Moradores de 130 áreas de risco em JF convivem com medo e insegurança
Sem ter para onde ir, famílias se arriscam em locais perigosos; Prefeitura diz que faz monitoramento e busca recursos para realizar as obras necessárias
Juiz de Fora possui, atualmente, 130 áreas de risco geológico monitoradas pela Defesa Civil. Esses locais são considerados suscetíveis a movimentação de terra, podendo resultar em deslizamentos e desabamentos de terrenos e edificações, principalmente no período chuvoso. Os riscos variam de R1 a R4, segundo a classificação, sendo R1 risco baixo; R2 risco médio; R3 risco alto; e R4 risco muito alto. Nessas áreas, consideradas impróprias para o assentamento humano, milhares de juiz-foranos constroem suas moradias e convivem diariamente com a insegurança e o medo de que uma tragédia possa acontecer a qualquer instante.
Quando chove a tensão é maior. As noites de sono são perdidas e dão lugar à vigilância – ouvidos atentos a qualquer barulho que dê sinal de deslizamento. O sentimento é de abandono. Sem ter para onde ir, famílias continuam residindo em áreas condenadas, à espera de alguma medida pelo poder público.
Somente no mês de janeiro, a Defesa Civil foi acionada 609 vezes, sendo 244 ocorrências relacionadas a deslizamento de terra. O grande volume de chamadas está relacionado ao volume de chuvas. Para se ter ideia, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) contabilizou todas as chuvas previstas para os 31 dias do mês somente na primeira quinzena. Após uma trégua, a instabilidade voltou em fevereiro e o acumulado, até o início da tarde de sexta-feira (11), já chegava a 82% do esperado para todo o mês. A condição fez com que novos movimentos de terra ocorressem e se somassem aos problemas observados no início do ano.
Convivendo com o medo
“Eu tive que voltar, não tenho para onde ir”, é o que afirma a auxiliar de serviços gerais Lucimar de Paula Silva, de 58 anos. Desde 1987, Lucimar é moradora da Rua José Sobreira, no Bairro Linhares, Zona Leste de Juiz de Fora. Sua casa fica cerca de quatro metros abaixo do nível da rua. O temor de que a encosta, que fica na parte da frente do imóvel, pudesse ceder, já é antigo. “Nós até fizemos obras de contenção aqui na frente por conta própria”, explica Lucimar. Porém, no dia 11 de janeiro, tudo veio abaixo após as chuvas contínuas do início do ano.
A terra invadiu os cômodos da frente enquanto ela dormia. “Há muito tempo nós já estávamos vendo que essa encosta ia descer. As rachaduras no asfalto estavam ficando cada vez maiores e toda vez que chovia encharcava o terreno. Quando o barranco desceu, atingiu os quartos da frente. A sorte foi que, por medo, eu já não estava mais dormindo ali.”
Logo após o deslizamento, a casa foi interditada pela Defesa Civil, segundo conta a moradora. “Cheguei a ficar dois dias fora, mas tive que voltar. Como vou deixar minha casa abandonada aqui? Com medo de que as pessoas entrem e levem as coisas? Não tem como”, lamentou, afirmando que aguarda o pagamento do auxílio moradia da Prefeitura. “A casa está cheia de rachaduras, e o meu medo é que esse barranco desça de uma vez e eu nem possa ver.”
A Rua José Sobreira, onde aconteceu o deslizamento, está interditada para veículos pesados. No entanto, a moradora afirma que caminhonetes e caminhões continuam transitando no local. A Defesa Civil, em contato com a Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU), afirmou que realiza fiscalização para que a interdição da rua seja cumprida.
Sensação de abandono
Na Rua João Luzia, no Bairro Três Moinhos, também no dia 11 de janeiro, os moradores viram a encosta ceder e levar consigo parte da via. O acesso foi fechado para passagem de veículos, mas segundo os residentes, nenhuma propriedade foi interditada. Vânia Ferreira, comerciante, mora na rua há oito anos. Segundo ela, a situação é uma tragédia anunciada. “Poucos dias antes desse barranco cair, eu já havia solicitado a Defesa Civil. Eles vieram aqui e tudo o que me disseram foi que era para eu continuar monitorando o terreno e mandar foto caso visse algo de diferente. Dois dias depois o barranco cedeu. E isso vai acontecer de novo em outras partes da rua, pois está tudo cedendo.”
