomes.

Obras que buscam resolver o problema histórico de enchentes e alagamentos na região, com novo ponto de captação de águas pluviais e ações de limpeza do córrego, foram inauguradas pela PJF em 10 de dezembro. Também está prevista a ampliação do coletor de esgoto da região a partir de 2027, parte integrante do projeto de despoluição do Rio Paraibuna.

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Santa Luzia

Verbas do PAC de R$ 63 milhões devem solucionar os alagamentos no Santa Luzia, na Zona Sul, e nos bairros do entorno (Foto: Leonardo Costa)

No Bairro Santa Luzia, Zona Sul, a população próxima ao córrego que corta a região vive sob constante apreensão com a chegada das chuvas devido às enchentes causadas pelo transbordamento do curso d’água nas avenidas Ibitiguaia e Santa Luzia. O novo vertedouro e as adequações no lago do Parque da Lajinha – que reduziram o volume de água que chega ao bairro, criando uma bacia para retenção da chuva -, aliviaram a tensão e os riscos, mas o medo persiste a cada temporada chuvosa.

Para amenizar os danos, comerciantes adotam diversas medidas improvisadas, como barreiras, tampões, mudança de ponto comercial e reformas estruturais nas lojas, como balcões de alvenaria elevados e redes de esgoto suspensas. Ainda assim, relatam perdas frequentes e sensação permanente de vigilância. “Começou a encher aqui (Rua Ibitiguaia), a gente já vem correndo e coloca as placas. Todo dia à noite, na época de chuva, a gente já fica com as barreiras aqui, prontinhas”, contou Marco Aurélio, gerente de um açougue.

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Para os donos de uma padaria, a solução foi mudar de endereço. “A água chegava na canela, chegou a ter vez de virar um freezer de sorvete com a força da água. A gente tentou subir em cima dele, mas não conseguiu. Um dos motivos da mudança foi esse”, explicam os funcionários do estabelecimento. Os sinais de possível desastre são conhecidos por todos ali. “Quando a gente vê o bueiro começar a borbulhar, já sabe que não vai dar tempo. Aí é correria: levantar mercadoria, colocar as coisas mais caras em cima e tentar salvar o máximo possível”, disse Rômulo Araújo, funcionário de uma ferragem situada na esquina da Rua Ibitiguaia com a Avenida Santa Luzia. “Eu tive que trocar minha rede de esgoto toda, tive que fazer tudo suspenso, porque senão a água volta pelo vaso ou pelo ralo”, contou o proprietário, Elson Marangon.

A Prefeitura planeja novas intervenções de macrodrenagem e esgotamento sanitário em Santa Luzia, com intervenções estruturais no Córrego Ipiranga, com verbas do PAC de R$ 63 milhões, para solucionar os alagamentos na região, incluindo os bairros Sagrado Coração de Jesus e Santa Efigênia. A expectativa é reduzir em mais 25% a vazão de chegada do Ipiranga no encontro com o Córrego da Avenida Ibitiguaia.

As obras também incluem recuperação e reconfiguração das margens do Córrego Ipiranga, atualmente comprometidas e monitoradas pela Defesa Civil devido ao risco de deslizamento. Entre as ruas Marciano Pinto e Bady Geara, serão substituídas cinco travessias com adequações hidráulicas. Nesse mesmo trecho, está prevista a construção de um reservatório de detenção de águas pluviais, com capacidade superior a 27 mil m³, destinado ao controle de cheias. A intervenção no Bairro Santa Luzia está com o edital de licitação aberto, e o processo deve ser finalizado até março de 2026.

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Bairro Industrial

Residentes do Bairro Industrial, na Zona Norte, sofreram tantas perdas com enchentes que já deixam geladeira e móveis suspensos (Foto: Leonardo Costa)

Moradores do entorno do Córrego Humaitá, no Bairro Industrial, Zona Norte, também mantêm móveis elevados e barreiras improvisadas para tentar impedir que a água invada suas casas durante os temporais. Relatos feitos à Tribuna detalham perdas frequentes, presença de animais peçonhentos durante alagamentos e danos estruturais às residências.

“Tem que deixar tudo já preparado, porque quando a chuva vem, vem de uma vez só”, explica o pedreiro Marcelo Rodrigues, 57 anos, morador da primeira casa da Avenida Lúcio Bitencourt, situada em frente ao curso d’água e a poucos metros da esquina com o Acesso Norte (Avenida Garcia Rodrigues Paes), por onde também corre o Rio Paraibuna. As marcas do último alagamento, há cerca de três anos, ainda estão nas paredes, mas já chegaram à altura da janela.

Apesar de obras emergenciais realizadas pela Prefeitura – como a construção de uma nova travessia do córrego e de um muro próximo ao Rio Paraibuna – o leito do Humaitá permanece abandonado, com contenções caídas e risco de novos desastres. A população teme o próximo período de chuvas enquanto aguarda o início das obras definitivas de macrodrenagem e saneamento, cujo edital de licitação está aberto, com sessão pública marcada para 22 de janeiro.

