Novas estratégias para conter a Covid-19 em JF são cruciais
Contenção da pandemia é fundamental para que atendimentos suspensos sejam retomados. Demanda reprimida pode agravar crise da saúde em 2021
O cenário da saúde pública de Juiz de Fora em 2021 ainda depende do controle da pandemia – meta que se desenha como um grande desafio diante da piora dos índices epidemiológicos da Covid-19 na cidade e em todo o país. Apesar da possibilidade de o Município contar com um plano de imunização, autoridades de saúde apontam que também será necessário adotar estratégias para a diminuição do contágio e a prevenção de casos graves.
Concomitantemente, a retomada de atendimentos que foram suspensos, como a realização de cirurgias eletivas, também se faz necessária para evitar que a população fique desassistida, gerando demandas reprimidas de pacientes com outras enfermidades. Entre os caminhos apontados por autoridades estão a ampla testagem da população, a maior conscientização sobre o agravamento da pandemia e a adoção de medidas mais restritivas no setor produtivo, além da preparação para uma possível vacinação contra o coronavírus.
Considerada um dos principais pilares para o controle da pandemia, a testagem da população ainda é deficitária no município, conforme apontam especialistas. Embora a gestão atual da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) alegue ter ampliado a testagem da Covid-19 para públicos além dos preconizados pelo Ministério da Saúde, entre os profissionais da saúde, por exemplo, são testados apenas os sintomáticos, o que expõe grande parcela dos trabalhadores da área e da população em geral.
O contágio entre os profissionais de saúde é uma das maiores apreensões das categorias. Isso porque, com a possibilidade da manifestação assintomática da doença, os trabalhadores têm medo de propagar o vírus entre seus familiares e entre hospitais, já que muitos têm jornada dupla de trabalho.
Na avaliação do infectologista Marcos Moura, é fundamental que o Poder Público invista na ampliação de testes da doença. Segundo ele, só assim será possível ter um olhar detalhado sobre o real cenário da pandemia na cidade. O médico cita que a testagem em massa faz toda diferença na condução da crise, e lembra que, na primeira fase da pandemia, os países e municípios que conseguiram ter melhores resultados no controle da Covid-19 foram aqueles que fizeram testes em grande quantidades.
“A Prefeitura precisa investir em testes de massa, porque o que acontece hoje, de as pessoas terem uma síndrome clínica sem diagnóstico, é muito ruim, tanto para a gestão epidemiológica da doença quanto para a implementação de medidas de profilaxia e melhora do cenário. Hoje, em Juiz de Fora, basicamente, testa-se as pessoas que estão internadas e sob suspeita”, observa.
Para Moura, além do controle epidemiológico, testar a população de forma periódica e gratuita gera uma sensação de acolhimento por parte do Município. “Isso diminui o pânico e a sensação de vulnerabilidade. Na prática, isso gera uma assistência relativa que evita medicação, deslocamentos e até internações desnecessárias. É fundamental que a próxima gestão invista em testagem, com vários pontos na cidade, para que haja esse monitoramento de pessoas com suspeita”, defende.

Vacinação
Ainda sem um preciso cronograma, o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, a ser desenvolvido no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é uma incógnita para as gestões estaduais e municipais. Apesar disso, uma aposta da futura Administração é a vacinação da população. No dia de sua diplomação, a prefeita eleita anunciou a assinatura de convênio com o Instituto Butantan para a cessão de um milhão de doses do imunizante que vem sendo desenvolvido pela entidade.
Margarida, todavia, diz que aguarda o desenrolar do Plano Nacional de Vacinação. A despeito disso, sua equipe chefiada pela próxima secretária de Saúde, a médica Ana Pimentel, trabalha em paralelo no desenvolvimento de um plano municipal de imunização, a ser colocado em prática caso ocorra atrasos ou dificuldades na execução do projeto trabalhado pelo Ministério da Saúde.
Na avaliação do infectologista, a respeito de uma vacinação dentro do plano nacional, Juiz de Fora teria estrutura de organizar o processo. “O sistema de vacinação de Juiz de Fora é muito bom, temos uma rede de vigilância bem organizada”, opina. Apesar disso, Moura crê que os problemas serão em relação à aquisição de insumos.
A opinião é compartilhada pelo membro da Comissão de Saúde Pública e Bem-Estar Social da Câmara Municipal, vereador Antônio Aguiar (DEM). “O Brasil é o único país do mundo com uma expertise de vacinação da população em massa. Nós temos um Programa Nacional de Imunização, postos de saúde e profissionais treinados. Mas um grande problema é se teremos insumos o suficiente”, indaga.
Para exemplificar, o parlamentar, que também é médico, cita que a vacina deverá ser aplicada em duas doses, exigindo o dobro de seringas. Por outro lado, Aguiar pontua que, mesmo que tenhamos um imunizante seguro e eficaz e que contribua para mudar em parte o cenário da cadeia de transmissão do vírus, é provável que não haja doses o suficiente para toda a população a médio prazo.