“É um bairro abandonado”, afirma Vânia. Segundo ela, os moradores do Bairro Três Moinhos não recebem a devida atenção do poder público. “É um bairro muito bem localizado, próximo ao Centro, mas por não ser elitizado, fica às margens.” Ela reclama que outras partes da rua já estão cedendo, com rachaduras aparentes no asfalto e blocos de terra deslizando a cada chuva mais forte. “No momento de estiagem é que a Prefeitura deveria investir em obras. Nós já não sabemos com quem reclamar, porque uma secretaria empurra para outra. Muita coisa que poderia ser feita não é feita, e depois eles só se ocupam em trabalhos paliativos quando a tragédia já aconteceu.”
Sobre a situação, a Prefeitura afirmou que trabalha para viabilizar a captação de recursos para realização das obras, mas que ainda não há um prazo definido para que sejam feitas. Já sobre as residências, a pasta informou que a equipe de engenharia não constatou danos estruturais na casa em frente ao deslizamento, mas que há outros imóveis na mesma via sob interdição.
Risco persiste mesmo após um mês
Mesmo já passado um mês dos deslizamentos que ocorreram no dia 11 de janeiro, os problemas ainda persistem e se tornam cada vez mais críticos na medida em que períodos de chuva retornam à cidade. Na última semana, Juiz de Fora apresentou precipitações contínuas em diversas regiões. No Bairro Vitorino Braga, onde, no início do ano, um deslizamento de terra fez com que a Defesa Civil interditasse 43 unidades habitacionais, a chuva dos últimos dias trouxe ainda mais insegurança para os moradores.
O pior cenário é notado em uma encosta entre as ruas Rosa Sffeir e Vitorino Braga. O terreno cedeu em janeiro e, desde então, nenhuma intervenção de contenção foi feita. Na manhã desta sexta-feira (11), porém, o local foi visitado pela prefeita Margarida Salomão (PT) e por uma comitiva de vereadores. Em um vídeo publicado em suas redes sociais, a prefeita propôs soluções. “É uma das áreas mais perigosas do município. Eu vou priorizar de forma exclusiva a solução desse problema em termos de demolição de alguns prédios na rua Rosa Sffeir que estão contribuindo para esse deslizamento.” Outras propostas envolvem a colocação de uma lona impermeável para evitar o escorregamento da lama para casa dos moradores, assim como o estudo para interdição do trecho onde ocorre, nas palavras da prefeita, a “avalanche” de lama.
Em contato com a reportagem, a Defesa Civil afirmou que nenhuma pessoa ficou desabrigada, os moradores dos imóveis interditados estão em casas de parentes ou foram encaminhados para o auxílio moradia. A pasta também afirmou que a via foi fechada por conta do deslizamento. Há expectativa de que os imóveis sejam demolidos já na próxima semana. Sobre a lama que invadiu a casa dos moradores, a Defesa Civil nega que um novo escorregamento de terra tenha ocorrido. “O que aconteceu é que, com as chuvas dos últimos dias, o solo solto proveniente do escorregamento na encosta foi carregado e ficou depositado na via”. Ainda segundo a nota, equipes do Demlurb realizaram lavação e raspagem de lama no local.
Imóvel desaba na Zona Leste
Ainda na última semana, na madrugada de terça-feira (8), um imóvel desabou parcialmente na Rua Celso Nunes Leal, no Bairro Bonfim, Zona Leste. A residência já estava interditada pela Defesa Civil desde a última semana, após o aparecimento de rachaduras na estrutura. O desabamento não deixou vítimas, mas informações colhidas com moradores dão conta de que o imóvel passava por instabilidade. Segundo eles, o motivo seria a erosão na rede pluvial da região, problema que estaria causando risco a outros imóveis próximos.
Sobre a situação, a Defesa Civil informou, por meio de nota, e após contato com a Secretaria de Obras, que “já adquiriu os materiais necessários para a construção de cerca de 300 metros de uma nova rede pluvial entre a Rua Horanides Maria Aparecida e Rua Otávio Pereira Torres, em substituição à atual, que está quebrada”.
Perigo iminente
O risco de deslizamento de terra também foi constatado pela reportagem na Alameda Ilva Melo Reis, próximo ao número 2.227, no Bairro Terras Altas. A região tem trânsito frequente de veículos que vão para o Bairro Retiro, em Juiz de Fora e para os municípios vizinhos, como Bicas e Leopoldina. A encosta passa por um lento processo de escorregamento, levando consigo a vegetação que já invadiu parte da rua. No entanto, na região não há casas próximas, e a Defesa Civil afirmou não ter recebido nenhuma ocorrência relacionada ao local.
