LUTO: Morre Juracy Neves, fundador do Grupo Solar
Médico e empresário, Juracy idealizou o jornal Tribuna de Minas há 39 anos, além de rádios, empreendimentos imobiliários e a Esdeva Indústria Gráfica
O empresário Juracy Neves morreu na manhã desta terça-feira (22), em Juiz de Fora, aos 88 anos, vítima de parada respiratória. Idealizador do jornal Tribuna de Minas, Juracy foi fundador do Grupo Solar de Comunicação – hoje formado pelo próprio jornal, além das rádios Mix (88,9 FM) e CBN Juiz de Fora (91,3 FM) – e ainda da Esdeva Indústria Gráfica, conhecida como uma das maiores do seu segmento na América Latina. Juracy também teve notoriedade na construção civil, com lançamentos de edifícios e loteamentos que, posteriormente, se transformaram em bairros de Juiz de Fora. Além disso, foi provedor da Santa Casa de Misericórdia da cidade e fundou o Teatro Solar.
A morte de Doutor Juracy, como era conhecido, repercutiu em todos os segmentos da cidade ao longo desta terça-feira, como nos meios empresarial, médico, artístico e da comunicação.
Para evitar aglomerações contrárias ao momento de pandemia, a família decidiu não realizar velório, e Juracy foi sepultado às 15h30 da tarde desta terça, no Cemitério Parque da Saudade, fundado por ele quando esteve à frente da Santa Casa de Misericórdia. Segundo informações da família, seu jazigo estava escolhido desde a criação do cemitério.
Bastante emocionados, os filhos agradeceram as centenas de mensagens de carinho e afeto recebidas ao longo do dia. Juracy deixa esposa, cinco filhos, oito netos e duas bisnetas.
Pioneirismo de um empreendedor
Historicamente, Juiz de Fora se fez conhecida por seu pioneirismo. Na indústria, na cultura e em tantos outros setores. De uma forma ou de outra, esta característica da cidade que o adotou influenciou de forma significativa na trajetória de Juracy Neves. Ele foi, ao mesmo tempo, um pioneiro e um visionário, que deixa para a cidade um legado atemporal. “Realmente a planície é o habitat dele. Ele olha sempre para a frente”, resumiu o editor geral da Tribuna de Minas e biógrafo de Juracy, Paulo Cesar Magella, autor do livro “O homem da Planície”, lançado em 2019.
Com um vasto trabalho em diversas áreas, Juracy Neves foi um dos maiores realizadores de Juiz de Fora nas últimas décadas. Médico por formação e professor de filosofia por paixão, atuou em diversos setores de nossa sociedade. Com destaque para a construção civil, segmento em que contribuiu para o surgimento e o desenvolvimento de vários bairros da cidade; a medicina, em que foi responsável pela implementação do primeiro hospital oncológico; o setor gráfico, com o estabelecimento da Esdeva; e a comunicação social, com a criação do Grupo Solar de Comunicação, um dos maiores do segmento de uma cidade do interior do país e que, hoje, reúne a Tribuna de Minas, impresso e on-line, e as rádios CBN Juiz de Fora e Mix FM.

Trajetória
A história de Juracy Neves e sua trajetória de realizações indeléveis no desenvolvimento de Juiz de Fora nas últimas décadas têm início na infância em Lima Duarte, passa pela traumática perda do pai, até a mudança para Juiz de Fora. “Minha essência, minha alma, é empreendedora”, é uma das frases autorais em que Juracy resume sua relevância para a cidade, protagonismo este destacado por Paulo César Magella na obra “O Homem da Planície”.
Aos 11 anos, uma fatalidade marcou a vida de Juracy Neves: a perda do pai: José Antunes. A morte precoce deixou viúva a mãe do empresário, Acidália, e órfãos quatro filhos: José, Juracy, Aparecida e Terezinha. “Ele morreu cedo, aos 37 anos. Ele me estimulou muito, pena ter ido embora tão cedo. Depois minha mãe se casou outra vez, e meu padrasto também era bem participativo. Meu pai era um empreendedor nato”, contou, em certa ocasião, o próprio Juracy.
As circunstâncias da vida o trouxeram para juiz de Fora, para onde se mudou com os irmãos, a mãe e o padrasto Benedito (com quem a matriarca teve outros três filhos). E foi na cidade que Juracy escreveu sua história pessoal e profissional, sempre se referenciando nos ensinamentos do pai.
Entre um de seus feitos que mais orgulhavam Juracy estava a passagem pela provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Em dois mandatos, o médico, formado pela primeira turma da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em 1958, trabalhou para a implementação do plano de saúde Plasc, que salvou a instituição da falência.
“O empreendimento que mais me empolgou foi a Santa Casa de Misericórdia. Quando assumi a provedoria, ela estava falida. Fiz uma reunião com os credores e pedi seis meses para pagar todo mundo. Verifiquei que a receita não dava para manter o hospital, era insuficiente. Precisava pensar num ganho extra para a Santa Casa, e eu criei o plano de saúde. O hospital passou a ter duas rendas. Hoje, o Plasc arrecada mais de 50% da receita da Santa Casa. Foi um sucesso. Depois outros hospitais começaram a fazer o mesmo.”
