Médico da Regional Leste é agredido por usuária

Violência teria ocorrido por causa da demora no atendimento a paciente e não seria caso isolado, de acordo com denúncias de profissionais de saúde. O episódio traz à tona a questão da insegurança e das condições de trabalho dos servidores


Por Daniela Arbex e Marcos Araújo

22/02/2019 às 07h01- Atualizada 22/02/2019 às 07h16

OnalUm médico, de 27 anos, foi agredido com um soco na cabeça durante atendimento a uma paciente de 26 anos, na Unidade Regional Leste, no Bairro Costa Carvalho. A violência aconteceu por volta das 19h de quarta-feira (20). Devido ao grande número de pessoas que esperavam atendimento, a mulher teria ficado insatisfeita com a demora na assistência. De acordo com o boletim de ocorrência, a usuária, ao entrar no consultório, começou a gritar e a reclamar do tempo de espera, partindo para cima do médico. A vítima, então, disse que não haveria condições de realizar a consulta caso a agressora continuasse falando alto. Ao tentar sair da sala, ele foi atacado pela mulher, que evadiu da unidade. A Polícia Militar foi acionada e, de posse da ficha de atendimento da agressora, deslocou-se até o endereço dela, mas a usuária não foi localizada. O episódio violento traz à tona a questão da insegurança e das condições de trabalho às quais servidores públicos estão sendo submetidos. Também escancara a deficiência de um sistema de saúde precarizado, incapaz de atender a demanda do cidadão que usa a força, ao invés do diálogo, para protestar.

O diretor clínico da Regional Leste, Luiz Guilherme Veiga de Oliveira, afirmou que situações como essa são assustadoras. “Nossa preocupação maior é quando a agressão causar invalidez permanente ou tirar a vida de alguém. A sociedade está vivendo uma crise ética”, comentou, afirmando também já ter sido vítima de agressão durante o trabalho. “Quanto ao agressor, nada aconteceu com ele.”

De Belo Horizonte, onde estava reunido com o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, o delegado regional do CRM, José Nalon, lamentou o episódio. “Não tive notícia sobre esse fato, porém, ocorrências desse tipo têm acontecido, principalmente em UPAs e Pronto Socorro, locais onde os usuários chegam em situação de estresse provocado pela sua necessidade clínica ou de algum familiar ou dependente. Também os médicos, trabalhando sob elevada demanda, costumam não dispensar ao paciente a atenção e explicações desejadas ou esperadas. Outra questão é que não há, nas unidades de atendimento de Urgência/Emergência, o necessário aparato de segurança.

Regional Leste Fernando Priamo arquivoTM
Cerca de 6.200 consultas médicas são realizadas mensalmente na unidade, localizada no Bairro Costa Carvalho (Foto: Fernando Priamo)

Chegamos a fazer um fórum de discussão em Juiz de Fora sobre a violência contra o profissional da saúde que não rendeu frutos. O fato é que a realidade local reflete o quadro vigente no Estado”, comentou, citando como exemplo de ameaça e arbitrariedade um infundado pedido de prisão contra um regulador do Samu que não atendeu pedido de lançamento de viatura para uma pessoa que estava assustada em via pública após ser assaltada. “Temos sido notificados sobre episódios agressivos, mas, na maioria das vezes, os profissionais não fazem boletim de ocorrência por não acreditarem que haverá um desdobramento”, acrescenta Nalon.

O secretário executivo do Conselho Municipal de Saúde, Jorge Ramos, também aponta a subnotificação de casos. “Isso não é uma exceção, e uma agressão não se justifica. No entanto, as pessoas estão em um nível de insatisfação tão grande com um sistema de saúde cuja resposta não se faz no tempo da necessidade delas. Por outro lado, o profissional está cumprindo a jornada de trabalho dentro das condições que lhe são oferecidas e, muitas vezes, o ambiente de trabalho e as instalações disponíveis não condizem com o que é necessário. O sistema precisa dizer para a população que é capaz de dar respostas. Além disso, a humanização do processo na relação médico/paciente é fundamental”, destaca.

Alvo de insatisfação

Já o presidente do Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora, Gilson Salomão, informou à Tribuna que ainda não tinha conhecimento da agressão na Regional Leste e que, ultimamente, o órgão não vinha recebendo denúncias de violência contra a categoria. “O fato registrado é consequência da dificuldade que as pessoas têm para conseguir uma consulta com o médico. Elas acabam descarregando nos profissionais.”

