Exposição reúne fotografias das tragédias de Mariana e Brumadinho
Mostra encerra programação do evento ‘Rastros de Lama’, que debate riscos e soluções para mineração no país
“Eu não quis representar a dor, a tristeza. Eu quis registrá-la, porque ela é real”, assim descreve a fotógrafa Maria Otávia Rezende, sobre o trabalho realizado em dois dos palcos de recentes tragédias brasileiras: Mariana e Brumadinho. Histórias anônimas e silenciadas pelo rompimento das barragens estarão agora expostas no saguão da Reitoria, no Campus da UFJF, a partir de sexta-feira (15), às 18h.
Intitulada “Às Margens”, a exposição traz ao público 46 fotografias que reúnem os registros na Bacia do Rio Doce em 2018 e em Brumadinho em 2019. A visitação é aberta ao público e pode ser feita de segunda a sexta-feira, das 7h às 23h. A exposição vai até 15 de abril e é uma iniciativa da Diretoria de Imagem Institucional em parceria com a Pró-Reitoria de Cultura da UFJF, com apoio da Associação dos Professores de Ensino Superior de Juiz de Fora (Apes). O lançamento encerra a programação do evento Rastros de Lama que reunirá pesquisadores de diversas áreas para debater os riscos e as soluções para a atividade mineradora no país.
“Há momentos da nossa história em que é preciso mais que palavras para trazer à tona a indignação de todos que assistiram atônitos à grande tragédia que se abateu sobre Mariana e se repetiu em Brumadinho de forma ainda mais avassaladora. As imagens capturadas por Maria Otávia Rezende nos contam um pouco desse drama, que precisa ser registrado para que fique na memória como uma lição a ser apreendida para sempre”, pondera Valéria Faria, pró-reitora de Cultura da UFJF.
Expedições científicas
O trabalho da fotógrafa é resultado da cobertura jornalística para a Revista A3, da UFJF, que acompanhou as expedições de campo dos pesquisadores Miguel Felipe Fernandes, do Departamento de Geociências, em Brumadinho, e Paulo Henrique Peixoto, do Instituto de Ciências Biológicas, em Mariana.
Nos estudos liderados por Peixoto o objetivo é descobrir as melhores espécies para recompor a mata ciliar da bacia hidrográfica da região de Barra Longa (MG). A pesquisa entra em cena para saber como voltar a semear, ainda que em meio à lama. Quinze espécies foram reunidas para análise e, após os primeiros testes, nove se destacaram. Peixoto levou um caminhão para recolher os rejeitos na região atingida e, além de plantar no espaço que foi concedido em uma fazenda em Gesteira – distrito de Barra longa -, também iniciou o experimento na Casa de Vegetação da UFJF, colocando quantidades diferentes de rejeito no solo fértil dos vasos – 0%, 25%, 50%, 75% e 100%. A conclusão inicial é de que o crescimento das plantas germinadas com 25% e 50% do material são pouco impactadas. Já em percentuais maiores, elas não se desenvolvem.
Já no trabalho de campo, além do crescimento, as espécies estão sendo avaliadas em relação às atividades fotossintéticas, ao metabolismo antioxidativo e outros parâmetros bioquímicos que interferem no desenvolvimento vegetal. Até o momento, duas análises já foram feitas, incluindo a que Peixoto e sua equipe realizaram enquanto estavam sendo acompanhados pela equipe de jornalismo da revista A3. Ainda falta uma terceira e última análise, que estava prevista para fevereiro, mas não pôde ser realizada por falta de recursos. O projeto foi contemplado em edital da Fapemig, ainda em 2016, com R$ 128 mil e duas bolsas da Capes. No entanto, só foi depositada a metade deste montante.
Em Brumadinho, 15 dias após a tragédia, uma equipe de pesquisadores liderada por Miguel Fernandes percorreu mais de mil quilômetros desde a proximidade da foz do Rio Paraopeba, em Felixlândia, até trechos antes do rompimento da barragem em Brumadinho. A expedição se desenvolveu em dois eixos simultâneos: “Investigação preliminar de danos ambientais” e “A voz dos invisíveis”. Para o primeiro eixo, foram ao menos oito municípios visitados para coleta de água e sedimentos do Rio Paraopeba, de seus afluentes e outros mananciais utilizados pela população, como poços artesianos. No segundo eixo, pesquisadores verificaram como comunidades foram ou poderão ser afetadas no modo de vida socioeconômico. O foco são aquelas que não recebem tanta atenção dos poderes público e privado ou da mídia.
“Não deixar que essa memória falhe”
A fotógrafa Maria Otávia Rezende, 20 anos, que participou da expedição, é aluna do curso de Artes e Design da UFJF e bolsista de extensão do projeto A3. Segundo ela, as duas tragédias são como feridas em estágios diferentes. “Estive em Mariana três anos após o ocorrido e os rastros eram cicatrizes ainda abertas e em busca de respostas. Já em Brumadinho, fui 15 dias após a barragem se romper. A ferida ainda sangrava, ainda era tudo silêncio e muita tristeza”, relata.
Com seu trabalho, Maria espera que as pessoas se sensibilizem e não achem que esse sofrimento seja natural e facilmente esquecido. “Enxergar os rostos dos atingidos nos faz mais perto, nos gera empatia. Contar essa história, expor essas imagens é importante para uma compreensão, para nos fazer perto, para não deixar que essa memória falhe”, conclui.