O trágico acidente na Serra do Bandeirantes, Zona Nordeste de Juiz de Fora, que levou a óbito um menino de 2 anos e deixou a irmã dele, 9, gravemente ferida, foi provocado pela motorista do outro carro, 36, de acordo com a Polícia Civil. A informação foi divulgada pelo titular da 4ª Delegacia e responsável pelas investigações, Rodolfo Rolli, com base no laudo pericial. “O perito afirmou que, realmente, o acidente foi causado porque a mulher, provavelmente, perdeu o controle direcional do veículo e invadiu a contramão”, relatou o delegado, em entrevista à Tribuna nesta terça-feira (22). Ainda segundo ele, seguem fortes os indícios de que a condutora teria ingerido bebida alcoólica antes da batida, ocorrida na noite chuvosa do dia 13, um domingo.
“Ontem (segunda), ouvi cinco testemunhas: três bombeiros e dois policiais. Um bombeiro fala que não sentiu cheiro de álcool, mas viu que a motorista estava muito agitada, andando de um lado para o outro, e com os olhos vermelhos. Outro, não percebeu, porque estava atendendo outras pessoas. Um terceiro, oficial, afirmou ter sentido hálito etílico, além de ver os olhos vermelhos e outros sintomas que demonstram que ela estava sob efeito de substância alcoólica”, detalhou Rolli. “Um PM fala que não percebeu nada demais, enquanto o outro sentiu cheiro de álcool próximo à condutora, que estava agitada, impaciente, com olhos vermelhos e andando de um lado para o outro”, complementa.
Ainda conforme o delegado, havia uma garrafa de cerveja no automóvel causador da batida, que segue à disposição da perícia, para caso haja necessidade de laudo pericial complementar. Mais dois PMs ouvidos nesta terça não acrescentaram informações relevantes, mas Rolli segue com as oitivas de mais duas testemunhas – uma delas arrolada no boletim de ocorrência e outra identificada pelos investigadores. O objetivo é conseguir o máximo de informações acerca do acidente para decidir se a mulher responderá por homicídio culposo na direção de veículo automotor, conforme o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê reclusão de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir, se o agente estiver sob influência de álcool; ou por homicídio com dolo eventual, quando a pessoa assume o risco de produzir o resultado.
De acordo com Rolli, a mulher investigada no acidente responde em liberdade, por não haver elementos jurídicos que indiquem a necessidade de sua prisão. Ele acrescentou que, além de se negar a realizar o teste do bafômetro no momento da batida, o exame clínico para confirmar a ingestão de álcool foi realizado quatro horas depois do acidente, quando a condutora já teria recebido soro no HPS. “Vou verificar junto ao hospital se ela recebeu soro comum ou glicosado.” O delegado também aguarda os depoimentos dos socorristas do Samu mobilizados na ocorrência. “Mandei ofício semana passada e reiterei nesta manhã.” O titular da 4ª Delegacia ainda busca imagens de câmeras de segurança que possam mostrar o momento em que a mulher teria deixado uma festa particular, no Bairro Aeroporto, na Cidade Alta, momentos antes do acidente. “Para saber se ela saiu dirigindo normal ou fazendo zigue-zague”, exemplificou.
Vítimas do acidente
O menino Ângelo Gabriel Rodrigues de Mendonça, de 2 anos, não resistiu aos ferimentos sofridos no grave acidente na Rua Paracatu, na Serra do Bandeirantes, e teve morte cerebral confirmada pela assessoria da Santa Casa de Misericórdia no dia 16. Uma irmã dele, 9, permanece internada no CTI infantil da Santa Casa com ventilação mecânica. O estado de saúde dela ainda é considerado grave, conforme boletim divulgado nesta terça-feira. Segundo o hospital, a família de Ângelo Gabriel decidiu doar os órgãos do garoto.
Ao todo, sete pessoas ficaram feridas no acidente entre dois carros, incluindo as duas crianças, de 2 e 9 anos, que estavam com os pais, de 28 e 29 anos, e mais uma irmã, de 6. O veículo estaria sendo conduzido por um motorista de aplicativo, 29. No outro carro, estava apenas a condutora, de 36. Na noite da ocorrência, ela chegou a ser conduzida para a Delegacia de Plantão, em Santa Terezinha, onde prestou depoimento e foi liberada. A Tribuna não conseguiu contato com a defesa da investigada, mas o espaço segue aberto à manifestação.
Mortes violentas e facções criminosas
Além do óbito do garoto de 2 anos em decorrência do acidente na Serra do Bandeirantes, o mês de outubro em Juiz de Fora está marcado por uma série de mortes violentas, algumas delas ligadas a facções criminosas. A primeira ocorrência deste período, ainda em investigação para confirmar se é homicídio, foi registrada no dia 5 no km 186 da Estrada União Indústria, na altura do Bairro Vila Ideal, na Região Sudeste. Um cadáver foi encontrado próximo a uma pedreira, em local de difícil acesso, já em estágio avançado de putrefação. Segundo o boletim de ocorrência da PM, a vítima foi identificada como sendo um motorista de aplicativo, de 33 anos. Ele estaria desaparecido desde o dia 28 de setembro. O carro usado pela vítima no trabalho havia sido abandonado próximo ao local e foi localizado no dia 30.
