Quatro policiais civis de SP estão presos na Nelson Hungria
Grupo envolvido em tiroteio que matou o policial juiz-forano Rodrigo Francisco teve prisões preventivas decretadas pela Justiça; suposto estelionatário baleado no pé está no Ceresp
Os quatro policiais civis de São Paulo autuados em flagrante por lavagem de dinheiro após envolvimento no tiroteio que resultou na morte do policial juiz-forano Rodrigo Francisco, 39 anos, no estacionamento do Centro Médico Monte Sinai, foram acautelados, na manhã desta segunda-feira (22), no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles tiveram as prisões preventivas decretadas pela Justiça após audiência de custódia, realizada na tarde de domingo (21). O juiz presidente do Tribunal do Júri, Paulo Tristão, também transformou em preventivas as prisões em flagrante do suposto estelionatário e comerciante Antônio Vilela, 66, que seria responsável pelos R$ 14 milhões apreendidos (a maioria em notas falsas) e ferido com um tiro no pé, e do dono de uma empresa de segurança privada paulista, Jerônimo da Silva Leal Júnior, 42, que sofreu múltiplas perfurações no abdômen. Segundo a assessoria do Monte Sinai, este último permanece internado na UTI do hospital, em estado grave e sedado, porém estável.
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Os delegados paulistas Bruno Martins Magalhães Alves, 30, e Rodrigo Castro Salgado da Costa, 31, assim como os investigadores de SP Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, 36, e Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, 50, são os que estão na Penitenciária Nelson Hungria, segundo informações confirmadas pela Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap). Já Antônio Vilela, conforme a pasta, deu entrada no Ceresp de Juiz de Fora na noite de domingo, após ter alta médica. Ele foi autuado por tentativa de estelionato e é morador de Coronel Fabriciano (MG), no Vale do Aço. Jerônimo vai responder por homicídio qualificado, porque teria disparado os tiros que tiraram a vida de Rodrigo Francisco, conhecido como Chicão.
No entanto, novas hipóteses, como a do envolvimento de outros policiais de São Paulo no crime de homicídio, estão sendo investigadas, já que mais de 30 tiros foram disparados dentro do estacionamento, cerca de 20 deles contra o policial mineiro morto.
Flávio de Souza Guimarães, que estaria sendo escoltado pelo grupo paulista, ainda é procurado pela polícia. Ele conseguiu deixar o município em uma aeronave particular ou fretada com destino a São Paulo, teoricamente levando os dólares que seriam trocados por reais. Contra ele foi decretada medida cautelar, proibindo sua saída do país. O executivo Roberto Uyvare Júnior e uma terceira pessoa, identificada apenas como Mário, que seria advogado, também teriam vindo da capital paulista e estariam juntos na negociação prévia em um hotel próximo ao hospital, mas os destinos deles após o tiroteio não foram esclarecidos. A suspeita é de que conseguiram deixar a cidade junto com o doleiro.
Os três policiais civis de Minas que sobreviveram à troca de tiros, o escrivão Rafael Ramos dos Santos, 30, e os investigadores Leonardo Soares Siqueira, 43, e Marcelo Matolla de Resende, 45, também estão sendo investigados, mas estão soltos, embora tenham sido afastados “dos serviços de rua”, segundo o chefe do 4º Departamento da Polícia Civil, Carlos Roberto da Silveira. De acordo com a assessoria da Polícia Civil em BH, a Corregedoria esteve no local na data dos fatos, e será aberto procedimento interno para apuração em relação à conduta dos servidores. A investigação ocorre paralelamente ao inquérito, no qual o trio foi autuado por prevaricação. O crime, previsto no artigo 319 do Código Penal, estabelece detenção de três meses a um ano para quem “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Embora a assessoria não esclareça os detalhes do delito supostamente praticado pelos policiais mineiros, a participação deles na operação clandestina foi apontada pelos policiais civis de São Paulo durante a audiência de custódia no Fórum. Eles estariam fazendo escolta para o empresário mineiro, prática proibida a agentes de segurança pública. O chefe do 4º Departamento de Polícia Civil de Juiz de Fora, Carlos Roberto da Silveira, informou que, tão logo o inquérito seja concluído, será remetido para a Corregedoria em Belo Horizonte, a fim de que a “transgressão disciplinar seja apurada”. Ele esclarece que caberá à Corregedoria de Polícia Civil decidir quais providências serão tomadas em âmbito administrativo contra os agentes mineiros, caso a participação deles no esquema seja comprovada. As punições variam entre advertência e até a perda do cargo.
