Vizinhança denuncia perturbação do sossego provocada por igrejas
Secretaria de Atividades Urbanas realizou, apenas este ano, 41 ações de fiscalização relacionadas a este problema nestes estabelecimentos. Algumas vezes, mesmo após ação dos fiscais, abusos persistem
Seja extrapolando o horário das 22h ou produzindo barulhos excessivos com frequência, instituições religiosas em Juiz de Fora têm provocado incômodo para a população. Até esta terça-feira (25), a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) promoveu 41 ações de fiscalização relacionadas a estes estabelecimentos por perturbação de sossego, como notificações, intimações, autuações e diligências. Em média, são cerca de quatro ocorrências por mês. O número, inclusive, ultrapassou as operações de 2017, quando foram realizadas 40 em todo o ano. No entanto, de acordo com relatos de leitores, mesmo com fiscalização, algumas igrejas continuam excedendo os ruídos e horários estipulados.
Apesar das reclamações, de acordo com a SAU, a fiscalização de perturbação de sossego é realizada periodicamente e por meio de denúncias, em estabelecimentos de toda natureza, através de medições de pressão sonora feitas por decibelímetros. O limite de barulho produzido por som mecânico ou ao vivo deve ser inferior a 70 decibéis durante o dia, e 60 decibéis durante a noite, entre 22h e 6h, como estabelece a Lei Estadual 10.100, que dispõe sobre a proteção contra a poluição sonora em Minas Gerais.
O desrespeito é persistente na Rua Guimarães Júnior, no Bairro Nova Era II, de acordo com a aposentada Vera Ciuffo, moradora da via. Ela afirma que uma comunidade religiosa tem incomodado a vizinhança. Segundo Vera, além dos domingos, a perturbação acontece em dias de semana, ultrapassando o horário de 22h com música ao vivo e discursos amplificados por dispositivos mecânicos. Problemas com a mesma instituição já vêm de outras datas. “Aconteceu uma vez aqui nessa mesma igreja. Fiscais vieram, multaram, tiraram caixas de som, aí ficou ótimo. Eu não sei se a direção da igreja mudou ou o que aconteceu, só sei que voltou tudo em carga dobrada. Ficamos uns anos em paz, mas agora começou tudo de novo.” Vera chegou a contatar a polícia, além da fiscalização da SAU, mas a questão não foi resolvida. “A gente chama a polícia, eles dizem que não têm viatura. Quando a gente chama o fiscal, a Igreja não funciona quando ele vem.”
Uma moradora da Avenida Olegário Maciel, Bairro Paineiras, que preferiu não se identificar, relatou que uma igreja localizada na região também tem perturbado a vizinhança. Instalada há cerca de um ano, a instituição enviou uma carta aos residentes, pedindo desculpas pelo barulho e informando que estavam providenciando forro acústico, porém, segundo a moradora, o problema ainda não foi solucionado. “Quando recebemos a carta, eles ainda pediram uma contribuição aos condôminos, se quisessem doar alguma coisa para providenciar o forro acústico mais rápido. Na carta falavam que estavam mandando para os prédios que estão em volta, disseram que logo a situação seria normalizada, mas até hoje nada.” De acordo com a moradora, o excesso de barulho é constante no estabelecimento. “Não tem muito o que fazer. Acho que o pessoal tem medo de chamar a fiscalização por ser igreja.”
Já na Rua Doutor Norberto Gerhein, no Cerâmica, a vizinhança tem que lidar com barulho de duas instituições religiosas. Uma moradora da via, que também preferiu não se identificar, conta que está há cinco anos na região e que, desde então, tem sofrido com a perturbação do sossego. “Os dias de domingo são os piores, pois há cultos várias vezes ao dia”, conta. “Elas ficam em espaços pequenos, mas usam instrumentos e equipamentos de som ensurdecedores. É impossível ficar no meu quarto, que dá para a rua, depois das 18h de domingo, pois as duas igrejas resolvem realizar os cultos juntas.” Segundo a moradora, o som alto independe do número de pessoas que comparecem às cerimônias. “Tem dia que tem culto de manhã, com música e fiéis batendo papo na rua, falando alto. A questão não é a religião, mas o abuso no barulho. Às vezes, não tem nem dez pessoas na igreja e ligam o volume no máximo”, relata.
