João do Joaninho envolvido em outras infrações na represa
O vereador João Evangelista de Almeida (DEM), João do Joaninho, tem o seu nome ligado a outras infrações ambientais na Represa de Chapéu D’Uvas, mesmo local onde foi flagrado, mês passado, dentro de uma lancha na qual estavam três capivaras e um jacu abatidos. A Tribuna descobriu que o parlamentar é citado em um Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), um inquérito civil e em multa ambiental por “exploração de florestas e vegetação em área de preservação permanente”. Na defesa apresentada pelo vereador, junto ao Ministério Público, João do Joaninho negou ser o dono da área onde construiu uma granja não declarada para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O terreno onde existem outras casas em construção está em nome de José Botezine, que já trabalhou para o parlamentar em uma concessionária de veículos e, atualmente, vem a ser assessor legislativo na Câmara Municipal lotado no gabinete do vereador. Em meio ao novo caso, hoje deverá ser divulgado o resultado do inquérito policial sobre o episódio das capivaras. A expectativa é que a delegada Dolores Tambasco, que está à frente das investigações, divulgue hoje a conclusão do inquérito.
A investigação do jornal revela que a primeira ligação do nome de João do Joaninho com a Barragem de Chapéu D’Uvas surgiu no final de 2011, quando a polícia identificou uma propriedade na represa com várias ruas abertas aparentando tratar-se de parcelamento de solo para loteamento. Em nova investida no local, feita em 2012, a polícia identificou três casas em construção, sendo informada pelo caseiro do sítio que o empreendimento pertencia ao vereador. As ocorrências resultaram na instauração de inquérito civil ainda em tramitação na Promotoria da Comarca de Santos Dumont desde 2012 por parcelamento de solo e supressão de vegetação sem licença ambiental.
De acordo com documentos do inquérito, foi detectado parcelamento da propriedade para granjeamento, com 17 lotes em área total de 6,2 hectares, intervenção em área de preservação permanente, construção de um píer em concreto para atracar barcos, abertura de ruas, sendo algumas a menos de cem metros do reservatório. Segundo o perito ambiental Elimar Moreira informou à Promotoria, em 2012, “houve dano ambiental com intervenção em área de preservação permanente”. Na ocasião, foi lavrado auto de infração do então Instituto Estadual de Florestas (IEF), com suspensão das atividades mediante regularização (ver fac-simile 1).
Lazer na barragem
No termo de declaração assinado na Promotoria em outubro de 2012, João do Joaninho nega ser o responsável pelo empreendimento e pela área. Segundo o vereador, as terras pertencem a Botezine, de quem ele se declara amigo sem, no entanto, citar a relação profissional existente entre os dois. Diz, ainda, que sempre que se encontra na localidade é para fins de lazer. Em sua defesa administrativa, o vereador se declara “tão somente amigo pessoal do autuado José Botezine e frequenta sua propriedade sem possuir nenhuma outra relação que justifique o seu envolvimento no auto de infração em epígrafe”. Já Botezine disse ao promotor Roger Silva Aguiar que é proprietário da área e que, das três casas existentes no terreno, uma pertence a ele. As outras duas são, segundo ele, de seus amigos, entre eles o caseiro, o mesmo que disse à polícia que o empreendimento pertencia a João do Joaninho. De acordo com Botezine, a terceira casa, que fica a menos de 100 metros da represa, estava sendo construída por seus amigos para fins de lazer.
Ontem, o vereador admitiu, em entrevista à Tribuna, ter negociado alguns lotes no terreno para ajudar Botezine, recebendo, inclusive uma procuração dele com esta finalidade. João do Joaninho disse também que repassou o dinheiro para ele e que não vê nenhum conflito de interesse no fato de Botezine ser lotado em seu gabinete, já que eles são amigos desde antes da vereança. Segundo o parlamentar, o assessor era conhecido de seu pai no passado, na época em que os dois trabalhavam na Prefeitura. O vereador também afirmou que Botezine comprou as terras na represa em uma época em que tinha “condição boa”. “Ele me chamou e perguntou: você quer fazer uma parceria comigo? Eu te dou um pedaço de terra e você me ajuda a desenrolar. Eu estava numa situação melhor que ele, ele num sufoco”, disse João do Joaninho.
Vereador admite ser dono de granja
Quanto à intervenção no terreno, a defesa de José Botezine, que é assessor legislativo, disse, no inquérito, que não houve “qualquer parcelamento de solo no loteamento” e que a supressão da vegetação decorre de “limpeza com vistas à manutenção do terreno”. A defesa alega, ainda, que tanto o píer, quanto as ruas já existiam desde a aquisição da área, nos anos 2000, solicitando redução da multa aplicada.
Os advogados de José Botezine admitiram no inquérito civil que o terreno foi adquirido por ele com “a intenção de que, no futuro, poderia haver desmembramento parcial, já que a topografia do terreno alterada pelo proprietário anterior se encontrava propícia para instalação desta natureza, contudo, sabedor do fato de que a instalação do empreendimento só poderia ocorrer com autorização e licenças típicas, o autuado passou a executar uma avaliação de viabilidade”. No entanto, ao detectar “vários entraves, optou por adiar indefinidamente o projeto”. As fotos obtidas com exclusividade pelo jornal, entretanto, apontam para o contrário: há pelo menos três casas construídas por proprietários diferentes. O próprio vereador admite ser o dono de uma das granjas e cita outros dois proprietários de casas construídas no terreno embargado pela polícia, entre eles o comerciante que assumiu a responsabilidade pela caça das capivaras, em junho, inocentando João do Joaninho de culpa na participação do crime. “Na época que o Botezine comprou a área, a lei ambiental não era tão rígida. Na época que saiu este problema, eu já estava acabando a minha casa e pintando”, afirmou. João do Joaninho disse, ainda, que não declarou o imóvel para o Superior Tribunal Eleitoral por se tratar de “uma casinha no meio do mato”.