A princípio, eles já foram autuados por prevaricação, crime previsto no artigo 319, do Código Penal, que diz que o crime de prevaricação é retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. O chefe do 4º Departamento de Polícia Civil acrescentou que “eles deveriam ter explicado à chefia o que estariam fazendo no local, o que não foi feito.”
Carro de policial é visto próximo a hotel
A tese sustentada pelo trio de policiais mineiros é que, junto com Rodrigo Francisco, teria ido ao local atender a uma denúncia de pessoas armadas, o que é desconhecido pelos seus superiores. Além disso, o carro de um dos policiais envolvidos teria sido fotografado no entorno do hotel onde os policiais paulistas estavam desde o horário do almoço, ou seja, mais de quatro horas antes do confronto armado, o que desconstrói a fortuidade da presença deles no local da ação criminosa. Os policiais de Minas foram liberados após assinarem termo de compromisso para comparecerem à audiência no Juizado Especial, no dia 1º de novembro, às 9h20.
Outros cinco policiais de SP identificados no esquema foram liberados, porque não estariam realizando a escolta no momento da negociação, mas também foram autuados por prevaricação, segundo a Justiça. São eles: o carcereiro Leandro Korey Kaetsu, 38, os agentes Cristhian Fernandes Ferreira, 44, e Cezar Raileanu, 47, os investigadores Marcelo Palotti de Almeida, 41, e Eduardo Alberto Modolo Filho, 31.
Segundo a assessoria da Polícia Civil de São Paulo, delegados da Corregedoria e do Departamento de Polícia Judiciária da Capital paulista estão em Juiz de Fora para “apurar todas as circunstâncias do caso e verificar o que os agentes faziam na cidade fora do horário de trabalho”. Ainda conforme a instituição, “comprovados desvios de conduta, os policiais envolvidos responderão administrativa e criminalmente, de acordo com os atos praticados por cada um”.
Um grupo no WhatsApp teria sido criado pelos policiais paulistas especificamente para discutir a operação que ocorreria em Juiz de Fora.
Armas e munições
Além dos quase R$ 15 milhões em notas falsas, a PC informou ter apreendido celulares, armas, munições e veículos. As investigações continuam em Juiz de Fora, sob responsabilidade do delegado Armando Avolio Neto. Dois carros foram alvejados durante o tiroteio no estacionamento. Um Honda Fit, que foi atingido na porta dianteira direita, e um Prisma, que teve um tiro na lataria abaixo da porta dianteira esquerda e outro na roda dianteira esquerda.
“Clamor público e perplexidade”
Ao decretar as prisões preventivas dos envolvidos, o juiz Paulo Tristão destacou que os fatos “causaram grande clamor público e perplexidade, abalando gravemente a ordem pública e causando forte sentimento de indignação e insegurança, expondo a cidade ao noticiário nacional”: “O abalo da população tornou-se ainda maior com a apreensão de R$ 14 milhões em notas falsas e, ao tomar conhecimento que os policiais civis de São Paulo não estavam aqui como agentes públicos, mas ‘fazendo bico’, na escolta privada de um empresário”.
De acordo com o magistrado, Flávio saiu de São Paulo, em avião particular, para realizar um ‘negócio’ milionário em Juiz de Fora, junto a Roberto Uyvare Júnior (dono de empresas situadas na França, Espanha e Brasil), e Jerônimo, que seria irmão do policial civil Jorge Alexandre e proprietário de empresa de segurança, do delegado de SP Rodrigo Castro e do advogado Mário Garcia Júnior. Em dois automóveis alugados, também saíram de SP, por volta de 1h de sexta, os outros oito policiais envolvidos. Em uma espécie de “escolta vip”, eles estariam fortemente armados, portando armas de grosso calibre, carregadores e muitas munições, além de radiocomunicadores e coletes à prova de balas.
