Lentidão no trânsito revela estrangulamento na Cidade Alta
Quem se locomove mais rápido, o veículo ou o pedestre? A resposta parece óbvia, mas não é. Na Cidade Alta de Juiz de Fora, o automóvel é o meio mais lento, pelo menos em horários considerados de pico, nas duas principais vias do Bairro São Pedro: a Rua José Lourenço Kelmer e a Avenida Presidente Costa e Silva, ambas caminhos para se chegar ao Pórtico Norte da UFJF. Para esta conclusão, a Tribuna fez o experimento nas duas primeiras quartas-feiras de abril, em horários considerados de pico, para ambas as vias, baseando-se em informações de plataformas como Google Maps e Waze. Na José Lourenço Kelmer, o repórter venceu um percurso de aproximadamente 850 metros, até a Universidade, às 18h, em 7 minutos e 10 segundos, enquanto o carro da reportagem levou quase o dobro do tempo, com 13 minutos e 58 segundos. Já na Costa e Silva, às 13h, a diferença foi menor, de 2 minutos e 29 segundos, mas ainda assim emblemática, já que o pedestre também foi o mais rápido ao percorrer 450 metros até o pórtico. Para comerciantes e especialistas ouvidos pelo jornal, um binário pode ser a solução. Há relatos de motoristas que ficam até 25 minutos em momentos de pico pela manhã e no horário do almoço presos em congestionamentos na José Lourenço Kelmer.
A situação retratada permite concluir aquilo que todos aqueles que dependem das vias da Cidade Alta já sabem, ou seja, a estrutura viária está estagnada. Se há cerca de 40 anos a região era pouco adensada e habitada por poucas pessoas, hoje ela é, claramente, uma das que mais cresce na cidade. Prova disso são os recém-lançamentos imobiliários no entorno do Bairro São Pedro e o seu constante e acelerado processo de verticalização, recebendo empreendimentos com condomínios de centenas de apartamentos. Tudo isso é somado ao trânsito de passagem, pois o anel viário da UFJF também é utilizado como ligação entre regiões da cidade, como moradores das regiões Norte e Nordeste que querem chegar à Zona Sul sem passar pelo Centro.
Região cresce
Dados do Censo feito em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Bairro São Pedro e o seu entorno, como Martelos, Aeroporto, Novo Horizonte e Nova Califórnia, abrigavam, naquele ano, população estimada em 25 mil pessoas. Desde então, a estimativa é que a população de Juiz de Fora tenha crescido 8,4% até 2016. Não é possível saber se a Cidade Alta aumentou nesta mesma proporção, mas a fim de comparação, caso positivo, ela abrigaria hoje mais de 27 mil pessoas, embora se saiba que somente três novos condomínios no São Pedro tenham atraído cerca de 900 novas famílias para a região. Outro, em construção, tem previsão de mais de 250 novas propriedades. Além disso, a UFJF, que também teve expansão nos últimos dez anos, tem um público aproximado de 21 mil pessoas, entre alunos, servidores e docentes, além de outras pessoas atraídas por serviços e outras demandas fornecidas pela instituição de ensino.
Os trechos experimentados pelo jornal não foram escolhidos por acaso. A definição se deu na observação de que existe uma via subutilizada paralelamente às ruas José Lourenço Kelmer e Costa e Silva. Trata-se do segmento de duas faixas de circulação existente ao lado do trecho da BR-440, cujas obras estão paradas. Embora com pavimento irregular, a Avenida Pedro Henrique Krambeck já é a preferência de muitos usuários para fugir dos gargalos de quem trafega do Centro em direção aos bairros da região.
Comércio prejudicado com o trânsito
Luiz Carlos Rezende, 53 anos, é proprietário de uma loja de material elétrico na Avenida Presidente Costa e Silva há mais de uma década. Nos últimos anos, ele vive um dilema, afinal o seu comércio está em uma área considerada privilegiada, com grande fluxo de veículos e pedestres, mas isso não é razão para comemorar. Segundo ele, desde as adequações viárias feitas na região do Bairro São Pedro, a mobilidade na Cidade Alta piorou muito. Em frente ao seu estabelecimento, por exemplo, era possível estacionar até nove carros, com vagas demarcadas a 45 graus. Hoje cabem quatro. “Isso prejudica muito, porque o cliente não aceita mais parar longe e vir andando até a loja. Ele prefere comprar em outro lugar. Pior de tudo é o horário de pico, como no fim da tarde e pela manhã, pois a via fica totalmente parada, e isso também prejudica o comércio”, disse.
