Uma agressão a cada duas horas

Uma mulher é agredida a cada 15 minutos no estado, conforme aponta o relatório produzido pela Comissão Especial da Violência Contra a Mulher de Minas Gerais. O resultado demonstra que, mesmo com a ampla divulgação da Lei número 11.340, a Maria da Penha, em vigor há seis anos, a violência doméstica ainda é motivo de preocupação. Apesar de a comissão não ter dados por município, a Tribuna realizou um levantamento junto à Delegacia Especializada de Mulheres, que mostra que, a cada duas horas, em média, uma mulher é vítima de agressão em Juiz de Fora, incluindo ameaça, atrito, lesão corporal, vias de fato e homicídio. Na cidade, mais de 300 denúncias são registradas a cada mês na delegacia. Neste final de semana, dois casos graves motivados por ciúmes chamaram atenção no município. Em um deles, o namorado jogou álcool na mulher e ateou fogo em suas pernas no Bonfim, Zona Leste. No outro, uma jovem foi espancada em via pública pelo ex-namorado, no Jardim Gaúcho, na Zona Sul.
O caso mais grave aconteceu na tarde de domingo no Bonfim. A jovem de 22 anos teve a perna queimada depois de o namorado jogar álcool e atear fogo no corpo dela. De acordo com informações da PM, a vítima relatou que o homem a levou para a casa de parentes e, após uma discussão, cometeu o crime. Ele teria dito "que se ela não fosse dele não seria de mais ninguém". A ação criminosa teria sido motivada por ciúmes. Logo após incendiar a companheira, o homem fugiu. Militares fizeram rastreamento, mas o suspeito não foi encontrado. A vítima foi socorrida pelo Samu e levada para o Hospital de Pronto Socorro (HPS). Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, ela sofreu queimadura na coxa direita e permaneceu internada em observação, aguardando avaliação da equipe de cirurgia plástica.
Já no final da noite de sábado, outra jovem, 19, foi espancada em via pública pelo ex-namorado, 24, no Jardim Gaúcho. Policiais atendiam uma ocorrência na região, quando flagraram o crime na Rua Doutor José Lanziotti. Ao avistar a viatura, a mulher gritou por socorro. O agressor foi preso no local. A jovem disse aos militares que o ex- companheiro a viu conversando com um amigo em uma chopada e teria ficado com ciúmes, partindo para a agressão. Segundo a PM, a vítima estava bastante machucada. Ela foi encaminhada ao HPS, onde foi medicada e liberada. Durante a discussão, o suspeito ainda arrancou um celular das mãos da mulher. O aparelho foi recuperado pela PM, que ainda encontrou porções de maconha em poder do homem. Ele foi levado para a 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil, teve o flagrante confirmado e foi conduzido ao Ceresp.
Medo
Conforme a delegada Maria de Souza Pontes, nem sempre as vítimas denunciam as agressões. "O medo impede a procura de apoio. Entretanto, quando o caso chega à delegacia e são solicitadas medidas protetivas, tais como o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a ex-companheira e a restrição ou suspensão do direito de visitar os filhos, punições estabelecidas pela Lei Maria da Penha, isso geralmente é o bastante para que não volte a ocorrer a violência contra esta mulher. E, apesar de registramos este número de ocorrências por mês, vejo como tímida esta estatística porque, na cidade, a quantidade de mulheres agredidas é bem maior." Maria Pontes acredita que a divulgação da lei se tornou um dos fatores que contribuíram para que as estatísticas se estabilizassem. "Juiz de Fora conta com uma rede estruturada de atendimento às mulheres. Entretanto acredito que ainda é necessária a unificação dos procedimentos dos diferentes setores, pois, desta forma, teremos mais agilidade para tratar dos casos e enfrentar o problema."
Casos terminam de forma trágica
Alguns casos terminam em mortes. Nos seis primeiros meses de 2012, a polícia registrou o assassinato de uma mulher pelo marido e a morte de um homem, após ter agredido a companheira (ver quadro). Elizabeth Aparecida Duque dos Santos, 52 anos, é uma das vítimas da violência no município. Ela morreu em 21 de maio de 2012, depois de ter sido baleada pelo marido dentro de casa, no Bairro Nossa Senhora das Graças. O agressor tentou se matar em seguida com um corte no pescoço, mas foi socorrido e encaminhado ao Ceresp onde permanece até hoje. Segundo parentes de Elizabeth, não existem registros anteriores de agressão na delegacia especializada porque ela e o marido sempre demonstraram afinidade no ambiente familiar.