Segundo o juiz, eles “se hospedaram em um hotel próximo ao local dos fatos, o mesmo em que, no lobby, o doleiro Flávio, o empresário Roberto e Mário Garcia Júnior passaram a negociar com Antônio Vilela e um homem não identificado”. Este último teria passado pelos policiais civis de Juiz de Fora, na rampa do Hospital Monte Sinai, após os disparos ocorridos no estacionamento, e “curiosamente não foi por eles preso, apesar de avisados pelos policiais paulistas de também estar envolvido na negociação”. Ele seria intermediário da negociata e captador de clientes, no ramo imobiliário de imóveis rurais. Até agora, esse intermediário não foi identificado.
De acordo com os autos, depois de deixarem o hotel, antes da troca de tiros, o delegado Rodrigo, o doleiro Flávio e o dono de empresa de segurança Jerônimo caminharam com o homem não identificado e se encontraram com Antônio Vilela em uma cafeteria. Em seguida, foram para o estacionamento do hospital, para onde também seguiram mais quatro policiais civis de SP. Os demais já estavam na rodovia retornando para SP, porque teriam sido liberados da escolta.
Os disparos teriam ocorrido em um “desacerto” após os policiais civis de Juiz de Fora, na versão deles, terem chegado ao local dizendo querer saber o que estava acontecendo. Os tiros teriam sido muitos e não teriam partido apenas de Rodrigo e Jerônimo. “As malas com o dinheiro foram apreendidas dentro do veículo Ethios, placas de Belo Horizonte, que estava no estacionamento, cujo proprietário não constou no boletim de ocorrência”, destacou o juiz. “O suposto doleiro Flávio, o empresário Roberto, Mário e os demais não identificados, não foram presos ou mesmo levados à delegacia, conseguindo fugir sem prestarem esclarecimentos”, concluiu Paulo Tristão, classificando os fatos como “graves e complexos”.
‘A serviço de criminosos’
“Os policiais civis de São Paulo não vieram simplesmente fazer ‘um bico’. Estavam a serviço de criminosos, tidos inicialmente como doleiros e pessoas envolvidas com dinheiro falso em grandes proporções”, enfatizou o magistrado Paulo Tristão. “Da mesma forma que os de São Paulo fizeram uso da proteção de policiais civis daquele estado, para sua segurança e proteção, ante os milhões que seriam negociados, seria de se esperar que os ‘negociantes’ daqui também tivessem a mesma preocupação, principalmente pelos indícios de que Antônio Vilela seria o proprietário da vultosa quantia em notas falsas”, continuou o juiz na sua decisão.
Para ele, o chamado desacerto “ocorreu depois que os ‘negociantes’ de São Paulo detectaram a falsidade, reforçando o argumento de que precisavam mesmo de segurança e proteção”. Os indícios são de que todos os envolvidos “tinham ciência da ilicitude da ‘negociação’ e da falsidade das notas”.
O veículo onde estavam os policiais civis de Juiz de Fora foi visto e fotografado pelo policiais paulistas, na manhã de sexta, parado em frente ao hotel em que estavam hospedados. “Em tese, isso poderia afastar a alegação de terem agido para averiguação do que estava ocorrendo no estacionamento do hospital, no exercício de suas funções e não na segurança de Antônio Vilela”. Conforme Tristão, os policiais mineiros não integram a mesma equipe e não teriam motivos de estarem atuando juntos.
O laudo de necropsia de Rodrigo ainda não foi divulgado para saber se os disparos partiram de armas diferentes. Os armamentos dos envolvidos foram recolhidos para exames de balística, “sendo precipitado dizer se foi Rodrigo quem atirou em Jerônimo e vice-versa”. Rodrigo foi morto com 20 tiros.
MP questiona versão de policiais de MG
A audiência de custódia teve início às 16h de domingo (21) no Fórum Benjamin Colucci. A entrada foi restrita às partes, seus advogados e representantes de cada polícia. Os depoimentos foram gravados e filmados. Após a oitiva dos presos em flagrante, com exceção dos dois internados, o Ministério Público se manifestou, por meio da promotora Rita de Cássia Graziosi Gama: “Não vislumbro vícios a justificar o relaxamento das prisões, já que tratam-se de crimes dolosos punidos com penas privativas de liberdade superior a quatro anos e também há prova da materialidade e indícios da autoria, não só com relação aos homicídios tentados e do consumado, mas também dos delitos de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, quadrilha armada ou até mesmo de uma organização criminosa”.