Proprietário de uma drogaria na Costa e Silva, Rodolfo Toledo, 25, lamentou, ainda, que a falta de vagas suficientes para o comércio em expansão gera abusos por parte dos condutores. “Aqui em frente tem uma placa de parada permitida por dez minutos, mas muitos motoristas estacionam o veículo o dia todo. A verdade é que a UFJF cresceu muito, assim como toda esta região, e este trânsito não comporta mais. Esta conta não fecha, e algo precisa ser feito porque está ficando horroroso.”
Alternativas
Sair do gargalo é a busca de muitos moradores e estudantes que dependem do trânsito do São Pedro. Quem chega ao bairro, subindo da Estrada Engenheiro Gentil Forn em direção à UFJF, pode usar, por exemplo, a Avenida Pedro Henrique Krambeck, paralela à BR-440. O pavimento é irregular, mas a baixa adesão pela via já é atrativo para muitos. O problema está no retorno para a Rua José Lourenço Kelmer, pouco antes do Pórtico Norte da Universidade. Isso é feito pela Rua Adolfo Kirchmaier, onde há um posto de gasolina na esquina. Neste local, o cruzamento de veículos tira a paciência de muitos, e pequenos acidentes são constantes. Quem confirma as batidas é a também comerciante Deyse Macedo, proprietária de uma loja agropecuária nas proximidades. “Os clientes reclamam muito deste tumulto”, disse.
Na direção contrária, da Cidade Alta para a Zona Sul, muitos já dão a volta em direção ao Estádio Municipal, passando pelo Dom Orione. Mesmo com maior quilometragem, a possibilidade de cair em retenções é menor.
Especialista tem projeto pronto para binário
Faz cerca de dez anos que o professor da UFJF José Alberto Castañon doou para a Prefeitura um projeto de circulação urbana para a Cidade Alta de Juiz de Fora. Segundo ele, a ideia tinha dois objetivos principais, que era otimizar o tráfego nas ruas e avenidas da região e, ao mesmo tempo, reduzir o fluxo de passagem dentro do anel viário do campus. Castañon, que é doutor em engenharia de transportes e especialista em ergonomia, estuda e faz pesquisas sobre este trânsito há mais de uma década, sendo, inclusive, o responsável pela única grande reforma feita no anel, ainda na gestão da então reitora Margarida Salomão, hoje deputada federal. Na época, a circulação interna foi transformada em mão única, com a criação de faixas elevadas de travessia. “Se isso não tivesse sido feito naquela época, hoje estaríamos, de fato, vivenciando o caos.”
Conforme o professor, o projeto entregue para a Settra, quando o prefeito ainda era Custódio Mattos (PSDB), constituía na criação do binário entre as ruas Costa e Silva e José Lourenço Kelmer, além da Avenida Pedro Henrique Krambeck, criação de faixas exclusivas para o transporte público, ciclovias, alargamento dos pórticos e impeditivos ao fluxo de passagem dentro da instituição. A circulação viária seria alterada, segundo ele, a partir da região próxima ao trevo de acesso ao Morro do Imperador, prosseguindo em direção à UFJF. No Pórtico Sul, o contorno viário também seria implantado, com adequações em vias próximas ao Estádio Municipal até chegar à Avenida Presidente Costa e Silva. A ideia era que os condutores fizessem um percurso até maior, mas com mais velocidade e sem retenções. “Queria dificultar o tráfego interno, inclusive com cancelas para identificar os veículos que estariam circulando por aqui. Não tem mistério, e é, inclusive, praticamente o esquema implantado no vestibular.”
