Aplicativo de fretamento de viagens ganha adeptos em Juiz de Fora
Com mais de 300 mil passageiros cadastrados no país, empresa promete passagens até 60% mais baratas
Uma nova modalidade de viagem intermunicipal e interestadual por aplicativo tem ganhado adesão dos juiz-foranos. Com mais de 300 mil passageiros cadastrados e promessa de viagens de até 60% mais baratas por meio de fretamento colaborativo, a empresa Buser oferece o serviço de transporte coletivo, partindo de Juiz de Fora, a Belo Horizonte ou São Paulo (SP). A primeira viagem na cidade ocorreu em 26 de abril deste ano, com destino à capital mineira. Apesar de estar atraindo novos usuários, o serviço, conhecido popularmente como “Uber dos ônibus”, passa por imbróglio judicial, com uma ação em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o transporte coletivo de passageiros intermediado por plataformas digitais e aplicativos.
Gustavo Monteiro, empreendedor, encontrou o serviço quando procurava passagens mais baratas para o Rio de Janeiro (RJ). A Buser ainda não oferece viagens saindo de Juiz de Fora para o município carioca, entretanto, em uma outra oportunidade, Gustavo utilizou o serviço para realizar uma viagem de trabalho para São Paulo, destacando a diferença de preço entre a Buser e as empresas de ônibus que costumam realizar o trajeto. “Comprei a passagem pelo cartão e a Buser ficou de confirmar a viagem. Tem que ter um número de pessoas para viabilizá-la. Em até 48 horas eles te confirmam a viagem”, relata. “Na ida, comprei cama, mas eles não conseguiram um ônibus assim, então passaram para o leito e devolveram o dinheiro da diferença. O leito deles foi dez vezes melhor do que os ônibus que estou acostumado a pegar.”
Diferente do transporte coletivo, o embarque e desembarque das viagens realizadas pela Buser não ocorrem na rodoviária, mas em outros pontos determinados pela empresa. Em Juiz de Fora, costumam acontecer em um posto de combustível na Avenida Deusdedith Salgado, no Bairro Salvaterra, e em outro na Avenida Brasil, na altura do Bairro Mariano Procópio. Para Gustavo, este seria “o único ponto de melhoria, pois achei o posto meio perigoso pelo local”. Contudo, o empreendedor afirma que irá viajar novamente pela Buser em agosto.
O fato do ônibus não parar na rodoviária também foi um ponto negativo para o jornalista Leonardo Alves, que veio de São Paulo a Juiz de Fora e retornou utilizando o aplicativo. Leonardo conheceu o serviço por redes sociais mas, antes de realizar a primeira viagem, procurou se informar com outras pessoas que já haviam utilizado. “Eu perguntei para vários amigos para saber se realmente era confiável, o que tinham achado, e todos eles adoraram, e aí sim optei por comprar passagem e foi a melhor coisa que eu fiz. Eu fui para Juiz de Fora com apenas R$10, uma viagem que no ônibus tradicional custaria R$160, então a economia, a princípio, foi enorme.”
Empresa faz rateio do valor da viagem
A proposta da Buser é atuar como uma modalidade de “fretamento colaborativo”, em um sistema de divisão do custo total de um transporte fretado entre os passageiros que irão viajar. Conforme informações do site da empresa, no rateio, o valor da viagem é variável, já que depende do custo do frete para o destino almejado e de quantas pessoas pretendem fazer o mesmo trajeto. Esta característica difere o serviço da tradicional compra de passagens, cujo valor é pré-determinado e não há necessidade de número mínimo de passageiros para que a viagem aconteça.
Desta forma, as viagens estão sujeitas à formação de grupos, bem como da disponibilidade das empresas de fretamento. Os próprios usuários podem criar novos grupos, caso não haja outro que atenda suas necessidades. Segundo a Buser, “a chance de um grupo confirmar depende da disponibilidade das empresas de fretamento, volume de buscas feitas, quantidade de reservas no grupo em relação aos dias restantes até a viagem e até do número de pessoas interessadas na viagem de volta, para o ônibus não voltar vazio.”