Moradores e comerciantes contam perdas repetidas e prejuízos que incluem móveis, mercadorias e noites sem dormir monitorando o nível da água. A dona de casa Ângela Dornelas, 64, mantém sempre junto à porta a tábua de madeira que ela encaixa entre a guarnição para barrar a água, caso o tempo escureça. Ela atesta que o surgimento de serpentes durante os alagamentos no Industrial não é lenda urbana. “Pegaram uma cobra dentro da minha sala.” Sócia de uma loja de utilidades e rações na Rua Cônego Roussin há 25 anos, Maria Lúcia Braga, 62, mora há 35 no bairro. “Quando dá enchente mesmo, não conseguimos sair, ficamos ilhados aqui. Já fiquei assim por três dias.”

A Prefeitura prevê quatro fases de intervenções, com investimento total de R$ 92 milhões, incluindo contenção do Córrego Humaitá, remodelação da drenagem pluvial e esgoto, reurbanização do bairro e criação de um reservatório de amortecimento de cheias. Do montante previsto, R$ 81 milhões são recursos do PAC e R$ 11 milhões da Cesama. Os prazos para execução não foram detalhados.

Democrata e Mariano Procópio

Moradores dos bairros Democrata e Mariano Procópio, na Região Nordeste, cobram soluções definitivas para as enchentes causadas pelo transbordamento do Córrego São Pedro (Foto: Leonardo Costa)

Moradores dos bairros Democrata e Mariano Procópio, Zona Nordeste, vivem há anos com medo de enchentes causadas pelo transbordamento do Córrego São Pedro. Eles relataram alagamentos, entupimento de bueiros, prejuízos materiais e a falta de uma solução definitiva, apesar de promessas de diferentes gestões municipais.

“Aqui enche tudo de água”, resumiu Sueli dos Reis, de 69 anos, moradora do Democrata. Como forma de proteção, muitos instalaram comportas ou transformaram casas térreas em sobrados. Há, também, reclamações sobre aumento do IPTU e descarte irregular de lixo no córrego. Os moradores afirmam que a situação é histórica, provocando insegurança a cada chuva mais forte.

Miriam Kiefer, 68, mora no Mariano Procópio desde que nasceu e considera que a situação se agravou desde que iniciaram o asfaltamento na Cidade Alta, acompanhado do crescimento populacional da região, pois todo o esgoto dos bairros mais altos passam pelo córrego. “Aguardamos uma solução definitiva, porque é muito desagradável estar no Natal, com a mesa posta e toda a família reunida, quando, de repente, entra esgoto dentro de casa.”

A Cesama está construindo o coletor São Pedro, parte integrante do projeto de despoluição do Rio Paraibuna e de córregos da cidade, que irá recolher o esgoto da Cidade Alta, incluindo os bairros São Pedro, Borboleta, Marilândia e outros da região, e levá-lo para tratamento na ETE União-Indústria. Além disso, recursos do PAC serão direcionados a obras de macrodrenagem e esgotamento sanitário nos bairros Mariano Procópio, Democrata e na bacia do Córrego São Pedro. Em meados de dezembro a PJF assegurou que essas investidas seguem os trâmites necessários e estão em fase final de aprovação do projeto para dar sequência nos procedimentos licitatórios.

Linhares

Córrego do Yung, no Linhares, na Zona Leste, integra o Plano Municipal de Drenagem que faz diagnóstico do sistema de toda a cidade (Foto: Leonardo Costa)

O Bairro Linhares, Zona Leste, também enfrenta enchentes frequentes diante da falta de planejamento urbano adequado, agravada pelo crescimento desordenado e novos empreendimentos imobiliários. Prejuízos econômicos, dificuldades no transporte e riscos de acidentes, como o registrado em 2018, quando uma condutora foi arrastada para dentro do rio, fazem parte da história.

Ao andar pelas ruas Diva Garcia e Luiz Fávero é possível ver que muitos dos comércios do Linhares têm em suas portas barreiras instaladas no chão para conter as chuvas intensas, que levam ao transbordamento do Córrego do Yung. A impermeabilização do solo, a ocupação de áreas de declive e a sobrecarga da rede de drenagem aumentam a intensidade das inundações. Matheus Gonzales, 31, da padaria Bom Jardim, já chegou a presenciar alagamento que atingiu cerca de dois palmos na parte interna do estabelecimento.

“Esse crescimento desordenado, com a ocupação de áreas de declive e a impermeabilização do solo, acabou sobrecarregando o sistema de drenagem existente. Quando o crescimento urbano acontece sem considerar a capacidade das redes de água, esgoto e drenagem, o resultado é o aumento da frequência e da intensidade dos alagamentos”, explica o coordenador do curso de pós-graduação Gestão Pública em Proteção e Defesa Civil da UFJF, Jordan Henrique de Souza.

As obras de contenção de encostas nas ruas Stelina de Jesus, Maria Florice e João Luzia já começaram e estão nas fases iniciais da intervenção, conforme a PJF. Sobre a Rua Luis Fávero e todo o córrego do Yung, informou que segue desenvolvendo o Plano Municipal de Drenagem, que está realizando um diagnóstico do sistema de macrodrenagem de toda a cidade. “Lembrando sempre que a Secretaria de Obras, por meio do programa Boniteza, segue realizando, rotineiramente, a limpeza e o desassoreamento dos córregos, a desobstrução da rede de drenagem e outros serviços. As demandas podem ser feitas via Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário, pelo telefone e WhatsApp (32) 3690-7241.”

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