Em 2010, segundo ele, quando uma grande contagem volumétrica foi feita na região, ele e sua equipe descobriram que 40% do trânsito interno não tinham a Universidade como destino. “E estes 40% não se justificariam pelos condomínios da região, e foi quando descobrimos que este trânsito vem, também, da Zona Norte, sendo alternativas daquela população para chegar no Centro e Zona Sul.”
‘Vai morrer gente’
Castañon não tem dúvidas com relação ao futuro da Cidade Alta, se nada for feito. “Vai morrer gente, e não será de acidente de trânsito. Vai morrer porque vai chegar o momento de um condutor sair do carro e dar tiro em outro. A situação está muito complexa”, avaliou. Por esta razão, o professor é taxativo ao dizer que o binário é a melhor solução para o momento. O especialista explicou que, no planejamento viário, as vias urbanas vão evoluindo conforme a necessidade de mobilidade e segurança. “O caminho natural da capacidade de uma via é mão dupla, depois mão única, binário até chegar à necessidade de obras. Quer um exemplo? A Rua Doutor João Pinheiro (Morro da Glória) não suporta mais mão dupla, e por muito pouco não temos acidentes graves constantes naquele lugar.”
Mesmo assim, o binário não resolveria todos os problemas, já que, na sua estimativa, os gargalos seriam transferidos. De acordo com ele, ao tirar o incentivo do tráfego local, problemas poderiam ocorrer em outras vias de circulação, como a Avenida Olegário Maciel. “Não existe solução pontual. O que se faz é ir dando alternativas pontuais até que se chegue ao extremo, ou seja, proibir a circulação de carros.”
Solução da Settra depende da BR-440
O secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, reconhece que a circulação viária na Cidade Alta está longe da ideal e que adequações devem ser feitas. Segundo ele, o binário é, de fato, um dos dispositivos a ser implantados, mas o imbróglio da construção da BR-440 impede qualquer ação momentânea. “É um problema sério, e temos soluções encaminhadas, mas elas passam pela rodovia. Todo este atraso na retomada das obras gera este tipo de reflexo, pois só com o trecho pronto conseguimos implantar as melhorias necessárias.
nquanto isso, ficamos de mãos atadas, porque uma mudança, mesmo que provisória, exigiria investimentos.” Tortoriello adiantou que a ideia é fazer uma operação semelhante ao que é usado, atualmente, durante as provas de vestibular, transformando todo o entorno do Pórtico Norte em uma grande rotatória, com as devidas adequações em algumas ruas, pois atualmente elas não suportariam tráfego pesado. “É muito prejudicial para a nossa cidade ter uma via inacabada como aquela, e a interrupção, onde foi feita, impede o uso. Temos hoje aquele espaço que não pode ser regulamentado para o trânsito.”
Outro impeditivo para uma medida paliativa, de acordo com Tortoriello, está na possibilidade de as obras da BR-440 serem retomadas a qualquer momento. “Ficamos neste compasso de espera, porque aquela obra em andamento também vai exigir algumas adequações pontuais. Meu desejo é que este problema se resolva o quanto antes para organizarmos aquele trânsito de forma definitiva, e não fazendo remendos.”
Obra paralisada
A rodovia BR-440 é uma obra do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) planejada na década de 1990 com objetivo de interligar a rodovia BR-040 à BR-267, na Avenida Brasil, altura do Bairro Mariano Procópio. Em 2012, a construção foi paralisada porque o Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o seu custo e o fato de as intervenções estarem sendo feitas sem processo licitatório. Este trâmite burocrático já foi vencido, e a empreiteira, coincidentemente a mesma contratada sem licitação, definida para a retomada. No entanto, um processo movido pela Justiça Federal exigia garantias ambientais para o reinício da construção.
Desde setembro, a Superintendência Regional de Meio Ambiente Zona da Mata (Supram) avalia o processo para licença de instalação corretiva referente a esta obra. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad), as informações complementares solicitadas pelo órgão ambiental foram protocoladas pelo empreendedor na semana passada e ainda serão analisadas pela equipe técnica responsável por dar um parecer. Ainda não há previsões para esta fase ser concluída.