Câncer é a principal causa de morte de adultos em Juiz de Fora

Município segue tendência nacional e especialistas apontam hábitos da população como fator responsável


Por Fernanda Castilho

20/11/2025 às 06h00

Nos últimos cinco anos, o câncer foi a principal causa de morte da população adulta em Juiz de Fora. O município registrou 1.286 mortes em decorrência da doença entre pessoas de 20 a 59 anos no período de janeiro de 2019 a outubro de 2025. Doenças cardiovasculares contabilizaram 1.120 óbitos no período, enquanto infecções e doenças parasitárias tiveram 1.004 mortes no total. Os números reforçam uma tendência observada em Minas Gerais e no país, onde, conforme o DataSUS, no mesmo período e faixa etária, o câncer aparece como a principal causa de morte da população.

Os dados municipais estão disponíveis no Portal da Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). Segundo a Superintendência Regional de Saúde (SRS-JF), as informações são fornecidas primariamente pelas secretarias municipais de saúde, depois repassadas às secretarias estaduais e ao Ministério da Saúde para atualização mensal. Por fim, a SES-MG atualiza os dados do estado no Tabnet. “Devido a novas informações, os dados de qualquer período podem ser alterados. Essas informações são alimentadas também de forma tardia pelas secretarias municipais de saúde devido a algumas questões, dentre elas, a digitação tardia”, afirma a SRS-JF.

Hábitos saudáveis e acesso à saúde são desafios, diz oncologista

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Alexandre Ferreira Oliveira, médico atuante na área da cirurgia oncológica e presidente da recém-criada Sociedade Mundial de Cirurgia Oncológica. Foto: Arquivo pessoal.

“A expectativa de vida do brasileiro aumentou. Com o envelhecimento da população, há maior incidência de desenvolvimento de algum tipo de doença. Mas existem também os hábitos prejudiciais, como o tabagismo, o etilismo e a obesidade. A exposição excessiva à luz solar e o uso de alimentos condimentados também contribuem para o aumento dos casos de câncer”, explica Alexandre Ferreira Oliveira, médico atuante na área da cirurgia oncológica há mais de 20 anos e também professor da UFJF, membro do Conselho Consultivo do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e presidente da recém-criada Sociedade Mundial de Cirurgia Oncológica. Para o especialista, o aumento dos diagnósticos de câncer deve-se, principalmente, à ampliação do rastreamento, como também à melhoria dos exames complementares.

No entanto, como aponta o oncologista, apesar dos avanços para diagnosticar e tratar a doença, muitos pacientes com câncer não têm acesso ao tratamento adequado. “Na nossa cidade, alguns exames, como colonoscopia e videolaringoscopia, ainda têm uma fila de espera muito grande. Nós também temos gargalos que evitam o diagnóstico precoce.” Como a doença exige agilidade, contratempos como estes podem aumentar a taxa de mortalidade.

As experiências e as pesquisas do oncologista revelam que, para prevenção e tratamento eficazes desta doença, o entrecruzamento de esforços individuais e coletivos é essencial. Por acreditar nessa premissa, o especialista, juntamente com outros médicos da área, criaram, neste ano, a Sociedade Mundial de Cirurgia Oncológica para tentar diminuir as dificuldades enfrentadas na prevenção e tratamento do câncer, grupo ao qual o médico foi eleito presidente. No âmbito das escolhas individuais, Alexandre enfatiza que a realização de exames preventivos e a adoção de hábitos saudáveis podem diminuir o avanço do câncer. “A prática de atividade física também é muito importante, alguns estudos mostram que pessoas com câncer que fazem exercícios têm maior sobrevida e maiores chances de cura da doença.”.

Saúde deve ser pensada de forma coletiva, aponta Ivan Chebli

 

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“Não adianta educação sem acesso”, diz ex-secretário de saúde ao defender atenção primária e qualidade de vida nas comunidades como prioridade. Foto: Leonardo Costa

Em outra perspectiva, o especialista em Gestão Pública e Saúde Coletiva, Ivan Chebli, avalia que a incidência das doenças crônicas, como diabetes, pressão alta e obesidade, constitui-se como a maior causa dos óbitos da população brasileira e um dos grandes desafios dos sistemas públicos e privados de saúde. “Há uma avalanche de novos casos e agravamento de casos pré-existentes. O aumento da expectativa de vida também é um dos fatores, uma vitória do sistema de saúde do país, mas acompanhada de uma carga de doenças crônicas. Então, não é um envelhecimento saudável.”