A possibilidade de criar novos grupos de viagem, entretanto, não está disponível atualmente. Conforme relatado por Mariana Gomes, consultora de imagem, que já realizou viagens de São Paulo a Juiz de Fora pelo aplicativo, e confirmado pela reportagem na plataforma da Buser na última quinta-feira (8), ao tentar criar um grupo, uma mensagem aparece informando que a função está desabilitada. “A associação de empresas da rodoviária quer proibir a Buser! Por decisão judicial, a criação de grupos está desabilitada temporariamente (…)”, informa a notificação.
Sem contato
Apesar da dificuldade encontrada para sua próxima viagem, devido à impossibilidade de criar novos grupos, Mariana faz uma avaliação positiva do serviço em relação ao conforto das viagens e o menor preço, além da facilidade em utilizar o aplicativo. Entretanto, ela relata também um problema enfrentado durante uma de suas vindas a Juiz de Fora. “Eu fiquei sem bateria, o pneu do ônibus furou e eu não percebi, só percebi que chegamos muito tarde em Juiz de Fora. Como era a primeira vez que eu estava usando e eu tinha avisado aos meus pais que era um aplicativo, eu não dei número contato ou de placa. Então meus pais, que estavam me esperando em casa, ficaram muito preocupados. Eles tentaram ligar e viram que não tinha um telefone, não tinha um contato, alguma coisa para alguém de fora, que não a pessoa que estava viajando”, conta. “Isso foi um ponto contra porque quando você sabe que a pessoa está vindo por uma companhia, você liga e pede notícias do ônibus. Então isso foi uma coisa que não sei se já está resolvida, mas precisa de um contato para as pessoas terem acesso à informação.”
Constitucionalidade será definida pelo Supremo
Em março deste ano, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) promoveu uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 574) para que o STF decida sobre a constitucionalidade do serviço de transporte coletivo de passageiros intermediado por plataformas digitais e aplicativos de fretamento colaborativo. De acordo com o advogado da Abrati, Alde Costa Santos Júnior, a propositura da ação judicial foi motivada por conta da existência de outros processos em todo o país, discutindo a modalidade de transporte de passageiros. De acordo com o representante da associação, além da Buser, há outras empresas no Brasil que oferecem o mesmo serviço. “No Paraná, por exemplo, tem uma decisão proibindo a prestação desse serviço através das plataformas digitais. Já em São Paulo, houve uma liminar concedida autorizando esse serviço. Como essa questão tem a sua raiz na própria Constituição, a Associação propôs uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para que o Supremo Tribunal Federal possa dizer se esse tipo de prestação de serviço público é viável ou não.”
Segundo Alde, o transporte é um direito social previsto na Constituição Federal, considerado como um serviço público. “Quando a Constituição estabelece que determinada atividade é um serviço público, é possível a livre iniciativa, independentemente da outorga do Estado, prestar esse serviço em concorrência com as empresas que prestam ele com a outorga do Estado?”, questiona. Ainda conforme o advogado, as empresas de fretamento colaborativo procuraram aproveitar a decisão favorável do STF em relação aos serviços de transporte individual por aplicativo, entretanto, as situações se diferem, sendo os serviços de transporte individual consideradas “atividade privada de utilidade pública”.
Concessão
De acordo com o advogado da Abrati, como serviço público, o transporte coletivo interestadual ocorre mediante autorização expedida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), assim como as viagens intermunicipais ocorrem por meio de concessões e permissões. Assim, o transporte coletivo de passageiros deve atender a pressupostos de universalidade, oferecendo o serviço de maneira contínua e regular. Há horários definidos e as viagens ocorrem independentemente do número de passageiros confirmados. Além disso, as empresas regularizadas devem pagar taxas de embarque e custos de manutenção de terminais rodoviários.