A SAU conta, atualmente, com oito Regionais de Fiscalização no município. Denúncias e reclamações por perturbação do sossego podem ser feitas pelos telefones de cada regional (ver quadro).
Acústica
O volume de sons em instituições religiosas pode estar relacionado a três fatores, de acordo com Marcos Holtz, arquiteto especialista em acústica e vice-presidente de atividades técnicas da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica (ProAcústica). São eles: conteúdo litúrgico, edifício e localização. “Os templos católicos brasileiros têm uma liturgia mais calma que a de determinados cultos protestantes, que são mais ruidosos. Em geral, templos católicos são mais antigos, com paredes mais espessas. E, finalmente, a localização: igrejas católicas, em geral, são isoladas de edifícios vizinhos, enquanto temos muitos templos de outras religiões que dividem paredes com edifícios residenciais. O resultado final será uma combinação destas três situações.”
Para a estruturação de estabelecimentos para fins religiosos, algumas orientações devem ser consideradas. “O estudo da liturgia do culto é extremamente importante. São indicadas medições sonoras do culto para avaliar a geração do ruído. De posse desta informação, pode-se elaborar um projeto acústico com dimensionamento de paredes, teto, portas e janelas para obter o atendimento às normas técnicas vigentes no Brasil”, explica Holtz.
Segundo o especialista, a adaptação de prédios que serão utilizados por instituições religiosas é restrita, mas algumas medidas podem ser tomadas. “Complemento de paredes em drywall, janelas duplas e portas de entrada dotadas de antecâmaras são as soluções mais usuais, que devem ser calculadas dependendo da situação de vizinhança”, finaliza.
Conscientização nas igrejas
De acordo com o presidente da Associação Cristã Restituir e da Convenção Internacional de Ministros Evangélicos, Pastor Aloízio Penido, as instituições têm realizado um trabalho de conscientização entre as igrejas. “Nós temos consciência de que algumas igrejas ainda não têm tratamento acústico, e, às vezes, devido às reuniões de adoração e de louvor, acabam incomodando um pouco a vizinhança quando excede o horário de 22h. Mas nós temos trabalhado para sensibilizar pastores e igrejas para que evitem ultrapassar as 22h e que trabalhem também a acústica das igrejas”, explica. “Nós, de maneira alguma, queremos infringir regras, leis e normas do município, e muito menos ainda, queremos incomodar nossa vizinhança. Por isso, nossa posição tem sido no sentido de orientar para que os excessos sejam evitados.”
O Conselho de Pastores de Juiz de Fora (Conpas) também realiza trabalho de orientação aos estabelecimentos religiosos na cidade. De acordo com o presidente do Conpas, Pastor Charles Marçal, recentemente, houve uma ação junto ao pastor responsável por uma igreja que foi notificada. “Conversei com o pastor, encaminhei para o setor da Prefeitura do qual estava recebendo a denúncia, e ele foi lá para poder fazer esse contato e ver o que era necessário para se adaptar e se adequar de acordo com as necessidades.” Conforme Marçal, essa situação levou à necessidade de realizar uma reunião na entidade.
O Conpas disponibiliza, ainda, uma equipe de pastores para executar o serviço de instrução, que conta com integrantes que possuam conhecimentos técnicos. O presidente demonstrou preocupação quanto à conjuntura da cidade. “Existem muitos lugares que promovem eventos fora de hora, causando barulho e transtorno, mas geralmente, quando é igreja, sempre há reclamação, e essa reclamação ganha uma conotação maior. É isso que nos preocupa, às vezes, porque nossa intenção é sempre de praticar o bem, um culto ordeiro, nada que prega ou faz apologia a alguma coisa nociva à sociedade. Mas, na medida do possível, nós entendemos que precisamos nos adaptar e, quanto menos incomodar, melhor”, finaliza.
Perturbação de sossego como contravenção penal
O Código de Posturas do Município de Juiz de Fora, instituído pela Lei Municipal 11.197 de 2006 e regulamentado pelo Decreto 9.117, veda produção de sons ou ruídos que ultrapassem os limites orientados, em estabelecimentos de qualquer natureza, edificações em geral, casas de diversões ou vias públicas. A regulamentação considera esse tipo de infração como grave, passível de multa e demais sanções administrativas cabíveis. O Código responde aos parâmetros estabelecidos pela Lei Estadual 10.100.
