Médica juiz-forana está em missão de 13 meses na Antártica
Lara Gomes é a única mulher entre 17 militares da Marinha em apoio à pesquisa no continente mais frio, mais isolado e mais ventoso do mundo

Em meio às discussões sobre as mudanças climáticas na COP 30, que acontece em Belém (PA), uma médica juiz-forana está fazendo a diferença no mundo. Aos 40 anos – dez deles dedicados à medicina como profissional, a primeiro-tenente Lara Gomes de Araujo é a única mulher entre os 17 militares da Marinha do Brasil que integram o Grupo-Base Sirius 2025-2026 da 44ª Operação Antártica (Operantar), voltado para o apoio logístico às pesquisas científicas desenvolvidas naquela região. Ela embarcou no Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel no dia 5 de outubro e vai ficar mais de um ano no continente gelado. Ao todo, a missão envolve 139 militares, incluindo a tripulação do Navio Polar Almirante Maximiano. “Quando recebi a notícia, me veio à mente tudo o que me trouxe até aqui: os anos de estudo, as escolhas, os momentos de renúncia e de perseverança. Estar na Antártica, servindo ao meu país e à ciência, é a concretização de um sonho”, destacou Lara à Agência Marinha de Notícias. “A presença brasileira na Antártica é essencialmente científica, ambiental e estratégica. Fenômenos que influenciam diretamente o clima, os oceanos e a vida no planeta – principalmente no Brasil – são estudados. Participar desta missão é uma honra: é poder contribuir com a pesquisa, a soberania e o nome do nosso país em um dos lugares mais desafiadores da Terra.”
A juiz-forana chegou a cursar três períodos de fisioterapia na UFJF, antes de decidir largar o curso em 2005. Até 2009, quando entrou na medicina, foram anos de estudos e algumas reprovações. A formatura aconteceu em 2014. “Eu sempre quis ser médica!”. Já na Marinha, ela atuou nas missões Aderex/Lançamento de Armas/2023, a bordo do NAM Atlântico; na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) do Navio-Patrulha Amazonas/2023; e no verão antártico do Grupo-Base Austral (2023-2024), compondo a equipe de saúde na assistência médica, promoção e prevenção de saúde dos pesquisadores e dos tripulantes da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF).
A mineira se descreve como uma pessoa muito determinada e amante de esportes. “Tenho muitos amigos e uma família linda – e, com certeza, a saudade deles será a parte mais difícil desta missão.” Livros e fotos fazem parte da bagagem para aquecer o coração. Para ela, representar as mulheres na Antártica é mostrar que elas podem estar onde quiserem, seja em um centro cirúrgico, em um navio de guerra ou em uma estação científica no continente mais frio do planeta. “Levo comigo todas as mulheres que sonham, que lutam, que conciliam mil papéis e, ainda assim, seguem firmes. A presença feminina na Antártica mostra que coragem, competência e sensibilidade não têm gênero.”
Por ser um ambiente isolado, confinado e extremo, a Antártica exige uma medicina altamente preventiva, explica Lara. “Os principais riscos envolvem traumas, exposição ao frio intenso e efeitos psicológicos e físicos relacionados ao isolamento prolongado e à exposição ou ausência de luz solar.” Por isso, segundo ela, a prevenção é constante: “Usamos roupas adequadas, realizamos treinamentos de segurança, mantemos uma rotina física e mental equilibrada e incentivamos o convívio social entre o grupo. O cuidado com a saúde na Antártica é coletivo, todos se cuidam mutuamente. É um aprendizado diário sobre disciplina, autoconhecimento e respeito ao próprio corpo”, declarou. Com o retorno ao Rio de Janeiro previsto só para novembro de 2026, Lara conversou com a Tribuna sobre sua trajetória e os primeiros dias da experiência no Polo Sul.
Tribuna de Minas – Pode contar um pouco da sua vida, até cursar medicina na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)? Na faculdade você já tinha planos de ingressar na Marinha?
Lara – Nasci e vivi em Juiz de Fora. Morava no Centro (Rua Doutor Gil Horta) e estudava no Colégio dos Jesuítas. Quando terminei a faculdade, me mudei para o Rio de Janeiro para fazer residência médica de cirurgia geral no Hospital Federal do Andaraí (2015-2017). Me interessei mais pela Marinha quando uma colega de faculdade ingressou. Associado ao desejo de estabilidade, em 2018 realizei o concurso para ser médica oficial. Em 2019, ingressei para a Marinha do Brasil (pelo Curso de Formação de Oficiais – CFO). Além disso, terminei minha formação médica no Hospital Naval Marcílio Dias, com cirurgia vascular e angiorradiologia e cirurgia endovascular.

De onde partiu o navio e qual foi o percurso até agora? Quando chegaram à Antártica?
Iniciamos nossa viagem em 5 de outubro, quando saímos do Rio de Janeiro, rumo à Antártica, no navio polar da Marinha do Brasil Ary Rongel. A primeira parada foi na cidade de Rio Grande (RS), onde houve um apoio logístico para material da estação e de pesquisa. Depois, partimos para a cidade de Punta Arenas, na Patagônia Chilena, onde esperamos as melhores condições meteorológicas para a travessia do Drake (trecho de oceano entre a América do Sul e a Antártica conhecido por suas condições marítimas extremas, como ondas gigantes e ventos fortes). Chegamos na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) no dia 23 de outubro.
Como foram esses primeiros dias em alto mar e na Antártica? Quais pensamentos têm passado pela sua cabeça e como você tem feito para amenizar a distância das pessoas queridas?
Os pensamentos são voltados para a missão. Serão 13 meses auxiliando a pesquisa e mantendo a presença do Brasil na Antártica. É uma oportunidade única viver no continente mais frio, mais isolado e mais ventoso do mundo. A estação é um orgulho para todos os brasileiros. Uma estação de aproximadamente 4.500 metros quadrados, moderna, com 14 laboratórios internos bem equipados.
O que difere esta missão de agora das experiências anteriores a bordo de navios da Marinha? Quais são suas funções e expectativas?
O Grupo-Base é o grupo responsável por guarnecer a estação ao longo de 13 meses, composta por quatro oficiais e 13 praças, com diferentes funções. Todos têm a responsabilidade de cuidar e limpar a estação. Além disso, temos as respectivas funções. O médico responsável, além de atuar na assistência e na prevenção à saúde, também tem a função de correio (responsável por receber e enviar cartas) e a de relações públicas (recebe e apresenta a estação a todos que chegam à EACF).
Como manter a tranquilidade durante mais de um ano fora de casa e em um lugar tão diverso da sua realidade?
Os 17 militares responsáveis para guarnecer a estação nos 13 meses são selecionados em um processo da Marinha. São, aproximadamente, 10 meses, durante os quais somos avaliados na parte psicológica, saúde física e na função (a ser desenvolvida). Após isso, iniciamos mais 10 meses de preparação para a missão na Estação de Apoio Antártico no Rio de Janeiro (Esantar-Rio), onde convivemos, criamos laços, nos atualizamos com cursos, cuidamos da nossa parte mental, com psicólogos, e da parte física, com a equipe do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan).
Como tem sido ser a única mulher entre 17 militares a integrar a operação? Como foi recebida pelos colegas?
Na Marinha a presença da mulher é forte. Criamos um laço, somos uma família. Eu cuido deles, e eles cuidam de mim. Há muito respeito e afinidade entre todos os integrantes do Grupo-Base Sirius.