Aliás, a própria vocação de Juracy para a medicina faz referência a sua experiência com o pai. “Tinha ainda 9 anos quando, sob o testemunho do pai, decidiu-se médico”, conta Magella na biografia do empresário. O insight aconteceu quando o jovem Juracy e seu José assistiam a conferência do médico Joaquim Otaviano, em pé na boleia de um caminhão. Formado no Rio de Janeiro e atuante em Juiz de Fora, o profissional de renome, num determinado, bradou: “Se preciso for, largarei o bisturi para pegar a baioneta!”. A frase marcou Juracy de forma definitiva. “Tanto que eu falei com meu pai: ‘Vou estudar medicina!’. Infelizmente ele não pode ver, porque a morte poupou-lhe a vida muito cedo”
O médico
A carreira como médico, todavia, acabou abreviada. “Mantive a força empreendedora dele (Joaquim Otaviano) e mantenho até hoje. Só não dou mais continuidade porque fui vítima de um problema genético. Nasci com as artérias estreitadas nos membros inferiores. Na infância eu sentia muitas dores, dava muitos problemas. Depois vivi bem, até os 83 anos, quando começou a aparecer uma dor intensa nas pernas. Coloquei stents nas duas, mas na direita ele não funcionou direito e teve que ser amputada”, contou o médico recentemente.
Candidatura
Outra passagem destacada foi a candidatura de Juracy à Prefeitura, em 1992. Se a empreitada não resultou em vitória nas urnas, trouxe aprendizado. “O sucesso depende primeiro da oportunidade, segundo, do talento, terceiro, da coragem. Oportunidade aparece para todos, mas é preciso ter talento para saber aproveitá-la e coragem para embarcar. Sou um homem que nunca perdeu uma oportunidade”, considerou Juracy em entrevista concedida ao projeto Diálogos Abertos, do Museu de Arte Murilo Mendes, em 14 de abril de 2009.
Sobre as eleições, mas recentemente, resumiu a experiência com um aforismo. “Concluí que a melhor coisa que fiz na vida foi ser candidato a prefeito. E a melhor coisa que me aconteceu foi perder a eleição”
“Quando estava na Santa Casa, o crescimento do hospital foi tão espantoso que insistiram, então, para eu ser prefeito. Entrei naquela euforia, mas demorei a me convencer de que, correndo a periferia de Juiz de Fora, muitos só pedem as coisas. A cidade não estava preparada para ter um grande empreendedor. Eu queria fazer a diferença. Se eu tivesse vencido, teria entrado nos debates de toma lá, dá cá”, observou o próprio Juracy anos mais tarde.
Comunicação e outros empreendimentos
Na década de 1980, investiu na comunicação e assumiu o controle da Rádio Sociedade de Juiz de Fora, a Super B-3, que mais tarde foi renomeada como Solar AM, 1010, dial que, inicialmente, retransmitiu a CBN Juiz de Fora e que atualmente opera no 91,3 FM.
Em 1981, Juracy Neves fundou a Tribuna de Minas, maior jornal da cidade e um dos principais do país radicado em uma cidade interiorana. Em 1988, surge a Rádio Solar FM, que precedeu a Rádio Mix. Também desenvolveu a Esdeva Indústria Gráfica e investiu na construção civil, sendo responsável por diversas empreitadas, e no movimento cultural da cidade, construindo o Teatro Solar, palco de shows, peças teatrais e vários eventos importantes.

Uma história de muitos legados
“A Santa Casa é um legado. Iríamos ficar sem ela, não fosse o trabalho dele. O Grupo Solar de Comunicação também é outro legado, porque contamos a história de Juiz de Fora desde 1981, registrando cotidianamente. Ele teve o primeiro cursinho pré-vestibular, o Barros Terra, junto do Olamir Rossini, com quem também trouxe o primeiro hospital de câncer. Até então as pessoas morriam aqui, ou quem tinha condições saía para se tratar. As obras da construtora dele são vistas em vários pontos da cidade. Ele construiu três bairros e um prédio que parece uma cidade. Imagina fazer isso nos anos 1970, quando o financiamento era único, do BNH (Banco Nacional da Habitação). Realmente a planície é o habitat dele. Ele olha sempre para a frente”, avaliou o biógrafo de Juracy, Paulo Cesar Magella, na ocasião do lançamento do livro “O Homem da Planície”.
Tal legado pode ser reconhecido em vida e Juracy colecionou prêmios e honrarias. “Tudo o que pretendia realizar, realizei. Mas meus sonhos não eram impossíveis”, afirmou Juracy, em matéria publicada pela Tribuna em 2019. A fala aconteceu durante homenagem prestada a ele pela Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora. “O dr. Juracy é referência para todos nós por sua ética profissional. Se tem alguém que merece um destaque especial nessa comenda, pela trajetória brilhante em Juiz de Fora, é ele”, afirmou o presidente da entidade, Aloísio Vasconcelos, na ocasião.
Ciclo de realizações
Em um texto escrito aos 17 anos, sem ainda ter a dimensão de todas as realizações que levariam a sua assinatura, Juracy revelou-se um visionário também em relação ao próprio futuro. “Prestarei melhor serviço do que for capaz, porque jurei a mim mesmo triunfar na vida e sei que o triunfo é sempre resultado do esforço consciente e eficaz. Finalmente, perdoarei os que me ofendem, porque compreendo que algumas vezes ofendo os outros e necessito de seu perdão”, redigiu, em seu quarto, enquanto os amigos brincavam na rua, no dia 25 de março de 1950.
Há 70 anos, portanto, Juracy prometeu tirar da vida exatamente o que nela colocar. Médico, professor e empresário, entregou para a família, a Juiz de Fora e o mundo uma vida inteira de realizações, ciclo que não se fecha com sua morte e permanecerá de forma indelével no recorte, na formação e na informação da cidade, cuja boa parte das últimas décadas ajudou a construir e a formar a memória histórica e documental.