Ex-pacientes sofrem com abuso financeiro e abandono familiar
Dos 280 moradores de residências terapêuticas de Juiz de Fora, mais de 110 não recebem assistência satisfatória das famílias. Significa dizer que cerca de 40% dos ex-pacientes de hospitais psiquiátricos que passaram a viver em casas mantidas com o apoio do Governo federal recebem de seus parentes a pouca atenção dispensada a eles quando estavam internados. Levantamento realizado pelo Departamento de Saúde Mental aponta que o esforço para a conquista de uma rotina de dignidade dos usuários é maior do que parece. Do total de moradores, 15 estão com seus benefícios sociais retidos pela família, que não repassa nenhum centavo do valor destinado ao usuário, geralmente mais de um salário mínimo. Outros 35 não possuem nenhum tipo de documento, nem mesmo a certidão de nascimento.
Em busca de soluções
A situação, que caracteriza abuso financeiro, já foi levada ao conhecimento do Ministério Público e mobiliza a Comissão de Direitos Humanos da OAB, que, em parceria com o professor de Ética da Faculdade de Direito da UFJF, Bruno Stigert, busca soluções para os casos.
“Muitas famílias se estruturaram em cima dessas rendas. Muitas vezes, a desinstitucionalização não era autorizada pela família para que não perdessem o benefício do parente internado. Muitos familiares continuam adotando comportamento semelhante ao que tinham antes, quando os parentes moravam nos hospitais. Levam para as residências terapêuticas apenas biscoitos e cigarros e só quando são solicitados, compram para eles alguma roupa. Ainda prevalece a visão de que o usuário tem poucas necessidades. O que a gente está buscando com a parceria com a OAB, é fazer justiça, pois muitas situações são de abuso financeiro, como venda do imóvel do usuário e abertura de “poupança” com o dinheiro de quem, na verdade, não usufrui desse benefício. Essa poupança é para quando, se as necessidades do usuário são hoje?”, questiona Rosane Jaques Rodrigues, diretora da divisão assistencial do Departamento de Saúde Mental.
Falta de documentos é outro problema
A diretora do Departamento de Saúde Mental, Andréia Stenner, afirma que o abuso financeiro por parte dessas famílias é uma realidade preocupante. Também confirma os prejuízos sofridos pelos usuários sem documentação. “Em uma primeira etapa, chamamos os familiares para reunião no Caps e informamos que o recurso financeiro era do usuário. Depois, com o projeto de empregabilidade da Rede Cidadã, – que busca a reinserção de pessoas no mercado de trabalho -, a gente se deparou com a falta de documentação, pois algumas famílias não querem entregar os documentos dos usuários. Com isso, eles perdem o direito a vários benefícios, como a aquisição de medicamentos de última geração, que requer documentos para serem cedidos pelo Estado e que melhorariam a qualidade de vida dos usuários. Perdem também a chance de emprego e até o direito de ir e vir”, afirma Andréia, referindo-se ao impedimento de conquistarem o Passe Livre, para se apropriarem da rotina da cidade.
Segundo a diretora do Departamento de Saúde Mental, ao encampar a ideia de defesa dos interesses desse grupo, o ativista de direitos humanos e professor da Faculdade de Direito da UFJF, Bruno Stigert, pediu ao órgão a atualização dos dados para buscar saídas. “A ideia da comissão, junto com o Departamento de Saúde Mental, através da Andréia Stenner, é reunir documentos e estudar estratégias jurídicas e políticas capazes de devolver a cidadania dessas pessoas, porque a identidade e o nome compõem os elementos básicos dessa cidadania. Queremos buscar soluções dialógicas junto a instituições envolvidas e as famílias”, explica Stigert.
Em carta aberta à população de Juiz de Fora, publicada em maio, os usuários dos serviços de saúde mental de Juiz de Fora pedem participação na sociedade e respeito à sua autonomia. “Estivemos por muitos anos “presos” dentro dos hospitais psiquiátricos de Juiz de Fora. E não pensem que lá era um mar de rosas. Pelo contrário, foram longos e difíceis anos. Hoje, após muita luta, temos nossa liberdade de volta, temos uma casa para morar e muitos desafios pela frente, inclusive o preconceito da sociedade e o desrespeito a nosso direito à liberdade.”