Também na Zona Leste, outro ponto que está interditado por risco de deslizamento é a Avenida Antônio Miranda, que dá acesso ao Bairro Guaruá. A rua dá sinais de aumento das rachaduras no asfalto, com vegetação crescendo e invadindo a pista. A Defesa Civil afirma que realiza o monitoramento do local e que uma obra de contenção será realizada na encosta, segundo a pasta, o projeto está em fase de revisão.
A interdição por ameaça a deslizamentos de terra é observada também na Rua José Lourenço, no Bairro Borboleta, Cidade Alta, onde o trânsito está impedido desde setembro. A região, mapeada como de alto risco (R4), possui trechos de escorregamento de solo por toda a via. A Secretaria de Obras (SO) informou que o projeto para a obra de contenção na Rua José Lourenço está em fase de elaboração e os recursos para a obra serão oriundos de acordo do estado com a mineradora Vale.
A Rua Vicente Beghelli, no Bairro Dom Bosco, também sofreu com um deslizamento de terra em decorrência das chuvas do início do ano. Na região, parte de um terreno particular cedeu e chegou a interditar a via. A casa dos caseiros ficou pendurada após o deslizamento e foi interditada pela Defesa Civil. De acordo com moradores da região, a família ainda habita no imóvel, porém a reportagem não conseguiu entrar em contato com os caseiros.
Sobre as obras de contenção, a Prefeitura reforçou o decreto de estado de emergência que foi publicado no dia 11 de janeiro, fazendo com que o pleito a recursos estaduais em resposta às consequências de desastres naturais seja facilitado. Com esses recursos, a pasta informou que a atual gestão está investindo em projetos para realizar obras de contenção que solucionem problemas estruturais.
Dois anos sem solução
Somado aos problemas ocasionados pelas chuvas mais recentes, se juntam aqueles já antigos e que ainda não tiveram solução. Há dois anos, no dia 14 de fevereiro de 2020, uma casa desabou na Rua São José, entre os bairros Santa Cândida e São Benedito. Na ocasião, um homem de 53 morreu.
Ainda hoje a situação no local crítica. De acordo com o mapeamento de áreas de risco da Defesa Civil, a região é uma zona de alto risco (R4). Após o deslizamento de terra ocorrido em 2020, residências foram interditadas e a passagem dos carros totalmente impedida na rua acima, a Arthur Machado Filho. No entanto, muitas famílias, sem ter para onde ir, retornam às casas, mesmo sabendo do risco iminente de um novo desastre.
Carolina Lopes mora na Rua São José com a família, os pais e seu filho de apenas três meses. A casa fica a poucos metros do local onde ocorreu o desabamento em 2020. “Quando aconteceu aquela tragédia nós ficamos surpresos. A gente tinha certeza que, se fosse para cair uma casa nessa rua, seria a nossa. Isso porque, depois que compramos, fomos descobrir que já havia diversas ocorrências abertas na Defesa Civil com possibilidade de deslizamento de terra. Hoje o nosso medo é que as casas da rua de cima desçam e levem tudo.”
Carolina conta que a situação do imóvel está precária, com rachaduras cada vez maiores nas paredes e inclinação visível do solo. “Quando chove ninguém dorme. Minha mãe reúne todo mundo na sala e ficamos atentos a qualquer barulho. Ainda mais agora, com o meu menino de três meses. É desesperador.”
Conforme explica, a família não teve direito ao recebimento do auxílio moradia, pois, na época, o pai era motorista com carteira assinada. “Hoje o meu pai está desempregado e minha mãe é diarista, não recebe uma renda fixa. Por isso tivemos que deixar a casa de aluguel onde estávamos morando nos últimos dois anos e voltar. A situação era bem complicada, nós tínhamos que pagar o financiamento dessa casa, mais o aluguel da outra, não tínhamos mais condições.”
Em nota, a Defesa Civil afirmou que realiza o monitoramento da área e o projeto de obras para o local está em fase de revisão na Secretaria de Obras. Já sobre as pessoas que residem em casas condenadas, o órgão ressalta que os moradores que tiveram os imóveis interditados assinaram um termo se responsabilizando pelo não cumprimento da orientação. “A equipe de Serviço Social da Defesa Civil atende todas as famílias que tiveram suas casas interditadas, orientando e acolhendo. As famílias que apresentam um perfil de acordo com critérios estabelecidos pela lei municipal 14.214/202 são encaminhadas para o auxílio moradia”, informou.
A lei municipal 14.214/202 foi sancionada em julho de 2021 e objetiva a concessão, pela Prefeitura, de subsídio financeiro de caráter eventual destinado ao custeio de despesas com o pagamento de aluguel de imóvel residencial e demais gastos emergenciais relacionados à habitação.
