Adolescente é mantida em cárcere privado por 20 horas


Por Michele Meireles*

25/04/2017 às 07h00

Uma adolescente de 14 anos foi sequestrada, mantida em cárcere privado por cerca de 20 horas e abusada sexualmente, em Juiz de Fora, entre a noite do último sábado (22) e a tarde de domingo. Conforme o relato da vítima à Polícia Militar, os autores disseram que o motivo do crime seria a garota morar em um bairro rival ao Jardim Gaúcho, na Zona Sul. De acordo com informações do documento policial, a adolescente saiu para comprar um lanche, por volta de 21h, quando foi abordada por três homens enquanto caminhava pela Rua Marciano Pinto, no Bairro Cidade Nova, Zona Sul. A menina relatou aos policiais que o trio estava em um Fiat Palio preto e que o ocupante do banco traseiro estava armado e a obrigou a entrar no carro. Eles ordenaram que ela não gritasse e ameaçaram atirar caso pedisse socorro.

A adolescente acredita que foi levada até a Barreira do Triunfo, na Zona Norte. Os suspeitos se dirigiram para um cômodo localizado em uma estrada de chão. Segundo a vítima, no local, um dos homens a obrigou a manter relações sexuais com ele. Conforme ela, os bandidos usaram seu telefone para mandar mensagens via WhatsApp para seu namorado e sua prima. Nas conversas, os autores diziam que a vitima estava sob o poder deles, que eles não iriam matá-la, “mas iriam fazer uma maldade e soltá-la no dia seguinte à noite”.

Durante a noite do sequestro, os homens teriam dito à menina que ela foi vítima por morar em um bairro “rival” ao Jardim Gaúcho e que o irmão dela seria amigo de integrantes de uma gangue do Bairro Cidade Nova/Vale Verde. Segundo a adolescente, há cerca de um mês, ela havia sido abordada por um morador do Bairro São Benedito, Zona Leste, que teria dito que ela não devia andar pelas ruas, pois poderia “sofrer uma maldade”, que seria praticada por ele e seus amigos.

De acordo com o relato da vítima, no anoitecer de domingo, os autores teriam dado ordem para ela entrar no automóvel, e se deslocaram até as proximidades do Bairro Jardim Gaúcho, no lugar conhecido como “Alegria do Boi”, onde ela foi libertada. A garota, então, ligou para uma prima que a buscou.

A polícia foi procurada no dia seguinte pela vítima e por sua mãe, que foram até a sede da 32ª Companhia, em Santa Luzia, região Sul. A garota foi levada ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), onde foi submetida a exame de corpo de delito. O resultado foi inconclusivo para conjunção carnal, porém, o material foi enviado para pesquisa de espermatozoide. Foi constatada lesão corporal leve. Os suspeitos não foram encontrados.

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O caso está sendo investigado pela Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres. A delegada Sheila Oliveira informou que já foi aberto inquérito e que mais informações serão repassadas em breve. Em sua página no Facebook, ela se pronunciou sobre o episódio.”Se não bastasse a violência gratuita a qual as mulheres são vítimas, essa adolescente foi escolhida por ser moradora de bairro rival. O caso segue sendo investigado, mas não podemos permitir a banalização desta violência.”

“Assim que ela melhorar, vamos nos mudar”

A Tribuna conversou com a mãe da vítima nesta segunda-feira (24). Mesmo com medo, ela aceitou dar entrevista. Segundo ela, as horas em que a adolescente ficou sob o poder dos criminosos foram de angústia. “Minha filha saiu para buscar um lanche e um produto para mim na padaria e não voltou mais. Ela contou que não entendeu o que estava acontecendo quando os homens a mandaram entrar no carro. Um estava armado e disse que ia matá-la se ela gritasse. Minha filha contou que eles passaram por dentro do Sagrado Coração e depois seguiram pela BR-040. Ela acha que foi levada para a Barreira do Triunfo, para um cômodo minúsculo.”

A mãe contou que a demora da filha em voltar para casa a preocupou. Ela ligou diversas vezes para o celular da filha, sem retorno. “Meu filho foi até o lugar em que ela comprou o lanche e na padaria, mas ninguém a tinha visto mais. O namorado dela também tentou ligar, mandou WhatsApp. Ali já desconfiamos que estava acontecendo alguma coisa. Na madrugada, pouco antes da 1h, os homens responderam e disseram que estavam com ela (ver quadro). Foi um desespero.” Segundo a mulher, nas mais de 20 horas, a filha ficou sem comer e beber água. Ela permaneceu todo o tempo no chão. Os homens usaram drogas, e um deles manteve relação sexual à força com a jovem.

As mensagens afirmavam que o crime estava sendo cometido só pelo fato de a garota morar em um bairro rival. “Eles falaram que aquilo era para dar um susto na Cidade Nova e que era para minha filha não dar bobeira na rua, pois, se fosse pega de novo, não voltaria mais com vida. Na tarde de domingo, ela atendeu um telefonema do namorado. Ela chorava, e os homens a mandavam falar que estava bem. Eles disseram que todos os moradores podiam passar pela mesma coisa.” Uma das mensagens afirma que foi avisado a ela para “não dar bobeira”, e que era só “um susto” para alemão (inimigo) pagar pelo que fizeram com nosso mano (sic)”. Na mesma mensagem, os criminosos dizem que o Jardim Gaúcho iria “invadir” os bairros Cidade Nova e Vale Verde.

A mulher relatou que a filha foi abandonada no ponto chamado de “Alegria do Boi” e ligou para uma prima. A menina chegou com o pescoço machucado, a roupa rasgada e com dores nas pernas e barriga, devido aos socos. A mãe disse que a filha está acamada. “Ela ficou debilitada. Como moradora, me sinto impotente e revoltada. Moro aqui há anos, e hoje a gente não pode mais andar livremente. Não podemos sair de madrugada nem para ir a um médico. O próprio gerente do posto de saúde fala para não ficarmos na fila para marcar consulta de madrugada, pois é perigoso. Quando estivermos melhor, vou me mudar daqui. Não tem como ficar. Não dá”, desabafou.

Caso grave
Subcomandante da 32ª Companhia da PM, que responde pelo patrulhamento da Zona Sul, tenente Luiz Orione, afirma que a rivalidade entre gangues é algo que a corporação vem trabalhando para acabar. Segundo ele, projetos de cunho social para jovens vêm sendo desenvolvidos na Zona Sul, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) e Jovens para Futuro, o qual conta com aulas de música, jiu jitsu e artesanato ministradas por policiais e voluntários. “Jovens desses bairros não têm acesso a esse tipo de atividade e, devido a isso, envolvem-se nessa rivalidade sem fundamento. Esses projetos tentam, até por meio do contato entre policial e adolescente, eliminar essa rivalidade, que provoca esse tipo de tragédia.”

No que diz respeito à repressão, o militar destaca que a PM vem identificando autores, acompanhando as ocorrências, a fim de efetivar prisões e mapear as causas. “Também acompanhamos as redes sociais para traçar estratégias de prevenção e tentar evitar novos casos”. Sobre a ocorrência envolvendo a adolescente, ele classificou o episódio como grave, mas atípico. “Acreditamos que não vai se tornar corriqueiro. Foi pontual e grave e estamos tomando todas as providências e trabalhando para que isso não vire uma conduta que coloque em risco os moradores.”

*Colaborou Marcos Araújo

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