Em outro caso, ocorrido em abril, na Vila Ozanan, Zona Sudeste, uma mulher foi esfaqueada pelo ex-companheiro em via pública. O homem fugiu, e a Polícia Militar, ao realizar o rastreamento do suspeito, o encontrou às margens da linha férrea com um corte logo abaixo do peito. Ele não resistiu ao ferimento.
A violência contra a mulher atinge também filhos, familiares e amigos dos envolvidos. No início de agosto, por exemplo, no Bairro Parque Independência, uma mulher foi agredida de modo brutal pelo então namorado. O fato registrado pela PM ocorreu na casa de uma amiga da vítima. O motivo da violência relatado no documento policial indica que a agressão estava relacionada ao fim do relacionamento do casal. Uma testemunha afirmou que ainda não conseguiu se recuperar do episódio e tem medo de comentar o assunto.
Agressor monitorado com tornozeleira
Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apontam que uma média de 17 homens é presa todos os dias em Minas Gerais por infringir a Lei Maria da Penha. Uma alternativa para tentar frear a violência contra a mulher e garantir a aplicação das medidas restritivas é que agressores passem a ser monitorados com tornozeleiras eletrônicas. A medida entrará em fase de teste em novembro. O projeto começará a ser implementado em Belo Horizonte e depois será levado ao interior. Atualmente, criminosos sentenciados por outros crimes já usam o equipamento também em fase de teste. A previsão é de monitorar 800 presos por crimes contra a mulher em regime aberto e semiaberto até o fim do ano.
Álcool e ciúmes
No país, uma pesquisa de opinião pública do Data Senado de 2011 apontou que o uso de álcool e o ciúmes, ambos com 27% cada, lideram o ranking dos casos de violência. Em 66% das ocorrências, os responsáveis pelas agressões foram os maridos ou companheiros. A violência física é a mais comum, citada por 78% das entrevistadas; seguida da violência moral, com 28%, praticamente empatada com a violência psicológica, 27%. Segundo o estudo, 55% das mulheres reconhecem ter convivido com violência, relatando casos de agressão física ou sexual.
O documento da Comissão Especial da Violência Contra a Mulher de Minas Gerais indica que, em 2012, 26.472 mulheres foram agredidas. Somente em Belo Horizonte, ocorreram 3.095 registros nos sete primeiros meses do ano. Em dezembro do ano passado, mais de 111 mil processos de violência contra a mulher na capital mineira aguardavam decisões do Tribunal de Justiça (TJMG).
Falta diálogo entre os envolvidos
Conforme a defensora pública do Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência, Lenora Bustamante, em muitos casos, falta diálogo entre os envolvidos. "O casal geralmente já está separado quando o processo chega à Defensoria Pública e, muitas vezes, pequenas diferenças se tornam grandes empecilhos para que seja estabelecida a partilha de bens, a guarda dos filhos, entre outras questões. Como a violência doméstica é um problema complexo, nosso trabalho acaba se tornando de caráter pedagógico, pois assistentes sociais e defensores contribuem para resolver, de modo pacífico, as questões relacionadas ao convívio social, o que ajuda a fazer com que a maior parte dos casos de violência termine com o acordo entre as partes." A defensora lembra que, quando alguma medida é estabelecida pelo juiz, ela passa a ter validade para ambos: vítima e agressor, caso contrário a decisão perde a validade.
Dois Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Prefeitura de Juiz de Fora, o Idoso/Mulher e o Norte, são voltados para o atendimento das mulheres vítimas da violência. A responsável pelos Creas, a coordenadora executiva de média complexidade, Maria Cláudia Siqueira Dutra, esclarece que as mulheres que procuram as unidades recebem orientações de advogados e assistentes sociais. "Essa vítima geralmente está em dúvida em relação à atitude que deve tomar e sabe que essa decisão terá impactos imediatos na sua rotina. Por isso, nossos profissionais a ouvem, apresentam opções e tentam fortalecê-la, porque todas as ações posteriores precisam da concordância da mulher. Entretanto, é fundamental reconhecer que um dos obstáculos mais sérios no enfrentamento do problema é a própria percepção social da questão. Muitas mulheres se calam, seja porque se envergonham do ocorrido, porque aceitam como parte de sua vida a violência ou temem represálias."