Arte em trânsito
Tem arte dentro da gente, na fila do banco, na compressão dos ônibus apertados e no cinza do asfalto remendado do caminho. No vaivém caótico, cruzam-se corpos, olhares e mentes com os mais variados pensamentos, quase causando choques. A menina anda de ônibus olhando para fora da janela com seus fones de ouvido ao máximo, enquanto isso o senhor está pensando em qual doce vai comprar para sua neta que irá visitá-lo hoje e ainda há um rapaz aborrecido e se sentindo um perdedor por não ter passado na prova. O percurso do ônibus se mistura ao curso de atividades psíquicas que não param, um trajeto infinito e sem trilhos.
#A Cada Ponto Aumenta um Conto
Arte transitória, de passagem e que pega de surpresa. A beleza do efêmero e do repentino é observada pelo contador de histórias Ulisses Belleigoli. Ele e a atriz Livia Gomes farão uma intervenção nos ônibus urbanos neste sábado (27), das 11h ao meio-dia, durante a programação do Corredor Cultural. A ideia é contar contos como se fossem uma forma de tocar. A magia está no acontecimento extraordinário, no evento relâmpago que está acontecendo apenas naquele espaço-tempo. O motorista freia e dá fim a um conto, ao acelerar, começa-se outro, são histórias curtas demarcadas pelos pontos de ônibus. “A gente quer todo mundo ouvindo pelo menos uma história do início ao fim”, explica Livia. Será uma amostragem de literatura nacional e internacional, além da apresentação de músicas de tradição oral. Adélia Prado, Cecília Meireles, Eduardo Galeano, Carlos Drummond vão costurando os passageiros junto às feições e gesticulações das performances de Ulisses e Livia
As surpresas vão guardar até mesmo um do outro, a fim de se surpreenderem junto ao público transeunte, tudo é experimentação, não há como prever a reação das pessoas nem como se fazer um ensaio na locação. Além disso, a cor e a vida das histórias são o reflexo do público, tudo se torna o que é devido a uma sucessão de fatos imprevisíveis. “Dependendo de quem estiver naquele ônibus, naquele horário, a história vai sair de um jeito”, observa Ulisses. Eles desejam que a intervenção soe como um lampejo, um clarão que reverbere para além das próprias histórias contadas, mas que voe para outros momentos e sentidos na vida de quem, por sorte, estiver justo naquele dia entrado no mesmo ônibus que eles.
#Paisagens Contemporâneas – Anexo Móvel
Estátuas são feitas de pedras, imóveis, habitam o local onde foram fincadas, sem o poder de ir e vir. Já pessoas são o próprio movimento da cidade. Enquanto prédios, praças, construções permanecem parados, há pessoas circulando, rodando, grafitando e dando vida àquela arquitetura, também feita de pedra. Há nas estátuas um simbolismo paradoxal e conflitante, sendo assim, os amigos Gabriela Maciel, Francisco Brandão e Alice Rodrigues, todos estudantes de artes e design do IAD – UFJF, colocarão as estátuas junto às pessoas circulando pela cidade, através dos ônibus urbanos.
Nenhum evento foi criado sobre a intervenção fotográfica, a fim de causar surpresa, mas espero que se surpreendam mesmo com o spoiler deste texto. Lá no quadro dos ônibus, destinado aos cartazes, sutilmente, estarão coladas as fotografias de Gabriela. “Paisagens contemporâneas” quer mostrar a vinculação da arquitetura com as pessoas, o lado íntimo e pessoal das cidades de concreto. O processo foi bastante espontâneo, as pessoas que estão nos retratos foram sendo abordadas nas ruas dos centros e bairros de Juiz de Fora, e fotografadas a fim de comporem a exposição com que elas mesmas poderão se deparar nos próximos dias durante o Corredor Cultural.
Francisco Brandão conta que 610 ônibus circulares vão receber pelos menos dois cartazes, impressos por eles mesmos em papel reciclável, e a ideia é transformar os veículos não apenas em meios de locomoção, mas em um suporte para a reflexão, para o suspiro, a arte fluindo na vida cotidiana.