Chebli trabalha como servidor público da saúde no município há mais de 30 anos e atuou como secretário da pasta entre 2022 e 2024, experiência que lhe permitiu conhecer de perto os desafios e as demandas prioritárias do setor. Como explica, assim como o câncer, as doenças crônicas são multifatoriais: podem ter origem hereditária e genética, mas também podem ter relação com hábitos nocivos, como a alimentação inadequada, o sedentarismo, o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.

Sobre as escolhas do dia a dia, ele considera que as propostas de mudança do comportamento individual não bastam para melhorar a saúde e reduzir o desenvolvimento de doenças crônicas e do câncer. Segundo o ex-secretário, a saúde da população deve ser pensada de forma coletiva envolvendo diversos fatores: educação, transporte, alimentação, saúde mental e o trabalho. “Não adianta educação sem acesso.” Ele enfatiza que, além do conhecimento sobre os cuidados necessários com a saúde, as pessoas precisam do atendimento garantido nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e mais qualidade de vida nas suas comunidades. Para isso, avalia que o Poder Público deve aumentar os investimentos na atenção primária, o atendimento conhecido como “porta de entrada” do paciente, no qual poderá detectar e tratar quaisquer doenças desde o início.

“Muitas pessoas podem frequentar as academias, mas, para a grande maioria, a atividade física é o trabalho do dia a dia, porque não tem tempo para isso. Então, esse cuidado não é universal. Quem pode comer legumes, verduras e proteínas todo dia? Falo muito com os nutricionistas que, ao dialogar com a população, precisamos saber as suas condições de vida, tentar identificar alimentos mais saudáveis para consumo, sugerir uma hortinha caseira, por exemplo. Algo que possa suprir esse déficit nutricional que a nossa população cronicamente enfrenta.”

 

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As Unidades Básicas de Saúde (UBSs) são consideradas a “porta de entrada” do paciente. Foto: Leonardo Costa

 

Segundo o servidor, o município tem uma ótima rede de média e alta complexidade, voltada aos atendimentos especializados, à realização de exames e aos tratamentos oncológicos, e conta com três Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON). Ele destaca que a cidade, historicamente, tem feito grandes investimentos em saúde, como a expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF), cujas equipes acompanham de perto as comunidades e podem fazer o trabalho de base para fortalecer os cuidados e a prevenção de doenças crônicas e do câncer.

Como explica, o aumento dos diagnósticos de câncer também deve-se à capacidade de detecção precoce. Após os exames, se houver suspeitas ou identificação da doença, o paciente deve ter ingresso prioritário no sistema público de saúde, com prazo determinado de até 60 dias para começar o tratamento com uma equipe multidisciplinar. “Muitas vezes, a realização da biópsia estava sendo um entrave, aos poucos superado com novos prestadores de serviços que estão sendo contratados. O Ministério da Saúde também está priorizando o tratamento de câncer e criou a rede de atenção oncológica.”

Atenção primária e atendimentos especializados são prioridades da PJF

De acordo com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), a Secretaria de Saúde vem atuando para prevenir o câncer, para incentivar a população a adotar hábitos saudáveis e para garantir o diagnóstico precoce. “O trabalho envolve desde a atenção primária até os serviços especializados, articulando iniciativas municipais, estaduais e federais.” Dentre as atuações estão as campanhas de promoção da saúde durante os meses dedicados à conscientização das doenças e de redução de fatores de risco, como o combate ao tabagismo, a capacitação das equipes e atividades educativas nas escolas e nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

O órgão afirma que o aumento do número de diagnósticos está relacionado à maior oferta de exames e às ações de rastreamento. “É importante destacar que Juiz de Fora é referência regional e atende pacientes de mais de 200 municípios, o que demonstra a qualidade e a capacidade técnica da rede, mas também eleva de forma significativa a demanda sobre os serviços especializados.” Para atender a alta procura, a Secretaria de Saúde trabalha para ampliar a rede especializada com mais exames e atendimento móvel. Há também a análise contínua da fila regulada, priorizando pacientes de maior risco. Como estratégia de fortalecimento, o Município também  aderiu ao programa “Agora Tem Especialistas”, que disponibiliza unidades móveis com oferta de mamografias, ultrassonografias, colonoscopias, biópsias e consultas especializadas, informa a PJF. 

 

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