Promotoria
Em entrevista à Tribuna, o promotor Roger Silva Aguiar disse que tentou fazer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para recuperação da área degradada, mas não houve êxito. “Para a Promotoria, não faz diferença quem é o dono. A área foi parcelada de forma incorreta, porque área rural não admite loteamento na forma como se pretendia fazer, até porque o tamanho dos lotes é incompatível com parcelamento rural. Além disso, a barragem não pode ser usada para este fim”, explicou o promotor. Roger disse que pretende ajuizar a ação contra aquele que se afirma proprietário do terreno em questão.
De acordo com a defesa de Botezine, feita no inquérito, a proposta de TAC define como ocorrida a intervenção em área de preservação permanente sem considerar que a área está sob regime de ocupação antrópica e que algumas cláusulas do termo se encontram, de certa forma, “nebulosa”, sendo necessários esclarecimentos. Em 7 de outubro de 2013, os advogados que defendem o funcionário comissionado da Câmara informaram ao promotor que o “píer presente na área encontrava-se em processo de regularização junto ao órgão ambiental”, requerendo 90 dias para a juntada do protocolo que comprovaria a regularização. O prazo para apresentação do documento é fixado pelo promotor em janeiro de 2014, mas, até hoje, o documento não foi apresentado. Em maio do ano passado, o promotor estabeleceu 15 dias para apresentação do protocolo e diz que poderá tomar medidas judiciais cabíveis por crime de desobediência. O último movimento do inquérito foi feito em 16 de junho do ano passado, quando Roger determina prorrogação de prazo para conclusão do inquérito civil em mais um ano. O novo prazo expirou no mês passado. José Botezine foi procurado pela Tribuna, ontem à noite, por telefone e também em seu endereço residencial e de sua mãe. Ele não foi encontrado nos locais e, por telefone, a esposa dele foi informada sobre o teor da matéria. Os números de telefone da reportagem foram repassados, mas não houve retorno.
Multa por supressão de vegetação nativa
Nos autos que tramitam no Ministério Público foi anexada, pela defesa de José Botezine, uma escritura pública de compra e venda feita em 2002, época em que ele se declarava motorista. Em 2005, três anos depois de ter adquirido a área rural, Botezine tornou-se funcionário comissionado da Câmara Municipal, onde está até hoje. O ano coincide com o do início do primeiro mandato de João do Joaninho no Legislativo, quando foi eleito pelo PRP. Atualmente, Botezine está lotado no gabinete do vereador João do Joaninho, onde, até maio deste ano, respondia como assessor de apoio legislativo I com remuneração bruta de R$ 961,13.
Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em Belo Horizonte, há uma multa em fase de recurso – o auto de infração número 174885/2012 – aplicada contra Botezine e contra João do Joaninho de R$ 11.194,15, que aparece no documento como outro envolvido.
De acordo com a Semad, a multa foi aplicada em função de supressão da vegetação nativa em área considerada de preservação permanente. Também em função de ter sido promovido em terreno na barragem “parcelamento de solo ou implantação de loteamento sem licença ou autorização ambiental para supressão da vegetação.”
Delegada divulga hoje resultado de inquérito
Ainda, ontem, a delegada Dolores Tambasco, que investiga se houve participação de João do Joaninho no caso das capivaras, disse ter informações a respeito do inquérito civil que tramita em Santos Dumont sobre o sítio Bela Vista, onde João do Joaninho tem casa e que isso constará nos autos. Quanto ao parcelamento de solo na represa, ela informou que a responsabilidade pelo levantamento do caso é da delegacia de Santos Dumont, município onde o terreno está localizado. No entanto, quanto à construção do píer, que está em área pertencente a Juiz de Fora, ela diz já ter iniciado nova investigação.
Hoje a delegada deve divulgar resultado de inquérito no caso das capivaras. Ontem João do Joaninho disse não temer o resultado deste inquérito e que a decisão está nas mãos de Deus, “que sabe de toda a verdade”. Segundo o parlamentar, o comerciante que dirigia a lancha onde as capivaras foram encontradas é seu vizinho e que, no dia em que a polícia realizou o flagrante, ele estava de carona na embarcação.
João do Joaninho negou com veemência a versão de que teria fugido do local, uma vez que a própria polícia o teria deixado na margem da represa para que voltasse para casa. Também afirmou que estava a caminho da delegacia para depor como testemunha, quando foi orientado por advogado a não comparecer ao local, tendo se sentido mal em seguida. “Nunca tive uma arma em minha vida. Eu cuido da barragem, inclusive limpando os detritos, retirando copo da água, plantando um monte de muda. Faço um trabalho social que quase ninguém faz e que banco com o meu dinheiro. Eu só sei trabalhar. Tudo o que aconteceu comigo está nas mãos de Deus. Tenho muita fé.”