Com histórico de enchentes, moradores do Bairro Industrial temem próximas chuvas

Obras têm verbas de R$ 92 milhões, mas só devem sair do papel em 2026; enquanto isso, população mantém móveis e geladeiras “nas alturas”


Por Sandra Zanella

09/10/2025 às 06h00

enchentes no Bairro Industrial
“Tem que deixar tudo já preparado, porque quando a chuva vem, vem de uma vez só”, explica o pedreiro Marcelo Rodrigues sobre o motivo de manter a geladeira suspensa (Foto: Leonardo Costa)

 Imagina conviver com móveis e geladeira suspensos, dia e noite, na expectativa da água invadir a casa, sem pedir licença. Para os moradores do entorno do Córrego Humaitá, no Bairro Industrial, Zona Norte de Juiz de Fora, a incerteza sobre a hora em que mais uma enchente vai acontecer caminha de mãos dadas com as dúvidas sobre quando esse pesadelo vai ter fim. “Tem que deixar tudo já preparado, porque quando a chuva vem, vem de uma vez só”, explica o pedreiro Marcelo Rodrigues, 57 anos, morador da primeira casa da Avenida Lúcio Bitencourt, situada em frente ao curso d’água e a poucos metros da esquina com o Acesso Norte (Avenida Garcia Rodrigues Paes), por onde também corre o Rio Paraibuna.

A residência adquirida pelo avô de Marcelo já passou por muitos temporais. “Só que estou aqui já faz 26 anos. Em 2020, na pandemia, fiz uma reforma e troquei até as portas, porque tinha muito piso sobre piso, para ir levantando o nível.” Mesmo com toda cautela, desde a construção elevada, o morador chegou a perder “tudo” de novo. As marcas do último alagamento, há cerca de três anos, ainda estão nas paredes, mas ele revela que já chegaram à altura da janela. “Quando a água vem, os bichos vêm junto: cobra, rato”, denuncia o pedreiro, chamando a atenção sobre os riscos para a saúde.

Apesar de algumas ações emergenciais terem sido executadas pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) no ano passado, com a implantação de uma nova travessia do Córrego Humaitá sob a Avenida Garcia Rodrigues Paes, ampliando a capacidade de escoamento até o Rio Paraibuna – na beira do qual também foi erguido um muro -, o leito e as margens do córrego seguem com aspecto de completo abandono, inclusive com cercamento improvisado após a queda de parte da contenção há alguns anos. Enquanto o edital de licitação para a execução das obras de macrodrenagem e esgotamento sanitário segue aberto, com sessão pública marcada para 22 de janeiro, os moradores temem o próximo período chuvoso.

enchentes no Bairro Industrial
Ângela Dornelas, 64, mantém sempre junto à porta a tábua de madeira que ela encaixa entre a guarnição para barrar a água (Foto: Leonardo Costa)

A dona de casa Ângela Dornelas, 64, mantém sempre junto à porta a tábua de madeira que ela encaixa entre a guarnição para barrar a água, caso o tempo escureça. Ela conta que a residência, em frente ao córrego, já foi construída em um nível bem mais alto em relação à Avenida Lúcio Bitencourt para evitar as enchentes. Ainda assim, ela foi surpreendida pela força da água duas vezes. “Em uma delas, chegou bem alto dentro de casa. Eu não estava, mas meus irmãos vieram e ajudaram a levantar tudo, aí não perdi muita coisa. A outra, foi mais rasteira, só fez bagunça, porque a água é muita suja, é esgoto, né!?”

Cobra foi parar dentro da sala durante enchente

A moradora Ângela atesta que o surgimento de serpentes durante os alagamentos no Industrial não é lenda urbana. “Pegaram uma cobra dentro da minha sala. Meu cunhado foi puxar o tapete, e ela veio junto. Eu cheguei de viagem de madrugada naquele dia e não pude entrar, aí fiquei na minha mãe por dois dias, depois que eu vim pra casa.” Questionada sobre o muro construído na margem do Paraibuna, a dona de casa espera que a estrutura impeça mais um desastre. “Mas a gente também estava com esperança de arrumarem o córrego. Parte do muro caiu, e até hoje está assim. Facilita mais a água sair, e a gente fica com medo, porque a época da chuva está vindo. Quando arma, já ficamos na expectativa, porque pode vir forte, encher o rio e transbordar. E junto com a água vem barata, rato, escorpião, lacraia, caramujo e até cobra.” A filha de Ângela mora no andar superior, o que permite a ela escapar de um prejuízo maior. “Se começar a chover, eu não durmo, fico aqui tomando conta. Quando eu vejo que vai subir muito a água, levamos as coisas mais importantes para lá.”