De acordo com Ricardo Spinelli, advogado e professor do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior, muitas pessoas falam da “lei do silêncio”, no entanto, o que existe, na realidade, é o decreto-lei nº 3.688, ou Lei das Contravenções Penais, que prevê penalização à perturbação de sossego alheios, segundo o artigo 42, independente do tipo de estabelecimento. “Mesmo se tratando de uma igreja, não vai mudar o procedimento administrativo e nem o procedimento legal a nível penal para coibir esse excesso ao abuso do som. A lei se aplica a toda e qualquer instituição, seja ela qual for. O que percebemos é que tem que existir um bom senso e um cuidado por ser uma entidade religiosa, para depois não alegarem em defesa que é um preconceito religioso ou que está se querendo inibir a liberdade de religião e de expressão da pessoa.”
A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio da SAU, realiza a fiscalização na esfera administrativa, ou extrajudicial. Segundo Spinelli, há ainda a esfera judicial, que se divide em duas: penal e cível. Com a lei 9.099, sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, casos de perturbação de sossego, por serem contravenções penais, classificam-se como infração de menor potencial ofensivo. Há duas alternativas para lidar com essas questões na esfera penal, que seriam contatar a polícia ou comparecer pessoalmente à delegacia para realizar uma denúncia.
No primeiro caso, a polícia apresenta-se no local e constata a perturbação. No segundo, o responsável pelo distúrbio é intimado a prestar depoimento. O procedimento seguinte, no entanto, é o mesmo para os dois casos. “O delegado vai fazer um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Uma vez instaurado o TCO, a pessoa já sai intimada, neste intercâmbio entre polícia e justiça, para uma audiência preliminar de conciliação, onde a parte que está se sentindo prejudicada, que fez a denúncia, e a outra parte onde estaria ali o responsável pela igreja ou estabelecimento que está perturbando o sossego, vão estar presentes para uma tentativa de ajuste de conduta”, explica o advogado. Nesses casos, a parte acusada se compromete a tomar determinadas ações. Caso o acordo seja desrespeitado, é possível reabrir o processo para adotar outras iniciativas.
Na esfera cível, existe a possibilidade de encaminhar um processo nos parâmetros do artigo 927 do Código Civil. “Se ficar comprovado que realmente existe perturbação – dificultando a pessoa a dormir, às vezes tem pessoa que usa uma medicação, ou pessoa que está doente e que precisa de repouso, ou um bebê que não dorme em razão daquele barulho -, há possibilidade de um processo na área cível, que poderá resultar em uma indenização por dano material e moral, conforme ficar comprovado no processo”, afirma Spinelli.
Importunação causa estado de alerta no cérebro, diz especialista
Muitas reclamações sobre as igrejas estão relacionadas ao incômodo por longos períodos durante a noite, atrapalhando, inclusive, o sono dos moradores. Para um sono de qualidade, a orientação é que seja em ambientes escuros e sem ruídos, de acordo com Celeste Negrão, neurologista e especialista em Medicina do Sono. “O máximo que podemos dormir um sono tranquilo é até 30 decibéis. Acima disso, você já começa a criar um estado de alerta no cérebro. Isso leva ao estresse, diminuição de concentração, e, em crianças, um menor rendimento na escola. Leva ainda a uma irritabilidade, diminuição de memória, cansaço, mau humor no dia seguinte, tudo em razão de noite mal dormida.” Esses problemas também são consequências da exposição frequente a situações de perturbação, especialmente por provocar um sentimento de antecipação, que pode desencadear, inclusive, insônia e quadros de depressão.
De acordo com a especialista, sons altos importunando o sono podem trazer prejuízos especialmente para pessoas com doenças cardiovasculares, como hipertensão, e ainda problemas gastrointestinais. “Nós passamos um terço da nossa vida dormindo não é à toa. É no sono profundo que temos a liberação de vários hormônios importantes para nossa saúde, como hormônio do crescimento, e grelina e leptina, que são hormônios que controlam o apetite. É importante dormir bem”, finaliza.
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