Obras aliviam, mas não afastam medo de enchentes no Bairro Santa Luzia
Entre barreiras improvisadas e obras, moradores e comerciantes do Santa Luzia seguem em alerta diante do risco de novas enchentes, que transformam a rotina do bairro a cada temporada de chuvas
Com a temporada de chuvas se aproximando, a apreensão aumenta entre a população do Santa Luzia, na Zona Sul. Historicamente, o bairro é um dos mais afetados por enchentes na cidade. O problema é especialmente grave e visível ao longo das avenidas Ibitiguaia e Santa Luzia, que margeiam o Córrego Santa Luzia, conhecido por transbordar e invadir casas e estabelecimentos.
A Tribuna esteve no bairro para conversar com comerciantes da região. Para muitos deles, a chuva não é apenas precipitação, mas também um sinal de alerta, de correria e de improviso. Basta o céu fechar para começar um ritual já conhecido: olhar para o córrego, para os bueiros, preparar as barreiras e esperar.
No açougue em que Marco Aurélio é gerente, esse movimento já se tornou automático. “Primeiro, a gente coloca os tampões. Começou a encher aqui (Rua Ibitiguaia), a gente já vem correndo e coloca as placas. E, todo dia à noite, na época de chuva, a gente já fica com as barreiras aqui, prontinhas”, contou.
A fala de Marco não é única e mostra a rotina de um bairro que se molda ao medo constante da água. Ele lembra que, desde que abriu o açougue, já viveu diferentes situações de alagamento. “Teve um domingo, em janeiro, choveu muito, a água ficou no limite da loja, eu não tinha colocado as placas. É tudo muito rápido”, relatou. Ainda assim, a sensação é de vigilância permanente. “A gente fica apreensivo, porque, se o córrego enche, é certo de encher aqui também. (…) A apreensão é total. Se chover, é certo”, resumiu.
Solicitada pela Tribuna, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que, neste ano, para auxiliar na resolução do problema histórico de enchentes e alagamentos no Santa Luzia, o Município vem realizando uma série de ações, entre elas a construção do novo vertedouro e adequações do lago do Parque da Lajinha, transformando-o em uma grande bacia de retenção de águas de chuva.
Isso, segundo Marco, diminuiu a intensidade da água que chega ao bairro, mas não acabou com a preocupação. “Ajudou muito. Porque a água vinha dobrada para cá. Antigamente, tudo aqui ficava cheio. Agora, com essa obra lá de cima, diminuiu um pouco a água. (…) Era para ser pior”, disse.
Medidas improvisadas de proteção

Para enfrentar o risco constante de alagamentos, cada comerciante do bairro cria a sua própria forma de defesa. Na padaria em que trabalham Edna Roque e Carlos de Paulo, a solução foi mais radical: mudar de endereço. O antigo ponto, localizado ao lado da nova loja, mas em uma área mais baixa, sofria repetidamente com a entrada de água. O proprietário decidiu se instalar em outro imóvel. “Ali (na outra loja), alagava com vontade. A água chegava na canela, chegou a ter vez de virar um freezer de sorvete com a força da água. A gente tentou subir em cima dele, mas não conseguiu. Um dos motivos da mudança foi esse”, explicam os funcionários do estabelecimento.
Já na ferragem, localizada na esquina da Rua Ibitiguaia com a Avenida Santa Luzia, os dois logradouros mais atingidos pelas chuvas no bairro, o funcionário Rômulo Araújo descreve o momento em que todos os sinais de perigo aparecem ao mesmo tempo. “Quando a gente vê o bueiro começar a borbulhar, já sabe que não vai dar tempo. Aí é correria: levantar mercadoria, colocar as coisas mais caras em cima e tentar salvar o máximo possível. É o sinal de que vai encher”, disse.
O proprietário da ferragem, Elson Marangon, contou que, cansado de perder e danificar mercadorias, construiu um balcão de alvenaria de mais de um metro que fecha toda a loja, deixando o estoque na parte de trás. Para acessar a parte de trás do balcão, é necessário subir por uma escada de ferro construída por cima da bancada usada para o atendimento. “Uma das alterações que fiz por conta da chuva foi esse balcão de alvenaria para conter a água. Pelo menos para que a chuva não invada a parte de trás, onde é o depósito. O transtorno que a gente tem agora é o nosso acesso, que dificultou muito. Para a gente conseguir atender aí, do lado de fora, temos que passar por essa escada.”

Além disso, também foi necessário criar um cômodo mais alto para colocar o banheiro. “Eu tive que trocar minha rede de esgoto toda, tive que fazer tudo suspenso, porque senão a água volta pelo vaso ou pelo ralo.” Ele lembra que essa foi apenas uma das mudanças feitas para evitar a destruição causada pelas chuvas. “Mudei nossa dinâmica, nosso desenho de loja, nossa rotina, tudo teve que mexer e não resolve. Entra prefeito e sai prefeito, promessas e promessas. Essa obra de contenção lá no Parque da Lajinha até ajudou, mas não resolveu.”
Prefeitura enumera ações no bairro
A Prefeitura de Juiz de Fora acrescentou, ainda, outras ações no Santa Luzia. Segundo o Executivo, dentro do programa Boniteza, são realizados, rotineiramente, limpeza e desassoreamento do córrego, desobstrução de rede de drenagem e outros serviços solicitados pela população por meio do Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário, via telefone e WhatsApp (32) 3690-7241.
Além disso, também estão previstas novas intervenções, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento, com as obras de macrodrenagem e esgotamento sanitário no Santa Luzia e de drenagem e intervenções estruturais no Córrego Ipiranga, nos bairros Sagrado Coração de Jesus e Santa Efigênia. A informação é que elas seguem os trâmites legais junto à Caixa, para que seja possível iniciar os trabalhos.
PAC

Juiz de Fora vai receber R$ 63 milhões do PAC para obras de drenagem no Córrego Ipiranga, localizado na Zona Sul. É o que diz o anúncio feito pela prefeita Margarida Salomão (PT) no mês passado, em Brasília, durante cerimônia de divulgação do programa PAC – Seleções Encostas e Drenagens.
De acordo com a PJF, as obras têm como objetivo solucionar os alagamentos nos bairros Sagrado Coração de Jesus e Santa Efigênia. A intervenção será complementar à macrodrenagem do Santa Luzia. A expectativa é de reduzir em mais 25% a vazão de chegada do Córrego Ipiranga no encontro com o Córrego da Avenida Ibitiguaia.
As obras também incluem recuperação e reconfiguração das margens do Córrego Ipiranga, atualmente comprometidas e monitoradas pela Defesa Civil devido ao risco de deslizamento. Entre as ruas Marciano Pinto e Bady Geara, serão substituídas cinco travessias com adequações hidráulicas. Nesse mesmo trecho, está prevista a construção de um reservatório de detenção de águas pluviais, com capacidade superior a 27 mil m³, destinado ao controle de cheias.