Mas não é só quem mora às margens do Córrego Humaitá que sofre com as noites em claro. Sandra Helena Ribeiro, 50, reside na Rua Cônego Roussin, perpendicular à Avenida Lúcio Bitencourt. “Perdi minhas coisas duas vezes, logo que me mudei para cá, em 2020.” Ela sabia do histórico do bairro, mas conta não ter sido possível evitar as perdas. “Eu nunca tinha pegado essa chuva. A água entrou na parte de baixo e chegou a quase um metro”, detalha. Aquele temporal durou a noite inteira. “Consegui subir com um pouco das coisas, mas, na correria, outras eu perdi: cama, guarda-roupa. Tanto que hoje meu armário fica na sala. E tive que mandar fazer uma altura para colocá-lo.” Segundo ela, ainda não houve outra tempestade como aquela para “testar” as obras já realizadas pela PJF.

O aposentado Paulo Roberto Carneiro, 71, possui um estacionamento em frente ao Córrego Humaitá e já sofreu muitos transtornos por conta dos alagamentos. “Qualquer um que estudou ciências no ginásio sabe sobre o sistema dos vasos comunicantes. Se fechar aqui, a água sobe ali e sai pelos ralos lá atrás. O que acontece, no meu entendimento, é que a caixa do rio está mais alta e, quando a água sobe, represa tudo. Então ela retorna. Mesmo que não saia por aqui, retorna nos bueiros.” Ele espera que as obras previstas no edital de licitação resolvam a questão.

Comerciantes do Industrial também enumeram prejuízos em decorrência das históricas inundações. Sócia de uma loja de utilidades e rações na Rua Cônego Roussin há 25 anos, Maria Lúcia Braga, 62, mora há 35 no bairro. “As chuvas mais fortes que presenciei foram em 2004 e 2020, mas na primeira entrou mais água. Tivemos que correr e carregar tudo.” Com a expansão do estabelecimento, uma parte bem mais alta foi criada por precaução, para que as mercadorias possam ficar mais protegidas. “Quando chove, temos que ficar tomando conta. Às vezes, a água fica só no passeio, mas assusta a gente direto. E quando dá enchente mesmo, não conseguimos sair, ficamos ilhados aqui. Já fiquei assim por três dias.”

enchentes no Bairro Industrial
Implantação de nova travessia do Córrego Humaitá sob a Avenida Garcia Rodrigues Paes amplia a capacidade de escoamento até o Rio Paraibuna, segundo a PJF (Foto: Leonardo Costa)

Obras para barrar enchentes têm quatro fases

De acordo com a PJF, as obras de macrodrenagem e esgotamento sanitário no Bairro Industrial estão divididas em quatro fases, totalizando investimento de R$ 92 milhões, sendo R$ 81 milhões dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e R$ 11 milhões da Cesama. “Serão realizadas a construção de muro e dique de contenção do Córrego Humaitá, a remodelação dos sistemas de esgoto e drenagem pluvial, a reurbanização do bairro e a criação de um reservatório de amortecimento de cheias”, afirma a Administração, sem detalhar prazos.

“A primeira etapa, concluída em 2024, consistiu na implantação de uma nova travessia do Córrego Humaitá sob a Avenida Garcia Rodrigues Paes, ampliando a capacidade de escoamento até o Rio Paraibuna e já apresentando resultados positivos durante o período chuvoso passado”, avalia o Executivo municipal, que aponta o custo de R$ 6.301.983,65 nessa fase. “Além das obras estruturantes, também são realizadas, constantemente, através do programa Boniteza, ações de limpeza e desobstrução da rede pluvial, limpeza e desassoreamento do córrego Humaitá e do Rio Paraibuna”, garante a PJF.

enchentes no Bairro Industrial
PJF afirma realizar ações de limpeza e desobstrução da rede pluvial, do córrego Humaitá e do Rio Paraibuna (Foto: Leonardo Costa)

 

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