Fraude milionária desmantelada


Por SANDRA ZANELLA

21/10/2015 às 07h00- Atualizada 21/10/2015 às 08h27

Suspeita da Polícia Federal, que realizou prisões e cumpriu mandados de busca no Centro, em São Mateus e Bom Pastor, é de que organização movimentou R$ 20 milhões em 20 meses (Olavo Prazeres/20-10-15)

Suspeita da Polícia Federal, que realizou prisões e cumpriu mandados de busca no Centro, em São Mateus e Bom Pastor, é de que organização movimentou R$ 20 milhões em 20 meses (Olavo Prazeres/20-10-15)

Foram recolhidos cerca de R$ 150 mil e pelo menos US$ 3 mil, além de joias e roupas infantis (Olavo Prazeres/20-10-15)

Foram recolhidos cerca de R$ 150 mil e pelo menos US$ 3 mil, além de joias e roupas infantis (Olavo Prazeres/20-10-15)

Quatorze pessoas foram presas, 12 delas em Juiz de Fora, na operação “American Dream”, deflagrada pela Polícia Federal ontem para desmantelar uma organização criminosa especializada na clonagem e fraude de cartões de crédito, usados para compras no exterior, com posterior revenda de mercadorias no Brasil. A principal vítima é a Caixa Econômica Federal, e entre os presos está um funcionário do banco, que facilitaria a liberação de cartões com altos limites, em nome de laranjas. Um empresário da construção civil detido na cidade é apontado pela PF como o cabeça do esquema, que chegou a movimentar R$ 20 milhões em 20 meses. Entre os capturados também estão duas mulheres. Conforme a polícia, os suspeitos têm entre 25 e 35 anos, e a maioria atuaria no ramo empresarial, sobretudo no comércio de eletrônicos, já que muitos desses equipamentos seriam adquiridos por meio da ação delituosa. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados pela PF porque a investigação ainda prossegue.

Segundo o delegado do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte, Luiz Augusto Pessoa, Juiz de Fora era a sede da organização criminosa, investigada há cerca de um ano e com atuação desde setembro de 2013. Além das 12 prisões preventivas cumpridas no município, os policiais federais percorreram 17 endereços por meio de mandados de buscas e apreensão, a maior parte deles no Centro e nos bairros São Mateus e Bom Pastor, na Zona Sul. Durante as vistorias em comércios e residências de suspeitos, foram recolhidos cartões de crédito, cheques, cerca de R$ 150 mil em espécie e, pelo menos, US$ 3 mil, além de joias, roupas infantis e outros materiais de procedência duvidosa. Outros dois mandados de prisão foram cumpridos nos estados do Paraná e Rio de Janeiro, resultando na captura de uma pessoa em Maringá e outra na capital fluminense. Também houve ação no Espírito Santo.

Segundo a PF, com os cartões internacionais fraudados e liberados para compras no exterior, os golpistas compravam equipamentos eletrônicos nos Estados Unidos, especialmente produtos da marca Apple, além de telefones celulares, câmeras fotográficas profissionais e bicicletas de competição, algumas avaliadas em US$ 12 mil. Posteriormente, as mercadorias eram revendidas no Brasil, por meio de redes sociais, páginas na internet e lojas físicas, com preços entre 10% a 30% abaixo do valor pago. “A organização estava sediada aqui, onde estão praticamente todos os integrantes. Alguns mandados foram cumpridos fora, mas de pessoas que tinham participação não muito relevante”, disse o delegado. Segundo ele, chamou atenção a forma como o grupo era estruturado, com funções muito definidas para cada integrante, objetivando o lucro. “Identificamos que havia uma hierarquia entre eles, e um indivíduo (cabeça) tinha uma ascendência sobre todos.”

Liberação de cartões

Ainda conforme Pessoa, a maioria dos cartões usados nas fraudes era clonado, mas a organização também se valia das tarjetas feitas em nome de laranjas e praticava “autofraude”. Nessa modalidade, os suspeitos usavam seus próprios cartões para compras internacionais e depois contestavam as mesmas junto às operadoras ou aos bancos. Para o delegado, o funcionário da Caixa preso contribuía diretamente para o crime, e outros colaboradores do banco estão sendo investigados. “O funcionário facilitava a liberação de cartões premium para laranjas, ou seja, indivíduos humildes, de baixa renda. Ele adulterava a renda dessas pessoas no sistema da Caixa, possibilitando a emissão de cartões premium, posteriormente usados pela organização.”

Os presos em Juiz de Fora foram levados para a sede da Polícia Federal, no Bairro Manoel Honório, na Zona Leste. Os homens foram conduzidos ao Ceresp, e as mulheres à Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, ficando todos à disposição da Justiça. Segundo a PF, eles podem responder por falsificação de documento particular, estelionato qualificado, descaminho e contrabando, além de integrar associação criminosa com atuação transnacional. Se condenados, os envolvidos poderão pegar até 26 anos de prisão cada.

A PF ainda investiga os vários indícios da prática de lavagem de dinheiro. Isso porque alguns integrantes do grupo teriam usado o valor adquirido com a prática criminosa em empreendimentos de construção civil e no próprio comércio. “As investigações continuam, porque ainda faltam alguns pontos a serem esclarecidos, algumas peças para podermos encerrar todo o caminho do crime, desde o início até o final. Ou seja, desde a clonagem, obtenção dos dados, compra das mercadorias, encaminhamento delas ao Brasil e a venda”, concluiu Pessoa.

Suspeitos levavam ‘vida ilusória’

Iniciada em novembro de 2014, a investigação da Polícia Federal que resultou na prisão de 12 pessoas em Juiz de Fora ontem foi motivada pela série de atos de má-fé descoberta por uma operadora de cartões de crédito. “Recebemos notícia de uma empresa, que prestava serviço para a Caixa, de que havia um volume muito grande de fraude de cartões de crédito, que eram usados no Estados Unidos, partindo da cidade de Juiz de Fora. Não necessariamente os titulares eram residentes na cidade, mas as fraudes estavam sendo cometidas a partir daqui”, explicou o delegado do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte, Luiz Augusto Pessoa.

O fato de o código de área (32) ter sido usado em grande parte das ligações telefônicas feitas para liberar o uso de cartões no exterior teria sido o pontapé inicial. “Para que um cartão seja usado fora do Brasil, é preciso que seu titular contate a central de atendimento da instituição financeira e realize a ‘autorização para compras em viagem internacional’. Os criminosos se passavam pelos titulares dos cartões fraudados na hora de proceder essa autorização”, explicou a PF.

A estimativa do prejuízo aos cofres da Caixa é de cerca de R$ 20 milhões em apenas 20 meses e, devido ao alto valor, a PF batizou a operação de “American Dream”, em referência ao sonho norte-americano de prosperidade. “Por meio da fraude milionária, os criminosos levavam uma vida ilusória com um dinheiro que não lhes pertencia.”

Para o delegado, a opção do grupo de fazer compras nos EUA pode estar relacionada à facilidade do uso de cartões naquele país, além dos baixos preços comparados aos nossos, provendo um lucro maior. “Os Estados Unidos não exigem a senha, ou seja, os cartões lá não têm chip”, explicou o policial, acrescentando que o Brasil é pioneiro nessa tecnologia. Segundo ele, a organização criminosa não obtinha a senha das tarjetas clonadas, mas tinha os dados do titular e as informações cadastrais. “Como nos EUA dificilmente pedem identidade, eles conseguiam usar os cartões sem problemas.”

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