Conforme o auto de prisão em flagrante, o executivo do ramo da engenharia e construção Flávio de Souza Guimarães, que se apresentou à Corregedoria em São Paulo, estava na cidade acompanhado de oito policiais civis de São Paulo e do dono de uma empresa de segurança privada, Jerônimo da Silva Leal, que prestavam o serviço de escolta particular. Por volta das 16h de sexta, o empresário e cinco seguranças chegaram ao estacionamento subterrâneo do Centro Médico Monte Sinai. Eles encontrariam com o comerciante de Coronel Fabriciano e suposto estelionatário Antônio Vilela, de quem receberiam R$ 14 milhões. No decorrer da negociação, surgiram quatro policiais civis de Minas, entre eles Rodrigo Francisco. Teoricamente, segundo os autos, os policiais mineiros teriam abordado o outro grupo, ocasionando a troca de tiros, que culminou na morte do policial civil Rodrigo Francisco e em ferimentos em Jerônimo e Antônio Vilela.
Segundo declarações dos policiais de Minas, os primeiros disparos foram realizados pelo dono da empresa de segurança privada, Jerônimo, contra o policial civil Rodrigo, que também teria atirado, revidando o ataque. “O fato é que todos os autuados estavam naquele local certos da negociação, e os policiais de Minas sabiam da probabilidade de um entrevero, já que grande parte das notas em dinheiro era falsa, e a negociação ilícita realizada entre Antônio Vilela, doleiro, e outro indivíduo não identificado, com empresários paulistas, envolvia vultosa quantia em dinheiro falso”, destaca o MP. “Ao que tudo indica, Antônio Vilela era o dono da quantia em dinheiro apreendida, com notas verdadeiras e falsas, e que estaria sendo ‘escoltado’ pelo policiais mineiros, ante as declarações dos policiais civis de São Paulo”, acrescenta a promotoria, com base também em uma fotografia.
O Ministério Público também ressaltou o fato de os policiais mineiros teriam sido vistos em um hotel próximo ao centro médico na manhã do mesmo dia (19), “colocando em xeque a versão apresentada por eles de que receberam informações de que havia pessoas armadas no local e para lá se dirigiram para averiguação”. Os paulistas enfatizaram que os investigadores de Juiz de Fora não chegaram a deter o indivíduo não identificado, mesmo ele tendo passado por eles no estacionamento, “o que reforça mais uma vez que não estavam ali para atendimento de ocorrência policial”.
Por outro lado, reforça a promotora, os empresários paulistas estavam sendo “escoltados” pelos policiais civis de São Paulo, estando todos os dois grupos “fortemente armados”. Para o MP, “quem faz escolta armada para realização de negociação ilícita assume o risco da ocorrência de disparos e do resultado morte, principalmente em se tratando de agentes da Segurança Pública, que deveriam saber para que foram contratados e o que seria feito”. Além de pedir a manutenção das prisões em flagrante, o MP requereu medida cautelar de proibição de Flávio se ausentar do país e considerou “temerária” a não confirmação do flagrante dos policiais civis de Minas, “pois, ao que tudo indica, estavam envolvidos na negociação ilícita que resultou nos homicídios consumado e tentados, além de estarem nos locais dos disparos de forma suspeita, indicando suas possíveis participações nos crimes dolosos contra a vida, ao menos a título de dolo eventual, na lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e prevaricação”.
Defesa pede transferência de paciente
A defesa do dono de uma empresa de segurança privada, Jerônimo da Silva Leal Júnior, gravemente ferido no tiroteio entre policiais civis mineiros e paulistas, pediu à Justiça para que ele seja transferido “para um dos hospitais de confiança da família”, citando o Albert Einstein ou o Sírio e Libanês, ambos na cidade de São Paulo. O objetivo seria garantir a sua recuperação e integridade física. O pedido, no entanto, foi indeferido pelo juiz Paulo Tristão.
O advogado também pediu autorização para familiares poderem visitar o investigado, ainda que mediante a presença de agentes penitenciários. O magistrado autorizou a entrada da mãe, da esposa e dos filhos. A escolta policial será mantida durante a visitação. A família do paciente foi procurada, mas não quis se pronunciar sobre o ocorrido. “Não queremos falar com a imprensa nesse momento. Precisamos de privacidade e, infelizmente, a imprensa não está respeitando isso”, declarou a família.
Tópicos: polícia / tiroteio entre polícias