Em setembro do ano passado, uma técnica em enfermagem, de 41 anos, denunciou ter sido agredida, durante procedimento de coleta de sangue no PAM-Marechal. Ela contou ter levado três tapas na altura do ombro esquerdo desferidos por uma adolescente, após a filha dela cair da maca. Em 2017, duas ocorrências de ameaças de agressão por parte de mães de pacientes contra médicas que atuavam no Pronto Atendimento Infantil (PAI) repercutiram na cidade. A primeira ocorreu em abril, e a segunda, em junho. A reincidência resultou em visita técnica da equipe do Conselho Regional de Medicina (CRM) ao local, confirmando uma série de irregularidades em relação às condições de atendimento, infraestrutura e segurança da unidade.

Sobre o caso na Regional Leste, a ouvidora de Saúde, Samantha Borchear, afirmou que houve um crime contra o médico e, dessa forma, a Ouvidoria não tem prerrogativa para tratar da situação. No entanto, ela diz que os usuários das unidades de saúde que se sentirem indignados com a demora e a falta de atendimento podem procurar o órgão.

“Quantos aos profissionais, devem tomar as medidas judiciais, pois nada justifica uma agressão contra o trabalhador em pleno exercício de suas funções, principalmente, no setor público pois, além da agressão, tem a questão do desacato e do desrespeito ao servidor.”

A ouvidora afirma que tanto a Regional Leste, quanto outras unidades de saúde do município têm ficado lotadas em razão da grande demanda e da falta de profissional. “Mas as pessoas precisam entender que a culpa não é de quem está atuando. Nós, da Ouvidoria, repudiamos veementemente qualquer agressão. Também temos sofrido ameaças aqui e até agressões físicas no passado. Já houve quem nos ameaçasse com uma faca”, relatou.

Apoio ao profissional

O subsecretário de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Rômulo de Castro Martins, reconheceu que o episódio recente da Regional Leste não é um fato isolado e que o problema ocorrido em Juiz de Fora se repete em todo o país. Segundo Rômulo, a unidade de saúde do Bairro Costa Carvalho está inserida em uma rede de prevenção da Polícia Militar, cujos representantes participam, mensalmente, das reuniões realizadas com o Conselho de Saúde e a direção da Regional. “Nesses encontros são relatados os horários de pico durante a semana e nos finais de semana, quando há mais casos de alcoolismo.A Guarda Municipal também faz rondas preventivas e programadas”, explica.

Quanto ao médico agredido, Rômulo informou que ele deverá receber apoio da direção da unidade e, caso sinta necessidade, poderá ser encaminhado ao Departamento de Ambiência Organizacional (Damor), conhecido como Casa do Servidor, onde receberá atendimento psicológico.

Em nota, a assessoria da Guarda Municipal explicou que as rondas foram priorizadas, de forma estratégica, para atender o maior número de locais possíveis e que, além das ações preventivas, atende, em esquema de plantão 24 horas, pelo número 153.

Situação de sobrecarga na unidade

A Regional Leste realiza, mensalmente, 6.200 consultas médicas. O volume de atendimento, que inclui outras demandas de saúde, faz com que a unidade trabalhe quase diariamente em situação de sobrecarga. Exatamente, por isso, o tempo de espera e as condições físicas do prédio são alvos de reclamação dos usuários. “A questão da demora vai muito do desconhecimento do usuário sobre o que está acontecendo dentro da unidade que é de urgência e emergência. Atualmente, a escala médica é dimensionada para a sua realidade”, afirmou o subsecretário de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Rômulo Martins.

Há poucos dias, porém, o presidente do Conselho Regional de Saúde/Gestão Usuários, na região sanitária II, à qual a Regional Leste está incluída, Cláudio Procópío, disse ter sentido na pele as dificuldades de receber atendimento de qualidade. Cardíaco, ele procurou a unidade após a alteração de um eletrocardiograma. “Enquanto a direção estava lá, o atendimento foi nota dez. Porém, após a troca de plantão, tudo mudou. Senti o descaso em relação a mim e outros pacientes que foram abandonados, enquanto alguns enfermeiros batiam papo. Quando souberam quem eu era, tudo mudou e todo mundo caçou sua função. Na madrugada, fui embora. Vi a realidade que a população me fala.”

Segundo Rômulo, fatos como os narrados por Cláudio são apurados “sempre que o usuário procura a Ouvidoria ou a direção para o encaminhamento devido”. O subsecretário disse que, quando é verificada qualquer conduta atípica do profissional de saúde, ele é orientado e pode sofrer penalidades em casos de comprovação de atitude irregular.
Rômulo disse, ainda, que a melhoria das instalações está sendo providenciada e que a contratação de empresa responsável pela reforma completa da unidade acontecerá em até dois meses. O custo das obras é de R$ 750 mil, e os trabalhos devem ser concluídos até o final do ano.

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