Também no dia 5, o dono de um bar, 47, morreu alvejado dentro de seu estabelecimento, na Rua Ana Cândida, no Bairro Linhares, Zona Leste. Imagens da câmera de segurança mostraram a chegada de dois criminosos armados, que efetuaram diversos disparos à queima-roupa. O comerciante ainda tentou correr e caiu próximo ao balcão. A dupla, entretanto, se aproximou da vítima e continuou atirando, em ato típico de execução. Uma moto, que teria sido usada na fuga, foi achada pela polícia, mas ninguém foi preso. Conforme a PM, o homem assassinado era “conhecido no meio policial devido ao seu envolvimento com o tráfico de entorpecentes, e também há diversas denúncias ao 181 acerca do comércio de drogas no local, em que o próprio figura como responsável pela venda do material ilícito”.
Na mesma noite, cerca de meia hora depois, outro homem, da mesma idade, foi morto a tiros enquanto saía do trabalho na Rua Américo Lobo, no Bairro Centenário, Zona Nordeste. A vítima teria terminado o turno em uma empresa de ônibus e estaria indo embora, quando um dos bandidos se aproximou da portaria, chamando por seu nome. Em seguida, ele e o comparsa abriram fogo. A vítima foi atingida por cinco disparos, sendo três na cabeça, um na face, e um no tórax. Ação de integrantes de facção criminosa do Rio de Janeiro é a causa presumida pela PM, porque o homem já estaria sofrendo ameaças e havia registrado BO, mas o caso segue em investigação.
No dia 8, um homem, 44, foi alvejado na Rua Maria Luiza Alves, no Bairro Marumbi, na Zona Leste. Ele chegou a ser socorrido por vizinhos até o HPS, mas não resistiu. Cinco disparos foram ouvidos, e o alvo sofreu perfurações no tórax e braços. Um suspeito, 33, foi apontado e seria parente da vítima. A motivação do crime seria um desentendimento anterior entre os envolvidos.
Já no dia 13, crianças encontraram o corpo de um bebê, em estado avançado de decomposição, quando brincavam em uma trilha que liga os bairros Borboleta e Nova Germânia, na Cidade Alta. Segundo a PM, só foi possível identificar, “aparentemente”, o crânio, parte do tórax e uma perna, sem ter como precisar raça, sexo, idade e demais características. Uma funerária encaminhou os restos mortais ao Posto Médico Legal, e a ocorrência continua sendo investigada.
A ação criminosa fatal mais recente aconteceu dia 18, quando um homem, 33, foi espancado até a morte no Bairro Santa Efigênia, Zona Sul. A vítima foi encontrada em um escadão entre as ruas Adail Alevato e Clóvis Jaguaribe dos Santos, com edemas na mão direita e sangramento em face e cabeça. A motivação do assassinato não foi informada e nenhum suspeito foi detido.
Outros atentados não fatais também chamaram a atenção em outubro. No dia 15, um homem com tornozeleira eletrônica foi vítima de tentativa de homicídio a tiros no Bairro Sagrado Coração, Zona Sul. Na véspera, um jovem, 23, foi encontrado com sinais de agressões a pauladas, próximo a um barranco com vegetação densa, no Bairro Granjas Bethânia, região Nordeste. No dia 9, um bando em três veículos fez diversos disparos no Bairro Santa Rita, Zona Leste. Duas casas teriam sido alvejadas, e adolescentes de 12 e 15 anos estavam em uma delas. O mais velho foi atingido de raspão. Um suspeito, 28, foi preso em flagrante.
A Tribuna questionou a Polícia Militar sobre a explosão de crimes violentos que resultaram em óbitos neste mês, as possíveis conexões e motivações, e as ações tomadas para frear a escalada da violência na cidade, mas não recebeu retorno até o fechamento desta matéria. Já a Polícia Civil informou ter instaurado quatro inquéritos de homicídios consumados e três de tentativas de assassinato. Pelo menos dois dos casos estariam ligados a facções criminosas. Brigas de bar e familiar, além de vingança da honra também estão entre as motivações.
Ainda neste mês, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em conjunto com a PM, deflagrou a Operação Alfa, com o objetivo de desarticular, combater e prender integrantes de organizações criminosas envolvidas com tráfico de drogas, homicídios, porte e comercialização de armas de fogo em Juiz de Fora. Foram cumpridos 17 mandados de prisão temporária, com 16 suspeitos presos e um foragido, além de 23 mandados de busca e apreensão. Na cidade, a operação se concentrou no Bairro Santo Antônio, Zona Sudeste, e resultou na prisão de duas das principais lideranças de grupos ligados a facções do Rio de Janeiro e de São Paulo, além de um policial penal, que atuaria como aliado dos criminosos dentro do sistema prisional. Ao longo de 18 meses, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Diretoria de Inteligência da PM mapearam e identificaram a tentativa de estabelecimento de grupos pertencentes a facções criminosas na cidade. As instituições afirmaram que houve, entre 2021 e 2022, um aumento de 55% no número de homicídios no município envolvendo disputa territorial dessas facções por tráfico de drogas: em 2021 foram registrados 47 homicídios, enquanto em 2022 esse número saltou para 73.