Ainda segundo Alde, como o transporte coletivo é um direito social, as empresas também se responsabilizam em transportar, gratuitamente ou com até 50% de desconto, idosos, pessoas com deficiência e jovens carentes. De acordo com dados da Abrati, só em 2018, 4,8 milhões de gratuidades foram concedidas pelo setor de transporte rodoviário. “Quando você autoriza pessoas fora desse sistema – sem arcar com nenhum desses ônus, não transportar os idosos, não transportar os deficientes, não pagar as taxas de embarque, sair a qualquer horário, e não garantir continuidade e regularidade – você está permitindo que a atividade privada concorra com o serviço público e tire os recursos que subsidiariam essas operações, ficando só com o que é economicamente atrativo”, afirma. ” Ninguém é contra, efetivamente, à inovação tecnológica. Ela é valiosa, mas ela não pode ser prestada à margem da lei por interesses puramente econômicos e causando a disrupção de todo o sistema de transporte.”
Buser busca reconhecimento do modelo de negócio
A decisão judicial que impossibilita a criação de novos grupos de viagens pela Buser foi dada no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, pelo desembargador Nelton dos Santos, em outro processo para solucionar os conflitos sobre o funcionamento do aplicativo. Segundo o advogado da Buser, Luciano Godoy, essa decisão provisória ocorreu a partir de um recurso da ANTT e deve seguir até um julgamento definitivo, ainda sem data prevista.
Conforme o representante da Buser, a expectativa diante das ações judiciais em andamento é que o modelo de negócios seja reconhecido, isso porque a Buser “não é empresa de transporte, é empresa de tecnologia”. Desta forma, o serviço se integra às mudanças ocorrendo em diferentes setores devido a “nova economia compartilhada”. “Aconteceu em relação ao transporte do Uber e aos táxis; em relação à Netflix e aos canais de televisão; ao Spotify e às gravadoras de música; e ao Airbnb e aos hotéis”, exemplifica. “Esse fenômeno da economia, que é a disrupção a partir dos aplicativos de tecnologia, não é do Brasil ou do setor de transporte, mas de todo setor de economia.”
Ainda de acordo com Godoy, o setor privado já convive com o público em diferentes esferas. No caso do transporte, o fretamento é um serviço que ocorre há anos, inclusive, com grupos formados para atividades rotineiras. “Em São Paulo, é muito comum pessoas que moram em Campinas ou Sorocaba contarem com empresas fretadas para levar pessoas para trabalhar todos os dias; companhias que têm escritórios em lugares mais longes fazem fretamento. Então o fretamento, que é transporte coletivo privado, já convive com o transporte público.”
Avaliação de impacto
Conforme a Buser, a empresa “trabalha apenas com prestadores de serviço qualificados e autorizados pela ANTT, a agência reguladora do setor. É exigido que as empresas cumpram todas as normas de segurança, tenham seguro para os passageiros, autorização para realização das viagens, motoristas profissionais, veículos inspecionados, emissão da notas fiscais, declaração das rotas e outros quesitos.”
Em nota, a ANTT informou que tem se reunido para “avaliar o impacto das novas tecnologias na área de transportes e como estas podem contribuir para melhorar a prestação de serviço aos usuários de transporte interestadual, observando e propondo novas normas ao setor”. A agência ainda assegurou que “atua para garantir o cumprimento das resoluções que normatizam o setor de transporte de passageiros por vias federais”.
O órgão federal ressalta, na nota, que “o aplicativo Buser não é objeto direto da fiscalização da agência. As empresas que prestam o serviço de transporte de passageiros, por meio dele, poderão ser fiscalizadas tanto pela agência quanto por outros órgãos fiscalizadores de transporte, de acordo com o tipo de serviço prestado (interestadual ou intermunicipal). A competência da ANTT se restringe a viagens que cruzam estados.”
Também procurada pela Tribuna, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais informou que não irá se posicionar sobre o assunto.