Relevo do município contribui para aumento das áreas de risco
O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Núcleo de Análise Geoambiental, César Barra, coordenou um mapeamento das áreas de risco no município em 2004 e continuou acompanhando a situação, juntamente com o Corpo de Bombeiros, até o ano de 2017. Segundo ele, a maioria das características que contribuem para o crescimento das áreas de risco continua as mesmas daquelas observadas em anos anteriores. “Juiz de Fora está localizada no vale do Rio Paraibuna, o que faz com que o relevo seja acidentado, marcado por altitudes elevadas. Isso contribui para que o município tenha muitas áreas de risco. Na Zona Leste, por exemplo, nós temos a passagem de córregos que deságuam no Paraibuna, o que torna o solo mais instável.”
Além dos fatores relacionados à estrutura geológica de Juiz de Fora, a alta precipitação e a ação humana também são aspectos que sobrecarregam determinadas regiões, tornando-as mais perigosas. “Quanto mais o terreno tem essa declividade, mais o solo perde a sua coesão, o seu ângulo de atrito interno. Então, se chover, a água entra nesse solo muito íngreme e isso aumenta as chances dele se romper. A intervenção do ser humano, que coloca peso em cima dessa estrutura, através da construção de casas, por exemplo, também sobrecarrega o terreno. Juntando essa alta declividade com a alta pluviometria, o solo encharcado, e o peso em cima do local, não tem solo que aguente.”
Mesmo diante do risco, César Barra ressalta que muitas pessoas ainda estão vivendo nessas condições por falta de acesso a recursos financeiros, o que coloca parte dessa população em situação de vulnerabilidade. “Algumas pessoas, por não terem dinheiro para comprar um terreno em uma área segura, acabam invadindo essas áreas de risco. Então, nesses locais, geralmente, são ocupações de pessoas que não tem outro lugar para morar.”
A solução para o problema é complexa, já que a cidade sofre com o agravamento e a deterioração de diversas áreas há muito anos. Mas apesar da dificuldade em realocar as pessoas que já vivem nesses locais, algumas adaptações podem ser feitas para alertar a população em caso de acidentes.
“Uma coisa que a Prefeitura poderia fazer é instalar sistemas de alerta em locais de risco, tanto em áreas com probabilidade de movimentos de massas de terra, como em áreas com risco de alagamento. Outras cidades da região já tem esse tipo de sistema. Quando começa a chover, os pluviômetros instalados em lugares estratégicos contabilizam a quantidade de chuva. Se a água acumulada atingir um nível específico, que demonstra risco para o local, uma sirene avisa os moradores e eles desocupam a área.”
Bombeiros trabalham de forma emergencial e preventiva na cidade
O Corpo de Bombeiros em Juiz de Fora acompanha a situação no município e desenvolve tanto medidas de socorro, quanto de prevenção aos moradores que se encontram em regiões mais vulneráveis. Segundo o capitão Yuri Eder Caetano, o número de ocorrências aumentou este ano diante das fortes chuvas que atingiram o município no mês de janeiro. “Nós tivemos vários casos de deslizamento de terra, desmoronamento de edificação e, principalmente, de muros de encostas.”
Esse cenário aumentou a preocupação dos militares e os trabalhos a serem feitos nas áreas afetadas. “A gente tem feito prevenção nas áreas de risco, mapeamento desses locais e também estamos colocando lonas de maneira emergencial nos locais mais prejudicados, já que nós já estamos no período de chuvas. Os locais que têm mais demandado essa prevenção de proteção de encostas são os da Zona Sul, Bairro Santa Luzia, na Zona Leste, Bairros Linhares e Três Moinhos, e na Zona Norte, Bairro Santa Cruz.”
As orientações para quem mora em áreas de risco são muitas e vão desde a necessidade de construir habitações regulares, até entrar em contato com os Bombeiros em caso de estalos ou rachaduras nos terrenos. “A principal dica que a gente passa é que as pessoas não construam casas nesses locais de risco. Que ela procure a orientação de um engenheiro habilitado para estar orientando no caso de construção. No caso da pessoa já morar em um local de risco, nos momentos de chuva é importante que ela deixe sua casa e vá para a moradia de algum parente ou algum amigo próximo. Se houver a suspeita de alguma trinca em barranco, algum barulho diferente como instalo em edificações, o morador deve ligar para os bombeiros pelo 193 ou então para a Defesa Civil. Nós vamos encaminhar um responsável para o local fazer a vistoria.”