Para o parlamentar, a piora dos índices da pandemia tem relação direta com o processo eleitoral no país, que durante toda a campanha levou maior número de pessoas às ruas. “O controle da pandemia ainda será o grande desafio da saúde no próximo ano, e o problemas vão continuar. Talvez com essa perspectiva da vacinação, a gente possa respirar e ter condição de pensar em um sistema de saúde que atenda outras demandas que estão sufocadas.”
Há preocupação com a demanda criada pela dengue
O infectologista Marcos Moura também analisa que a prevista piora epidemiológica do coronavírus no início do ano junto com a demanda gerada por outra doenças poderá asfixiar o já sobrecarregado sistema de saúde da cidade. “Além da Covid-19, que deve vir com casos regulares graves até o meio do ano – apesar de uma potencial vacina – temos agora também, no início do ano, a dengue, que em muitos casos agrava e demanda atendimento emergencial”, lembra.
Com histórico de surtos de dengue ao longo dos últimos anos, a rede de saúde da cidade sempre precisou lidar com demanda de pacientes pela rede de urgência e emergência, inclusive por leitos. Dessa forma, o médico destaca a necessidade de planejamentos não somente no contingenciamento de emergências, mas para que o município tenha condições de atender pacientes com doenças crônicas que, na avaliação dele, estão mal assistidos há meses e poderão vir a ser pacientes graves.
“O aumento de demanda de atendimento emergenciais é algo que temos todos os anos. Claro que com a pandemia isso aumentou, mas não podemos voltar à estaca zero. É preciso planejamento, porque outras situações virão. É necessária a estruturação da saúde do município para que nos próximos anos tenha assistência plena, não só na emergência, mas também na atenção secundária.”
Outros gargalos na rede de atendimento
Durante este ano, a Tribuna mostrou uma restrição a atendimentos que, segundo infectologistas, gerou uma demanda reprimida que poderá agravar crise da saúde em 2021. Após suspenderem procedimentos eletivos e retomarem parcialmente os serviços, hospitais da cidade voltaram a paralisar os atendimentos no fim de novembro, após orientação da Prefeitura.
A justificativa do Executivo fora a piora da situação da Covid-19. A reportagem também mostrou como a pandemia impactou, por exemplo, a busca por procedimentos preventivos. Em outubro, o jornal publicou uma matéria mostrando a baixa realização de mamografias em relação ao ano passado. O número de exames realizados em Juiz de Fora caiu 62% em comparação com o mesmo período em 2019.
O especialista pontua que gargalos na rede de saúde sempre existiram. “Quem trabalha na rede de saúde pública sempre se deparou com pacientes aguardado a realização de cirurgias eletivas, por exemplo. Houve, durante anos, um esvaziamento do setor secundário do município, então muito pacientes já não conseguiam marcar consultas. (…) Esses pacientes não deixaram de existir. Eles estão aí, estão ficando doentes e poderão se somar a pacientes graves de Covid e outras doenças da emergência. Por isso também é importante redesenhar a atenção primária e secundária, o encaminhamentos dos pacientes crônicos e o fluxo de eletivas para se evitar uma demanda desnecessária na emergência.”
Leitos intensivos
Outro problema é a demanda por leitos intensivos na cidade, que sempre foi alta. Embora a Prefeitura tenha trabalhado na expansão emergencial destes equipamentos para conter a exigência gerada pela pandemia, a ampliação não tem sido suficiente.
Na última segunda-feira (21), de acordo com levantamento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a taxa de ocupação de leitos UTI SUS chegou a 95%, e os crescentes índices de ocupação, segundo o órgão, estariam levando moradores de Juiz de Fora a serem transferidos para internação em cidades da região. Além disso, na mesma data, a PJF informou que a ocupação de equipamentos intensivos na rede privada chegou a 92%.
Profissionais de saúde
Além disso, como aponta Antônio Aguiar, há ainda o impacto do sistema de saúde causado pelo adoecimento de trabalhadores da saúde. “Muitos profissionais estão sendo afastados porque estão adoecendo com gravidade e, alguns, morrendo. Todas as vidas são importantes, mas quando perdemos um profissional da saúde, perdemos alguém que está na linha de frente, ajudando a combater a pandemia”, diz.
Em matéria publicada no último domingo (20), a Tribuna mostrou relatos de profissionais da saúde que atuam no combate ao coronavírus em Juiz de Fora. Os trabalhadores se mostraram apreensivos com a piora da pandemia na cidade e disseram estar exaustos.
Conforme as narrativas, com o agravamento da crise e aumento do contágio entre eles, muitos trabalhadores estão tendo que se afastar de seus postos, o que, além de gerar sobrecarga, afeta a assistência a pacientes, que também poderá ficar precarizada diante da previsão de piora epidemiológica nas próximas semanas.